Finalmente publico hoje a terceira parte da Paideia a Caio e a Ravi. No texto "Educa-te a ti mesmo" procuro esclarecer os princípios filosóficos que têm fundamentado meu trabalho pedagógico. Por falar em "princípios filosóficos", também hoje publico a página FILOSOFAR, cujo objetivo é sistematizar os conceitos e temas filosóficos utilizados para melhor compreender os problemas levantados aqui no blog.
Como venho transformando minha própria existência, nas programações da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça presto uma homenagem a alguns "revolucionários" que têm ajudado na minha luta pelo poder ("poder do conhecimento", que fique bem claro!). Na Cabeça Bemfeita TV, trago mais uma vez o cara que ultimamente tem feito minha cabeça: Michel Foucault (1926-1984). Suas análises sobre a origem das instituições sociais modernas tem me ajudado a compreender o contexto político e ideológico repressor contra o qual venho me rebelando. Destaco dois vídeos: o segundo, que traz as ideias do filósofo francês por ele mesmo, e o último, uma produção da ATTA Mídia e Educação, onde o filósofo brasileiro Sílvio Gallo, apresenta as contribuições de Foucault para a educação.
Já na Rádio Cabeça, presto uma homenagem ao Public Enemy, banda old school do rap norte-americano que, na segunda metade da década de 1980, me apresentou conceitos como "crítica", "engajamento" e "militância". Esse meu contato com o discurso político do movimento Hip-Hop me levaria, anos depois, a abraçar a filosofia, não só como forma de conhecimento, mas, principalmente, como postura de vida.
Gil Scott-Heron (1949-2011): "a revolução será ao vivo", irmão! |
Completa a programação da Rádio Cabeça outro ativista: o poeta e músico norte-americano Gil Scott-Heron que, com sua mistura de poesia cantada e falada (precursor do rap) e ritmos como Jazz, Funk, Soul e música latina, no final da década de 1960 e início da de 1970, também apontou as mazelas do modelo capitalista de sociedade. No final de maio vai fazer dois anos que o autor do clássico "The Revolution Will Not Be Televised" nos deixou. É isso G.S.H.: "a revolução não será televisionada, a revolução será ao vivo." A minha já tá rolando!!!
Sem mais delongas, fiquem com a terceira parte da Paideia a Caio e a Ravi.
Educa-te a ti mesmo
Com a postagem de hoje chegamos a um
momento bem especial do texto Paideia a
caio e a Ravi: é a primeira vez que sistematizo, num corpo textual
organicamente integrado, o germe daquilo que constituirá o núcleo teórico e
prático do meu próprio sistema filosófico e pedagógico, sistema esse ao qual me
dedicarei até o final da minha existência.
Antes de falar especificamente sobre os
princípios teóricos sobre os quais construirei meu projeto de educação, quais
sejam, a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade,
permitam-me narrar minha recente experiência em tentar entrar para o corpo
discente do curso de Mestrado em Educação, da UFPE, mais especificamente na
linha de pesquisa Formação Docente e Prática Pedagógica. Tal fato, como mostrarei a seguir, corrobora minha ideia de que os princípios teóricos por mim defendidos são fundamentais para o
exercício da cidadania. Por isso mesmo, eles serão a base da educação que pretendo dar para meus filhos.
Para quem não sabe, estive participando
do processo seletivo ao mestrado em Educação da UFPE. Estive, porque na terça,
dia 26/03, fiquei sabendo que havia sido reprovado na 3ª Etapa do concurso,
correspondente a entrevista e defesa do projeto. Confesso que fiquei surpreso,
pois, no meu entender, a entrevista tinha sido tranquila (até demais, uma vez
que não fui indagado sobre aspectos importantes, como metodologia ou
fundamentação teórica), tendo eu respondido, adequadamente, aos questionamentos
levantados pela banca examinadora, principalmente com relação a uma suposta
“amplitude” da minha pesquisa (concordo que meu projeto é complexo, pois não é
tarefa das mais simples investigar as práticas e representações docentes dos
professores de filosofia do estado, mas, ainda que fosse “amplo”, a Academia só
se interessa por temas “restritos”? E a visão de conjunto cara a atividade do filósofo,
como é que fica?).
No entanto, o que quero destacar aqui,
não é meu aparente “fracasso”, mas meu autodidatismo que, mesmo enfrentando
diversas barreiras, me trouxeram até a terceira fase de um dos cursos de
mestrado mais disputados do estado de Pernambuco. Gostaria aqui, de convidar o
prezado leitor e a prezada leitora para voltarem comigo até fevereiro de 2012,
época em que coloquei o Cabeça no ar (ou melhor, nas infovias). Até essa época, apesar de já vir investindo (timidamente)
nas competências leitora e escritora, nem imaginava o fortalecimento e o salto
qualitativo que minha condição de leitor e escritor daria com o exercício
literário proporcionado pelo blog Cabeça Bemfeita.
Acreditem-me, se não fosse o Cabeça (que
me obrigou a investir nas competências citadas), não teria conseguido aprovar
meu projeto (“orientado” por mim mesmo), nem passado na avaliação escrita (sem
nem sequer ter lido um dos textos cobrados para o exame, pois, sabem como é,
quando se adquire uma certa competência para escrever, dá pra “argumentar” bem,
ainda que sem a fundamentação devida!), nem muito menos questionar o resultado
final da entrevista.
Para que ninguém se iluda e fique
achando que bastam a força, o empenho, o esforço, o compromisso e o sacrifício
individual para que consigamos o quê buscamos. É preciso estarmos atentos aos
condicionantes sociais que, quando não impedem, dificultam a realização dos
nossos projetos. Foi o que aconteceu comigo na 3ª Etapa da seleção ao mestrado
da UFPE ao ser “reprovado”. Minha “reprovação” freou um processo ascendente
(que continua, apesar de tudo) que vinha experimentando.
Alguns, com uma postura menos crítica,
poderiam pensar: “Ah, tá bom demais! Pra quem ganha a vida como professor,
cuida, sem babá, de dois filhos, organiza as “coisas” do lar e não traz na sua bagagem intelectual quase nada das escolas
por onde passou (incluindo cursos universitários), uma vez que esquecemos o que
decoramos, e que só estudou na vida inteira por conta própria (sempre com fins
pragmáticos), fazer pela primeira vez o concurso e chegar até a entrevista, já
é um ótimo resultado!”. Até concordo que
me saí bem, mas, dentro da postura crítica e reflexiva que venho assumindo e em
nome do livre-pensar, me reservo o direito de discordar da “avaliação” dos que
organizam o processo de seleção ao mestrado em educação, da UFPE.
Em primeiro lugar, toda avaliação é
arbitrária (sei o que é isso, sou professor!), no sentido de que um determinado
grupo (no caso, os organizadores da seleção), a partir de certos princípios
categoriais e axiológicos (nem sempre tematizados e/ou explicitados), escolhe
certos critérios (deixando de lado uma série de outros critérios tão ou mesmo
mais fundamentais do que os convencionalmente estabelecidos) a partir dos quais
(ou alheio aos quais) julgam os projetos apresentados.
Se os/as nobres examinadores valorizam,
presam e cultivam suas faculdades de julgar, também tenho cuidado e educado a
minha. Ora, mais do que qualquer sujeito (e principalmente mais do que qualquer
“coletividade julgadora”), devemos nós mesmos, que assumimos nossa “maior idade”
e conduzimos autonomamente nossa própria formação, sermos nossos juízes mais
rigorosos.
Não sei quais critérios foram utilizados
(entrei com recurso, apenas para posicionar-me, mas ciente de que o resultado
não mudaria), mas quaisquer que tenham sido e ainda que persuasivos ao ponto de
convencerem-me da justiça do processo, não alteram o fato das razões e
argumentos apresentados serem discursos construídos a partir de certos
princípios, valores e ideias, convencional e arbitrariamente construídos por
sujeitos concretos, historicamente determinados e ideologicamente
comprometidos, passíveis, por tudo que foi exposto, a julgamentos de fato e de valor
mais ou menos rigorosos, mais ou menos sistemáticos, mais ou menos
totalizantes, mais ou menos isentos de interesses estranhos às regras
(impessoais) do processo (sendo mais direto: não favorecer esse ou aquele
candidato devido a sua posição no jogo de distribuição do poder social).
Divergências sobre o resultado à parte,
o certo é que se não tivesse investido por conta própria na minha formação
permanente (afinal, o filósofo não é aquele que, consciente da sua ignorância,
procura sua superação?), não estaria, nesse momento, escrevendo as páginas da
minha própria existência.
Narrei esse exemplo para corroborar a
máxima baconiana de que “conhecer é poder”. Aqui me refiro tanto ao poder do
sujeito que pode tomar consciência da sua situação e transformá-la (como no meu
caso), quanto ao poder das instituições sociais que investe ou destitui do
poder social quem é “aprovado” ou “reprovado”, segundo critérios
convencionalmente escolhidos e legitimados pelos que conduzem as instituições (como
no caso do processo seletivo ao curso de mestrado em educação).
Apesar da ideia de Bacon (1561-1626) não incluir
necessariamente uma dimensão ética da busca, manutenção e distribuição do
poder, não podemos deixar de considerar que tanto o conhecer quanto o poder
encerram questões éticas: Conhecer para que?, Quem seleciona, sistematiza e
transmite o conhecimento? Com quais interesses? Buscamos “poder” para que? Quem
distribui o poder? Quem fica com mais poder?, ....
Como no imaginário coletivo o conceito
de poder traz um estigma negativo muito forte (geralmente associado às
sociedades repressivas, onde o poder é exercido por uma minoria que explora,
violenta e aliena a maior parcela da população) poucas pessoas admitem lutar
por ele.
Não nos iludamos, prezados leitor e
leitora: o poder está aí (seja econômico, político ou ideológico) e, o que é
pior, está sendo (sempre foi, na verdade) utilizado contra a maioria da
população, que não herdou uma condição sócio-histórica favorável. Cansado de
fazer parte dessa maioria, venho investindo na minha formação continuada,
sempre de forma independente e autônoma, para “conhecer” mais e melhor
(respeitando o espírito do blog, melhor seria dizer, “melhor e mais”!) para
“poder” conduzir minha vida, sem depender (ou pelo menos o mínimo possível) de
fatores externos a minha vontade.
No entanto, diferentemente do filósofo
inglês, precursor do empirismo, que, segundo nos mostra a história, não desenvolveu um conhecimento
ético a altura de suas ideias epistêmicas, acredito que a máxima “conhecer é
poder” só pode ser efetivado com base em princípios e valores que dignifiquem a
condição humana, tais como a sabedoria, a justiça, a moderação, o respeito às
diferenças e ao dissenso, a defesa radical da liberdade e a abertura permanente
ao diálogo.
Se cada hoje da minha existência é uma
superação do ontem vivido, devo isso à postura crítica e reflexiva que venho
assumindo nos últimos tempos e que, por sua vez, tem despertado e aguçado minha
criatividade. E como não há vida pessoal fora de uma vida social, mais
recentemente tenho procurado sair do isolamento que me coloquei (afinal, o
filósofo é aquele que se afasta da realidade para visualizá-la melhor e
conseguir um ponto vista mais amplo, e que depois volta para essa mesma
realidade para tentar modificá-la) e ir ao encontro de outros sujeitos que,
assim como eu, se encantam com a vida e buscam compreendê-la para, quando
necessário, promover mudanças naquilo que não for adequado para uma existência
digna e feliz.
Compartilho com vocês a partir de agora,
os princípios-atitudes que têm me ajudado a construir minha própria identidade,
através de um processo contínuo de tomada de consciência das capacidades,
possibilidades e probabilidades de transformação da minha realidade imediata: a criticidade, a
criatividade, a reflexividade e a dialogicidade.
Criticidade
Até o momento que antecede minha atual
fase (de pesquisador, escritor, enfim, de filósofo) julgava que eu era crítico
porque havia me formado em filosofia e conhecia (superficialmente) alguns
conceitos e questões filosóficas. Não poderia estar mais enganado! Se hoje
começo a me aproximar de uma fundamentação mais clara sobre minhas práticas e
representações, devo isso à atitude crítica que passei a assumir (não só
profissionalmente, mas, principalmente, pessoalmente) há alguns anos.
Normalmente, quando falamos em crítica,
logo pensamos naquela pessoa que é do contra, que diz que tudo está mal, que
tudo é feio e desagradável e está errado. É claro que quando as coisas não vão
bem ou quando estamos diante de uma obra (seja de arte, científica ou
filosófica) de qualidade duvidosa temos que apontar sim suas limitações.
Criticar é muito mais do que apontar limites ou falhas. Segundo a filósofa
Marilena Chauí, “a palavra ‘crítica’ vem do grego e possui três sentidos
principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2)
exame racional de todas as coisas sem preconceito ou pré-julgamento; 3)
atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume,
um comportamento, uma obra artística ou científica.” (CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo, SP: Ática, 2003, p. 18). Ora, é justamente isso que
venho fazendo: como filósofo, tenho examinado racionalmente, sem preconceito e
sem pré-julgamento, o aspecto da realidade que elegi como meu objeto de estudo,
a educação. Para isso, tenho procurado examinar e avaliar detalhadamente o
processo educativo, levando em conta todos os matizes que interferem no
processo de formação humana, dos pressupostos filosóficos da educação aos
recursos metodológicos, passando pelo processo avaliativo. O resultado de tudo
isso é que tenho aguçado minha “capacidade para julgar, discernir e decidir
corretamente”, fundamental para o exercício da cidadania na sociedade
contemporânea.
Se hoje começo a ter algum retorno (só
para lembrar, cheguei à fase de entrevista no processo seletivo ao mestrado em
Educação da UFPE, sendo “orientado” por mim mesmo, e hoje, dia 24 de abril de
2013, enquanto trabalhava no presente texto, recebi a feliz notícia de que
havia sido convidado para participar de um bate-papo no CESAR EDU, espaço de formação do C.E.S.A.R., importante centro privado de inovação que utiliza engenharia avançada em Tecnologias da Informação e Comunicação para solucionar problemas complexos para empresas e indústrias) é porque assumi o compromisso com a postura crítica.
Sem
dúvida, meus filhos, Caio e Ravi, respeitando o ritmo de seus desenvolvimentos
cognitivos e afetivos, serão educados para a criticidade.
Criatividade
Normalmente consideremos
criativas as pessoas ligadas ao universo artístico. Na visão comum, são criativas
as pessoas que desenham, tocam algum instrumento, têm alguma habilidade
manual para o artesanato, enfim, normalmente consideramos criativas as pessoas que
sabem fazer coisas que a maioria dos mortais não sabe.
Como dizem Maria Lúcia de Arruda
Aranha e Maria Helena Pires Martins, uma conferida nos significados da palavra
criar (e derivados como criador, criatividade e criativo) mostra-nos que “a
criatividade pressupõe um sujeito criador, isto é, uma pessoa inventiva que
produz e dá existência a algum produto que não existia anteriormente.” (ARANHA, M.L. e MARTINS, M.H. Filosofando: introdução à filosofia. 2ed. rev. e ampl. - São Paulo, SP: Moderna, 1993, p. 337).
Senão, vejamos: criar. V. t. d. 1. Dar existência a; tirar do nada. 2. Dar origem a; gerar, formar. 3. Dar princípio a; produzir, inventar, imaginar, suscitar. criador. Adj. 3. Inventivo, fecundo, criativo. criatividade. S. f. 1. Qualidade de criativo. Vale lembrar que o produto da atividade criativa não é, necessariamente, um objeto concreto, podendo ser uma ideia, uma imagem ou uma teoria.
Senão, vejamos: criar. V. t. d. 1. Dar existência a; tirar do nada. 2. Dar origem a; gerar, formar. 3. Dar princípio a; produzir, inventar, imaginar, suscitar. criador. Adj. 3. Inventivo, fecundo, criativo. criatividade. S. f. 1. Qualidade de criativo. Vale lembrar que o produto da atividade criativa não é, necessariamente, um objeto concreto, podendo ser uma ideia, uma imagem ou uma teoria.
Segundo as filósofas citadas, um
dos critérios para determinar a criatividade de um produto (objetos, ideias,
teorias) é a extensão de sua influência. Quanto mais uma obra reestruturar
nosso “universo de compreensão", ou seja, quanto mais ela contribuir para desestabilizar nossas crenças estabelecidas, quanto mais revolucionar nosso saberes constituídos (o que consideramos "certo" e "indiscutível"), mais
criativa ela será.
Outro critério importante para
medir a criatividade é a inovação. Uma obra criativa de fato traz alguma
novidade, algum detalhe que nos leva a rever o que já conhecíamos,
atribuindo-lhe uma nova organização. Porém, é bom termos cuidado, pois nem tudo
que é novo é criativo, já que “a inovação aparece com relação a um dado
problema ou a uma dada situação, solucionando-a ou esclarecendo-a. A inovação
surge, geralmente, do remanejo do conhecimento existente que revela
insuspeitados parentescos ou semelhanças entre fatos já conhecidos que não
pareciam ter nada em comum.” (Idem, 1993, p. 338) Além disso, a inovação deve ser relevante,
ou seja, adequada à situação. “Um ato, uma ideia ou um produto é criativo
quando é novo, adequado e abrangente” (Idem, 1993, p. 338), sentenciam as autoras.
Apesar de tais condições serem
associadas quase que automaticamente ao universo artístico, a criatividade é
uma capacidade humana que também está presente na produção científica e na vida
em geral. “A ciência não poderia progredir se alguns espíritos mais criativos
não tivessem percebido relações entre fatos aparentemente desconexos, se não
tivessem testado essas suas hipóteses e chegado a novas teorias explicativas
dos fenômenos.” (Idem, 1993, p. 338)
Nesse processo, não podemos
deixar de falar na imaginação, faculdade que aproxima os trabalhos do cientista,
do artista e (acréscimo meu às ideias das colegas filósofas) do filósofo. Todos
eles desenvolvem o “comportamento denominado ‘exploratório’, isto é, dedicam-se
a ‘explorar’ as possibilidades, ‘o que poderia ser’, em vez de se deter no que
realmente é. Para isso, necessitam da imaginação.” (Idem, 1993, p. 338). Imaginar é a
capacidade de criar imagens, de ver para além do dado imediato, criando
possibilidades novas.
Tanto o artista quanto o
cientista e o filósofo “têm de ser suficientemente flexíveis para sair do
seguro, do conhecido, do imediato, e assumir os riscos ao propor o novo, o
possível.” (Idem, 1993, p. 338)
Sei que muitos podem (ou poderão)
discordar das minhas ideias e posicionamentos, o que é muito bom, pois estimula
o “pensamento divergente”, aquele que leva a muitas respostas possíveis, ao
contrário do “pensamento convergente”, que aponta para uma única resposta,
considerada certa. Mas de uma coisa ninguém pode negar: que eu esteja criando e
sendo criativo!
Minha formação descurada me
impediu durante grande parte da minha vida que eu exercitasse minha
criatividade, que imaginasse e ousasse desafiar os limites da minha realidade
concreta. Mas, a partir do momento em que passei a investir na minha formação
continuada e fui me percebendo melhor, tomando posse da minha própria
identidade, concomitantemente, fui descobrindo minha criatividade, que de forma
nenhuma é um dom ou algo inato, mas, ao contrário, é o exercício do
“comportamento exploratório”. É isso que tenho feito: aguçado a imaginação e me
dedicado a “explorar” as possibilidades, “o que poderia ser”, ao invés de me
contentar com o que realmente é. No meu caso, esse “realmente é” significa ser
fruto de uma sociedade desigual, que exclui a maior parte da população da
produção e do consumo de bens e serviços, materiais e simbólicos. Indo direto
ao ponto: estou exercitando minha criatividade como forma de superar minha
condição sócio-cultural-econômica herdada, visando à satisfação plena de minhas
necessidades, tanto as corporais (alimentação, moradia, transporte, etc),
quanto espirituais (produção e consumo de obras artísticas, filosóficas e
científicas).
Procurarei oferecer situações e
atividades que desenvolvam a criatividade dos meus filhos para que,
diferentemente do pai, eles possam exercer o “comportamento exploratório” desde
cedo.
Reflexividade
Analogamente
a atitude crítica, também me julgava reflexivo por ter me formado em filosofia.
Também aqui, estava profundamente enganado. Minha ideia sobre reflexão
correspondia mais ou menos à visão do senso comum que entende o ato de refletir
como aquela parada que o cidadão médio faz em algum momento da vida para
ponderar sobre suas ações e pensamentos ou mesmo quando precisa fazer escolhas
ou tomar uma decisão importante. Apesar de sua relevância, não é a essa
reflexão que me refiro, mas a filosófica.
Segundo o
filósofo e educador brasileiro Dermeval Saviani, a
reflexão para ser filosófica deve ser: radical,
ou seja, deve ir até a raiz dos fenômenos, a sua origem, enfim, aos seus
fundamentos. Dessa forma, a reflexão filosófica é uma reflexão que busca a profundidade
dos acontecimentos; rigorosa, pois
“deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos
determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as
generalizações que apressadas que a ciência pode ensejar” (SAVIANI, Dermeval. Do senso comum à consciência filosófica. 17ª ed. revista. - Campinas,SP: Autores Associados, 2007, p.
21); e de conjunto: a reflexão
filosófica é
globalizante, pois evita a superficialidade, examinando os problemas sob uma
perspectiva de conjunto, “relacionando-se o aspecto em questão com os demais
aspectos do contexto em que está inserido”. (idem, 2007, p. 21)
Ora, é justamente
isso que tenho feito: como filósofo, tenho procurado ir até os fundamentos do
aspecto da realidade que escolhi como foco das minhas reflexões filosóficas,
qual seja, a educação. Para isso, tenho procedido com rigor, sistematicamente,
utilizando métodos diversos (indutivo, dedutivo, dialético, fenomenológico, etc.,
de acordo com a natureza dos problemas a serem analisados e compreendidos), com
a finalidade de compreender o fenômeno educativo sob uma perspectiva de
conjunto.
Ficarei
muito contente se meus filhos, independentemente das áreas que venham a
abraçar, cultivarem a radicalidade, a rigorosidade e a visão totalizante para
poderem compreender melhor os fenômenos com os quais terão que lidar.
Dialogicidade
Uma das
coisas que mais me dão prazer é bater um bom papo. Além de ser fonte de prazer,
o diálogo representa, pra mim, um momento de conhecimento, tanto de
autoconhecimento como conhecimento do outo, “pois ao tentarmos no explicar, ao
tentamos nos fazer entender, estamos a um tempo nos descobrindo e tentando
descobrir o outro para fazê-lo nos entender.” (FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 16ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2009, p. 55).
Como sou
fruto de uma educação que não prepara para o diálogo, e como vejo que a maioria
das escolas do Recife não são dialógicas, cuidarei para que meus filhos cresçam
num ambiente onde a palavra falada seja valorizada e cultivada.
No artigo
Desafios e saídas educativas na entrada do século, Rámon Flecha e Iolanda
Tortajada, dizem, com base em Habermas (1929), que “naquelas situações não-cerceadas
pelo poder e pelo dinheiro, constantemente ocorrem ações comunicativas.”
(FLECHA, Ramón e TORTAJADA, Iolanda. Desafios e saídas educativas na entrada do século. In. IMBERNÓN, Francisco (Org). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 30). Ora, como são raríssimas as situações onde o
poder tradicional e hierárquico e o poder econômico não “falam” mais alto, são
raríssimas, também, as situações em que ocorrem ações comunicativas.
Como não
poderia ser diferente, na chamada “sociedade da informação, da comunicação e do
conhecimento”, a educação “deve basear-se na utilização de habilidades
comunicativas, de tal modo que nos permita participar mais ativamente e de
forma crítica e reflexiva na sociedade.” (Idem, 2008, p. 31)
Sem
esquecer a dimensão política que o acesso e o tratamento da informação ensejam,
os autores acima citados lembram que:
Se pretendemos superar a desigualdade que gera
o reconhecimento de determinadas habilidades e a exclusão daquelas pessoas que
não têm acesso ao processamento da informação, devemos pensar sobre que tipo de
habilidades estão sendo potencializadas nos contextos formativos e se com isso
é facilitada a interpretação da realidade a partir de uma perspectiva
transformadora. (Idem, p. 31)
Assim como os autores citados, também vejo na teoria da ação comunicativa de Habermas, o meio mais adequado para potencializar as habilidades dialógicas, fundamentais para a interpretação da realidade a partir de uma perspectiva transformadora.
A "razão comunicativa" supõe o diálogo, a interação entre os indivíduos mediada pela linguagem (discurso). A legitimidade dos valores e normas morais, antes de ser dada por uma razão abstrata e universal ou pelo arbítrio individual dos sujeitos, fundamenta-se no consenso estabelecido pelo grupo, pelo conjunto dos indivíduos.
A interação entre os sujeitos, obviamente, não se dá pela pressão do sistema econômico (fundamentado na força do dinheiro) ou do sistema político (fundamentado no exercício do poder), mas no entendimento entre os sujeitos que, através de argumentos racionais, procuram convencer (ou se deixar convencerem) uns aos outros sobre a pertinência dos valores e normas estabelecidos, instaurando-se o mundo da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade e da cooperação.
Estou procurando fundamentar minhas ações na ética discursiva habermasiana e educarei meus filhos num ambiente dialógico e interacional.
A "razão comunicativa" supõe o diálogo, a interação entre os indivíduos mediada pela linguagem (discurso). A legitimidade dos valores e normas morais, antes de ser dada por uma razão abstrata e universal ou pelo arbítrio individual dos sujeitos, fundamenta-se no consenso estabelecido pelo grupo, pelo conjunto dos indivíduos.
A interação entre os sujeitos, obviamente, não se dá pela pressão do sistema econômico (fundamentado na força do dinheiro) ou do sistema político (fundamentado no exercício do poder), mas no entendimento entre os sujeitos que, através de argumentos racionais, procuram convencer (ou se deixar convencerem) uns aos outros sobre a pertinência dos valores e normas estabelecidos, instaurando-se o mundo da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade e da cooperação.
Estou procurando fundamentar minhas ações na ética discursiva habermasiana e educarei meus filhos num ambiente dialógico e interacional.
Considerações
finais
É isso
prezado leitor, prezada leitora, ainda que esteja apenas no início da
construção do meu próprio sistema de representação (visão filosófica,
científica e estética) e de ação (atitudes, procedimentos, posicionamentos,
habilidades), já venho vivenciando os princípios-atitudes compartilhados acima.
Mesmo
sabendo que as reformas atualmente em vigor nas políticas pedagógicas de todo o
mundo é muito mais fruto da pressão econômica do capital globalizado do que uma
tentativa de se criar uma educação de fato libertadora e emancipatória, ninguém
duvida que a atual configuração social, cultural e econômica exige que
desenvolvamos novas competências, como assimilar informações, interpretar
códigos e linguagens, empregar os diferentes saberes adquiridos e criar estratégias
cognitivas que permitam enfrentar desafios e tomar decisões em situações
cotidianas.
Hoje,
muito mais significativo do que transmitir listas gigantescas de conteúdos é
preparar as novas gerações para o desenvolvimento de aptidões e competências
gerais, tais como: dominar a norma culta da nossa língua e fazer uso das
linguagens matemática, artística e científica; construir e aplicar conceitos
das diversas áreas do conhecimento, visando compreender os fenômenos naturais,
os processos histórico-geográficos, a produção tecnológica e as manifestações
artísticas; selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações
representadas de diferentes formas, visando tomar decisões e enfrentar
problemas; relacionar informações, representadas de diferentes formas, e
conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentações
consistente; e recorrer aos conhecimentos escolares construídos para elaborar
propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos
e considerando a diversidade sociocultural.
Por uma
questão social e cultural, não desenvolvi tais competências durante minha
formação básica (incluindo o curso universitário, que considero parte da
educação básica). Venho, a duras penas, procurando superar as lacunas que foram
ficando durante meu processo formativo. E, nessa minha caminhada, credito a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a
dialogicidade, os pequenos (mais consistentes) saltos que tenho dado em busca
de uma cidadania efetiva.
Ainda que uma formação integral do ser humano possa (e deva) ser proporcionada por instituições formais de ensino (em nível básico ou universitário), acredito que, devido aos pressupostos morais e políticos conservadores e autoritários que subjazem o trabalho efetivo na maioria das escolas, se quisermos realmente sermos livres e autônomos no pensar e na agir, precisamos assumir nossa própria formação. É esse o principal objetivo de meu projeto filosófico-pedagógico e o qual procurarei desenvolver nos meus filhos, Caio e Ravi, para que eles não demorem tanto (como aconteceu com o pai deles) a conduzirem a própria vida.
Eduquemo-nos, então, a nós mesmos, prezados leitor e leitora!
Ainda que uma formação integral do ser humano possa (e deva) ser proporcionada por instituições formais de ensino (em nível básico ou universitário), acredito que, devido aos pressupostos morais e políticos conservadores e autoritários que subjazem o trabalho efetivo na maioria das escolas, se quisermos realmente sermos livres e autônomos no pensar e na agir, precisamos assumir nossa própria formação. É esse o principal objetivo de meu projeto filosófico-pedagógico e o qual procurarei desenvolver nos meus filhos, Caio e Ravi, para que eles não demorem tanto (como aconteceu com o pai deles) a conduzirem a própria vida.
Eduquemo-nos, então, a nós mesmos, prezados leitor e leitora!
Zebé Neto
filósofo e escritor