quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O Projeto Político Pedagógico e a intencionalidade da ação escolar

Quem acompanha o Cabeça Bemfeita já sabe que eu, Zebé Neto, até recentemente apenas um mediano professor de filosofia, hoje filósofo, escritor e educador (para quem me ler pela primeira vez, não julgue que estou “me achando”, como se diz por aí, apenas me reconheço como ignorante, portanto, filósofo, gosto de “lerescrever”, portanto, escritor, e procuro, diariamente, superar minha condição sócio-histórica e cultural, portanto, educador), venho investindo na construção de uma nova identidade profissional.


Nesse meu movimento (confuso, duvidoso e incerto no começo, mais claro, rigoroso e sistemático no presente), fui me aproximando do conceito de professor reflexivo ou intelectual transformador da realidade. Como já falei em outras oportunidades, para além do mero técnico especialista, executor de atividades previamente determinadas, tal profissional é um sujeito crítico, reflexivo, capaz de compreender de forma rigorosa, sistemática e de conjunto o contexto no qual está inserido, além de estar comprometido com os valores éticos, políticos e estéticos que promovam a dignidade humana.


Todo esse processo de busca e construção identitária teve início quando eu, na época, ainda professor de filosofia numa tradicional escola particular do Recife, comecei a indagar a equipe gestora sobre qual era, afinal, o nosso Projeto Político-Pedagógico (PPP).


Havia sido afastado das aulas do Ensino Médio da referida instituição, pois, segundo foi alegado, “meu trabalho não estava atendendo às perspectivas da escola”. Como ainda era um típico representante do fenômeno da alienação, num primeiro momento até aceitei numa boa o acontecido, pois sabia (ainda  que ingenuamente) que realmente me faltavam vários saberes, conhecimentos e competências para que eu fosse considerado um “bom professor”. Mas, logo em seguida, comecei a questionar: “Por que meu trabalho não está em sintonia com as perspectivas da escola? Aliás, quais são as diretrizes da escola?”


Mesmo não sendo na época nem crítico e nem reflexivo, sabia que o documento que sistematiza as ideias e ações da escola é o Projeto Político-Pedagógico. Passei, então, a pedir a equipe gestora que discutíssemos sobre quais eram os pressupostos teóricos que fundamentavam o trabalho da escola, para ver até que ponto meu trabalho se aproximava ou se afastava das diretrizes da instituição.


Apesar do meu posicionamento ter resultado na minha demissão, pelo menos hoje tenho uma compreensão mais clara do que seja o famoso PPP. E o que é, afinal, esse documento que todo mundo reconhece sua importância, mas que poucos se propõem a discutir ou estudar?


Analisando os termos que formam a expressão, temos: “projeto”, “político” e "pedagógico". “Projeto”, do latim projectare, em português, projetar, ou seja, lançar para à frente, v. tr.atirar à distância. Um projeto é, na dimensão humana do pensar e do fazer, uma ideia ou proposta que é concebida no presente e lançada para à frente, ou seja, é projetada para ser concretizada no futuro. “Político”, do grego politikós, relativo à política ou aos negócios públicos. No caso da escola, os negócios públicos são as teorias e práticas educativas. “Pedagógico”, de pedagogia, dos termos gregos paidós (criança) e agogé (condução). Pedagogia é a área do conhecimento que tem como objeto a prática educativa, esclarecendo como se instaura e se processa a ação educativa.  


Sendo assim, o PPP de uma escola nada mais é do que um conjunto, mais ou menos sistemático, de princípios, concepções e planos de ação de ensino e aprendizagem, visando efetivar um certo ideal de educação e, consequentemente, de sociedade.  


Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, um dos meios para viabilizar a escola democrática, autônoma e com qualidade social é o Projeto Político Pedagógico. A conquista da autonomia, por sua vez, pressupõe a construção da identidade de cada escola, “cuja manifestação se expressa no seu projeto pedagógico e no regimento escolar próprio, enquanto manifestação de seu ideal de educação e que permite uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares”. (43)


Na elaboração do projeto político-pedagógico, além da concepção de currículo e de conhecimento escolar, deve haver espaço para a “compreensão de como lidar com temas significativos que se relacionem com problemas e fatos culturais relevantes da realidade em que a escola se inscreve”. (44)


Ainda de acordo com o documento citado, o Projeto Politico-Pedagógico deve constituir-se, entre outros pontos: do diagnóstico da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, contextualizado no espaço e no tempo; da concepção sobre educação, conhecimento e avaliação; da explicitação das bases teóricas que norteiam a organização do trabalho pedagógico, com foco nos fundamentos da gestão democrática, compartilhada e participativa (órgãos colegiados e de representações, estudantil e pais).


Além das questões estritamente filosóficas e pedagógicas (por exemplo, o estímulo à leitura da realidade, a interpretação do perfil real dos sujeitos, a determinação da curiosidade e da pesquisa como núcleo central das aprendizagens, pelos sujeitos do processo educativo), a organização do espaço físico também deve ser concebida pelo PPP, pois a configuração espacial da instituição escolar deve ser compatível com as características de seus sujeitos e se adequar a natureza e as finalidades da educação assumidas pela comunidade educacional. “Assim, a despadronização curricular pressupõe a despadronização do espaço físico e dos critérios de organização da carga horária do professor.” (44)


Quem está inserido no meio educacional, no entanto, constata que há um abismo entre o que é colocado  como referência de PPP pelas Diretrizes Curriculares e as práticas efetivamente observadas na maioria das escolas. É raro encontrarmos escolas que possuam concepções sistematizadas e rigorosas sobre os pressupostos filosóficos (concepção de ser humano, sociedade, conhecimento, ética, política, estética) que orientam (ou deveriam orientar) as escolhas pedagógicas e o trabalho didático-administrativo.  

Não é raro encontrarmos escolas onde cada professor/professora possui sua concepção (quando isso acontece é até menos nocivo, pois ao menos possuem uma) sobre educação e conhecimento, tem seu próprio “método”, avalia da forma que lhe é mais conveniente, possui uma leitura particular da realidade, etc., não havendo, portanto, práticas e representações comuns à coletividade escolar.
Ao invés de se configurar como instrumento de planejamento e avaliação, ao qual as equipes gestora e pedagógica devem recorrer sempre em que houver deliberação, escolhas e tomadas de decisões, o PPP acaba se tornando apenas um documento engavetado,  ou mesmo desatualizado ou inacabado, pois a razão de ser de sua existência, na maioria dos casos,  se deve à exigência legal-burocrática.


No meu modo de ver, o descompasso entre o que é sugerido nas diretrizes e o que realizamos na prática é fruto do “espontaneísmo” que predomina na educação, por sua vez, corolário da dicotomia entre teoria e prática.   Como sabemos, toda intervenção pedagógica que se queira consciente, intencional e eficaz deve esclarecer, previamente, quais os pressupostos teóricos orientarão a ação. No entanto, o que se observa é o predomínio de práticas e representações ametódicas, assistemáticas e fundamentadas no senso comum, justamente porque o PPP, que deveria ajudar no esclarecimento das referências práticas e teóricas mais adequadas para o trabalho pedagógico, não é vivenciado como deveria.


Consequentemente, são poucos os espaços que conseguem viabilizar os meios necessários para a construção de uma escola democrática, autônoma e com qualidade social.

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