Dando continuidade a série de textos Paideia a Caio e a Ravi, trago hoje sua segunda parte, onde apresento mais elementos para compreendermos melhor a escola que temos, visando apresentar, na próxima postagem, o modelo de educação que comecei a escrever para meus filhos, Caio e a Ravi (e também para a garotada que tenho, e com a qual terei, o prazer de ensinar e, principalmente, aprender).
Um dos objetivos do blog é fazer com que eu busque preencher os vazios e lacunas que foram ficando na minha formação. Todos sabemos que, por melhor que tenha sido nossa formação inicial, é impossível um aprofundamento mais rigoroso e sistemático sobre determinado tema ou sobre a obra de um determinado autor em quatro, cinco meses, tempo médio dos períodos universitários. Isso ainda não é o pior! Muito mais grave é que, quando nos formamos vamos para o mercado de trabalho, diminuindo a possibilidade, pelo menos para a maior parte da população, de dar continuidade aos estudos, pois, presos a uma atividade repetitiva, burocrática, estressante, enfim, alienada, no tempo liberado, só queremos "descansar" para voltarmos "com tudo" para a labuta.
Um dos objetivos do blog é fazer com que eu busque preencher os vazios e lacunas que foram ficando na minha formação. Todos sabemos que, por melhor que tenha sido nossa formação inicial, é impossível um aprofundamento mais rigoroso e sistemático sobre determinado tema ou sobre a obra de um determinado autor em quatro, cinco meses, tempo médio dos períodos universitários. Isso ainda não é o pior! Muito mais grave é que, quando nos formamos vamos para o mercado de trabalho, diminuindo a possibilidade, pelo menos para a maior parte da população, de dar continuidade aos estudos, pois, presos a uma atividade repetitiva, burocrática, estressante, enfim, alienada, no tempo liberado, só queremos "descansar" para voltarmos "com tudo" para a labuta.
Enfim, estou dizendo tudo isso para justificar que, até antes da escrita do presente texto, nunca li diretamente o autor das ideias que utilizarei no presente texto para fundamentar minha visão sobre a instituição escolar (o que para muitos acadêmicos é inadmissível!), mas, como o Cabeça me obriga a buscar justamente preencher lacunas da minha formação intelectual, nada melhor do que incluir esse pensador como um dos meus parceiros na construção da educação dos meus filhos e começar um diálogo diretamente com ele. Esse pensador é o francês Michel Foucault (1926-1984).
Como só agora
comecei a dialogar com Foucault ("diretamente", que fique bem claro,
pois, de certa forma já vinha conversando com ele através de outros autores que
venho lendo e que foram pelo pensador francês influenciados), mais exatamente
através do livro Vigiar e Punir:
nascimento da prisão, resolvi chamar para o bate-papo alguém que dialoga com
ele há mais tempo: Inês Lacerda Araújo, professora e pesquisadora do Programa
de Mestrado de Filosofia da PUC-PR, autora, entre outros, do livro Foucault e a Crítica do Sujeito (Editora da UFPR, 2000).
Foucault: normas e regras sujeitando e controlando os indivíduos. |
Para Foucault, a emergência dessa
sociedade da norma, da saúde, da vigilância, que “psicologiza” e “medicaliza” o
criminoso e o escolar, é fruto do desenvolvimento do modo de produção
capitalista. O crescimento populacional e o aumento da produção industrial
fazem com que os mecanismos de vigilância, exame e punição dependam cada vez
mais da articulação entre discurso, saber, verdade e poder. Como os indivíduos passam a ser
considerados em função da sua normalidade (ou seja, da sua adequação à norma
capitalista), “disciplinar” a sociedade passa a ser a palavra de ordem.
Ainda que a disciplina em si não tenha
sido forjada na modernidade, pois "muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas", como diz Foucault, a partir do século XVIII ela atinge um refinamento
nunca antes alcançado. Rapidamente se expande para a escola elementar, exército,
hospitais e para as fábricas, no século XIX.
Segundo Inês Araújo, “na escola (a
disciplina), facilitou a implementação generalizada da alfabetização, a
localização espacial em carteiras; esse espaço recortado, analisado, permite
individualizar e classificar; a disciplina é apropriada para desenvolver
aptidões, mas também é essencial para gerir a população, torna-la governável,
administrável”
Em meus quase dez anos como professor,
em alguns momentos, pedi para meus/minhas alunos/alunas desenharem como viam
a escola. Descontando as representações ligadas ao tédio, ao sono, transmissão
de conhecimentos e isolamento, parte considerável trouxe como representação da
escola a prisão. Sem o saber, eles estavam corroborando a ideia foucaultiana da
típica configuração arquitetônica da sociedade disciplinar: o Panopticon. Resumidamente, a ideia é a seguinte: em um presídio, numa torre
central, circundada por várias celas, apenas um vigia, com uma visão geral (daí o termo panopticon, dos gregos pan, tudo, e optikós, visão) de
todo o presídio, monitora o comportamento de todos os
presidiários. Se vocês perceberem alguma semelhança entre o vigia e o papel do professor na escola normatizadora, não é mera coincidência!
Além das prisões, Foucault analisa
outras instituições que possuem espaços disciplinares, tais como a medicina, as
indústrias e, claro, as escolas. “Na escola se tem a divisão em classes
homogêneas, crianças alinhadas, o lugar marcado tendo a frente o mestre; os
escolares são distribuídos conforme a idade, o sexo; as tarefas e matérias têm
níveis crescentes de dificuldades; há distribuição por mérito”, diz Inês. Além de ser uma
“máquina de aprender”, o espaço escolar também converte-se em espaço de vigiar,
hierarquizar e premiar.
Em tal modelo escolar, a formação e a
disciplina são obtidos por meio de castigos e sanções, normalmente distribuídos
através de provas e exames cujos objetivos são descrever, analisar, medir,
comparar, adestrar, corrigir, normalizar e excluir.
Na instituição escolar os procedimentos
disciplinares funcionam, ao mesmo tempo, como mecanismos de ajuste do
comportamento (filas, carteiras, horários) e como operadores pedagógicos
(provas, testes, exercícios, treinamento de habilidades, avaliação do
desempenho). Sendo assim, de acordo Inês Araújo, “forma-se um tipo de saber sobre o
indivíduo que permite situá-lo com relação aos demais; o problemático, o
indisciplinado, e não é só suscetível de punição corretiva, como é alvo de um
saber que o qualifica. Esses recursos ‘pedagogizadores’ reproduzem na escola o
poder, e seus efeitos, que funciona em discursos, práticas e saberes.”
Ao analisar a gênese e o uso do sistema
escolar moderno, não é intenção de Foucault “abolir” a escola, antes, ele
pretende mostrar “a proveniência e os usos daquelas ‘pequenas’ técnicas e
dispositivos de saber e poder que passam despercebido por aqueles que fazem a
história da pedagogia moderna”, pondera a professora. Foucault jamais negaria a importância da
disciplina intelectual, da dedicação aos estudos, do conhecimento e da
educação, nem que a formação das crianças e adolescentes se limitem às
articulações entre poder e saber. “Neste sentido, a disciplina
intelectual, o rigor, a aplicação do pensamento sobre o próprio pensamento são
essenciais para a formação, para o aprendizado inteligente, para raciocinar,
refletir, argumentar, analisar, obter resultados”, continua Inês. Essas operações não são
simples técnicas de repetição, reforço e reprodução, mas, ao contrário,
impulsionam o aprendizado.
As ideias de Foucault, portanto, devem
ser tomadas como uma denúncia contra a violência dirigida ao indivíduo
sujeitado, como uma recusa a esse modelo que, infelizmente, ainda prevalece na
maioria das escolas. Como diz Inês Araújo, “é preciso imaginar e criar novas
políticas do corpo, que proporcionem autonomia, reconhecer o caráter inacabado
das instituições, (o que dá chance para a inovação, para a criatividade), e,
principalmente, abrir caminhos para a crítica, para a denúncia das práticas que
sujeitam.”
Sem uma subjetividade livre, autônoma,
não há pessoas críticas, criativas, comprometidas ética e politicamente. Apenas
em escolas não burocratizadas, onde a punição e o controle passam a segundo
plano, a formação verdadeira, a capacitação e o aprendizado crítico e produtivo
poderiam acontecer.
É sobre essa escola diferenciada que falarei na próxima postagem!
Zebé Neto
Professor e Ensaísta