sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ainda somos os mesmos?

         Prezado leitor, prezada leitora, antes de retomar o texto citado na ultima postagem , o do Parecer nº 5/2011, do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB), permitam-me compartilhar com vocês a impressão que tive da primeira Assembleia Geral dos professores da Rede Privada, campanha 2012, realizada ontem, dia 19, na sede do Sindicato dos Professores de Pernambuco (SINPRO).
          Parecia que eu estava tendo um déjà vu. Desde quando acompanho as assembleias, há uns cinco, seis anos, não mudou muita coisa: forma-se uma comissão de negociação (da qual inclusive participei em duas oportunidades) que leva alguns pontos para serem apresentados aos patrões, esses, por sua vez, além de ignorar as reivindicações ameaçam cortar direitos conquistados, a comissão volta para a categoria nas Assembleias Gerais, mostra o descaso da classe patronal, em seguida a conjuntura macromicroeconômica é apresentada, ouvimos algumas vozes contrárias à situação de degradação do trabalho docente, alguns aplaudem, outros vaiam. Final da campanha: ou aceitamos um aumento real (não seria ilusório?) de 1 ou 2% ou rejeitamos o acordo, irrompendo um movimento paredista. Saldo: alguns professores demitidos. E assim, segue o ciclo de humilhação, degradação e aviltameno do professor. 
        Não nos iludamos: enquanto categoria, nossa força é muito limitada. Aliás, o próprio conceito clássico de “categoria” está sendo revisto nas atuais relações de trabalho, fundamentalmente individualizadas e consubstanciadas nas capacidades e competências individuais.
       Com a chamada revolução tecnológica, o mundo vem mudando vertiginosamente. A maioria dos patrões, “espertos” que são, já “sacaram” essas mudanças e as utilizam para continuar lucrando. E tome mais-valia pra cima!
       Já nós, professores, carentes de uma fundamentação teórica mais consistente sobre estratégias de luta em sintonia com o mundo atual, nos abraçamos a modelos de luta eficientes entre o século XIX e final do XX, mas insuficientes para enfrentarmos os desafios colocados pela era da informação, da comunicação e do conhecimento.
       Precisamos urgentemente rever nossas identidades se realmente desejamos romper com o ciclo de alienação e insatisfação que, infelizmente, vejo estampada na face da maioria dos que se dedicam a ensinar.
       Eu estou revendo a minha. Não quero passar dez, vinte, trinta anos da minha vida reproduzindo um trabalho sem sentido, nem para as crianças e adolescentes que fingimos formar (não me venham dizer que a maioria de nós trabalha numa perspectiva de educação cidadã, pois, nesse meu tempo de educação constatei que a maioria de nós ajuda a reproduzir o sistema, ainda que inconscientemente, claro), nem para mim mesmo.                                                                                                     
        No último texto publicado mencionei os atributos que, segundo o I Plano Nacional de Educação, o professor que atualmente exerce o magistério tem que possuir. Reproduzo abaixo sete pontos e em seguida lanço sete provocações com base neles, para que possamos refletir se já somos professores do século XXI ou “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, como já dizia Belchior. Ou seja, já mergulhamos nas novas (“novas” com já 20, 30 anos) perspectivas pedagógicas ou ainda estamos presos aos paradigmas tradicionais?
Qualidades do professor (I Plano Nacional de Educação):
I - sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos;
II ampla formação cultural;
V pesquisa como princípio formativo;
VI domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e capacidade para integrá-las à prática do magistério;
VII análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia;
IX trabalho coletivo interdisciplinar;
XII conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos níveis e modalidades da Educação Básica.
Provocações:

I – Quem de nós tem uma “sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos”. Como podemos ter uma “sólida” formação se nossas universidades padecem do mesmo mal da Educação Básica: ensino tradicional, fragmentado e descontextualizado? Quem de nós adquiriu adequadamente os “conteúdos especificamente pedagógicos”, tais como didática geral e específica de cada área, história da educação, filosofia da educação, perspectivas pedagógicas contemporâneas, legislação pedagógicas, entre outros, nos seus cursos de formação?
II - Quem de nós tem “ampla formação cultural”, ou seja, quem de nós possui, ainda que de forma básica, conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos? Se não dominamos nem nossas áreas do conhecimento, como ter uma formação cultural geral?
V - Quem de nós, mesmo sem vínculo com instituições de pesquisa, tem a “pesquisa como princípio formativo”?
VI Quem de nós domina as novas tecnologias de comunicação e da informação e as integra às suas práticas? De que forma isso é feito?
VII Quem de nós se dedica a “análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia”?
IX Quem realiza um “trabalho coletivo interdisciplinar”;
XII Quem de nós conhece e traz para o seu trabalho as contribuições das Diretrizes Curriculares Nacionais?
          É isso aí, pessoal, façamos nossas reflexões.

                                      ***

        Fiquem com a música "Vida de operário", com a Patife Band, banda do músico Paulo Barnabé, irmão de Arrigo Barnabé, músico ligado a vanguarda paulista e autor do clássico disco "Clara Crocodilo". Um pouquinho de arte para ampliarmos nossas referências culturais!
       Alguma relação com a "vida de professor"? Tirem suas conclusões!  
Zebé Neto
filósofo, escritor e educador


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Formação e condição docente

Quarta-feira, dia 11, postei a segunda parte de um texto que venho escrevendo sobre três identidades através das quais tenho tornado minha vida mais significativa. É como filósofo, escritor e educador que venho deixando de ser um “ser-em-si” (um ser sem consciência de si ou do mundo) para me tornar um “ser-para-si” (um ser com conhecimento a respeito de si e do mundo).
O momento que vivo hoje, de criação e não mais de reprodução e alienação, como já falei aqui no blog, começou em 2007, quando uma profunda crise (existencial e profissional) me fez rever toda minha vida: minhas ideias, comportamentos, sentimentos, desejos, vontades.
É claro que ninguém supera sua condição sócio-histórica de uma hora para outra. Já são quase cinco anos de investimento e só agora o resultado começa a aparecer. Hoje desenvolvo um projeto pedagógico autoral, o Teia do Conhecimento  (sistema integrado de método de ensino-aprendizagem, material didático virtual e físico, além de abrir espaço para formação permanente, com foco na inter e transdisciplinaridade, no trabalho com situações-problema e no desenvolvimento de competências e habilidades).
Também estou desenvolvendo um outro projeto, batizado provisoriamente de “Cartilha Tecnológica”, que está na fase de pesquisa bibliográfica. A ideia é escrever um material de apoio pedagógico voltado para professores e alunos, contendo reflexões sobre o impacto das novas tecnologias da informação e da comunicação sobre a educação, além de dicas de possíveis usos das ferramentas tecnológicas em sala de aula.
Recentemente, numa parceria com o pessoal da Livrinho de Papel Finíssimo Editora, escrevi uma cartilha pedagógica para a TRANSPETRO-PETROBRAS. Nela, pude estrear como roteirista e quadrinhista.
           Além disso, edito e publico quatro blogs: esse, ao qual você está dedicando seu precioso tempo, e mais três voltados para as turmas com as quais trabalho no Instituto Helena Lubienska e na Escola Internacional de Aldeia.
          E não para por aí: estou escrevendo dois roteiros para curtas-metragens e em breve, assim que dominar a técnica de gravação de áudio, espero gravar minhas experiências musicais.
          Quem não me conhece poderia achar que estou dizendo tudo isso para me vangloriar. Não poderia estar mais enganado quem assim pensasse. Na verdade, estou dizendo tudo isso para mostrar que, apesar das dificuldades pelas quais todos nós passamos, podemos encontrar caminhos alternativos para superarmos a crise que dilacera a existência do homem contemporâneo.
          Severino Antônio, Doutor em Educação e professor doutor do Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, autor de um livro que me ajudou bastante nessa minha mudança de perspectiva, "Educação e Transdisciplinaridade", diz que:

                           “para atravessar a perda mortal de sentido, que tem desfigurado as relações educativas, é preciso reencantamento. É preciso redescobrir e recriar significação: não apenas como ideias, conceito ou exercício intelectivo, mas como experiência vivida. [...] É necessário religar aprendizagem e vida. Refazer a relação lúdica. Reeducar a sensibilidade, tanto a percepção quanto os sentimentos. Motivar a imaginação inventiva. Seduzir a razão. (ANTÔNIO, Severino. Educação e Transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 24-25)   

         Ultimamente tenho redescoberto e recriado significações, principalmente, como diz Severino, como experiência vivida. Paulatinamente, venho construindo minha identidade, configurando uma imagem mais clara sobre mim e o mundo, desenvolvendo uma linguagem própria e uma relação pessoal com as ideias. Ora, o que é esse blog, se não um exemplo disso? 
         Aproveitando esse meu momento, publicarei uma série de textos sobre o perfil do professor do século XXI. Para tanto, procurarei articular minha experiência profissional a um estudo sistemático que venho realizando sobre o ofício de professor, uma vez que pretendo pesquisar no mestrado as práticas e representações docentes.
          Essa é uma forma que encontrei para ajudar a categoria a qual pertenço, cujo lema da campanha 2012 é “Identidade, dignidade e valorização”. Espero contribuir para que meus colegas possam repensar suas “identidades” num momento de incertezas e instabilidade, comuns na sociedade atual.
          Minhas reflexões serão fundamentadas principalmente pela corrente de pensamento que defende a figura do professor como intelectual transformador da realidade ou o professor reflexivo, notadamente Henry Giroux, Philippe Perrenoud e Isabel Alarcão.
        Para inaugurar minhas considerações sobre a identidade do professor contemporâneo, deixo com vocês as qualidades que o professor deve possuir, segundo o Parecer nº 5/2011, do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB), item 6.4, aprovado em 04/05/2011, que fala da formação e condição docente.
           São poucos os professores e instituições que se dedicam a uma leitura crítica dos documentos oficiais que regulam a educação em nosso país. Por isso mesmo, tenho procurado me informar sobre os aspectos legais da educação, uma vez que a qualidade do nosso trabalho passa pelo “conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos níveis e modalidades da Educação Básica”.

FORMAÇÃO E CONDIÇÃO DOCENTE


           Segundo o Parecer nº 5/2011, do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, no item 6.4. (Formação e condição docente), as novas orientações educacionais têm colocado para os profissionais da educação novas tarefas no que se refere às suas práticas, exigindo que o professor “seja capaz de articular os diferentes saberes escolares à prática social e ao desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho.” Dessa forma, “é necessário repensar a formação dos professores para que possam enfrentar as novas e diversificadas tarefas que lhes são confiadas na sala de aula e além dela”.
         Com relação à “função docente e a concepção de formação que deve ser adotada nos cursos de licenciatura”, há os que defendem “uma concepção de formação centrada no ‘fazer’ enfatizando a formação prática desse profissional e, de outro, há quem defenda uma concepção centrada na ‘formação teórica’ onde é enfatizada, sobretudo, a importância da ampla formação do professor”.
          No entanto, o Parágrafo único do art. 61, da LDB, ao estabelecer os fundamentos da formação dos profissionais da educação, preconiza a articulação entre teoria e prática.
          Segundo as diretrizes indicadas no I Plano Nacional de Educação 2001-2010, as qualidades esperadas dos professores, são:
I sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos;
II ampla formação cultural;
III atividade docente como foco formativo;
IV contato com realidade escolar desde o início até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica;
V pesquisa como princípio formativo;
VI domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e capacidade para integrá-las à prática do magistério;
VII análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia;
VIII inclusão das questões de gênero e da etnia nos programas de formação;
IX trabalho coletivo interdisciplinar;
X vivência, durante o curso, de formas de gestão democrática do ensino;
XI desenvolvimento do compromisso social e político do magistério;
XII conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos níveis e modalidades da Educação Básica. 

          O texto segue falando sobre o Projeto de Lei que propõe o II Plano Nacional de Educação, para o decênio 2011-2020,  o qual prevê a valorização dos profissionais da educação, incluindo o fortalecimento da formação inicial e continuada dos docentes.
       O ponto 6.4. termina trazendo a observação de que “a discussão sobre a formação de professores não pode ser dissociada da valorização profissional, tanto no que diz respeito a uma remuneração mais digna, quanto à promoção da adequação e melhoria das condições de trabalho desses profissionais."
                                                          ***

          Na próxima semana, apresento um comentário crítico sobre as qualidades do professor contemporâneo sugeridas  no item 6.4., do Parecer 05/2011, do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica. Até lá!


Zebé Neto
filósofo, escritor e educador

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sobre o ser filósofo, escritor e educador (Parte II)

Prezados e prezadas possíveis leitores e leitoras, na última postagem falei que era minha intenção publicar a segunda parte da reflexão que iniciei sobre as identidades que no momento venho construindo, as de filósofo, escritor e educador, nesse fim de semana que passou.
Acontece que tenho outra identidade que toma a maior parte do meu tempo: a de pai. Não é fácil ser um pai contemporâneo: cuidar da alimentação, da higiene, brincar, manter a casa limpa... E pra agravar a situação, minha esposa, Sabrina, que divide comigo o cuidado com as nossas crias, tá com o dedo quebrado, exigindo ainda mais minha atenção. Além disso, voltei recentemente para sala de aula, diminuindo ainda mais meu já limitado tempo.
Como vocês sabem o exercício da escrita exige um certo rigor para concatenar as ideias e os argumentos, pensar nos termos apropriados para expressar com fidelidade os juízos construídos, realizar eventuais pesquisas, revisar o que foi escrito, o que, convenhamos, demanda tempo. Como o tempo é um “artigo” raro no mundo atual minha produção não tem sido tão intensa quanto gostaria.
Mas, mesmo com toda dificuldade, não abro mão da minha formação pessoal (o que inclui os aspectos cognitivos, afetivos, éticos, políticos e estéticos) e profissional. Encontrei no blog Cabeça Bemfeita uma forma de preencher as lacunas que foram ficando na minha formação básica (chamo de formação básica a educação formal, incluindo ensino fundamental, médio e universitário). Por isso mesmo, o blog continua fazendo minha cabeça! Gostaria muito que, de alguma forma, contribuísse para fazer a sua também!
Quem quiser manter um diálogo comigo, toda quinta-feira pretendo publicar um texto novo sobre as áreas de interesse do blog: filosofia, arte, ciência, educação, tecnologia, comunicação e trabalho. Terei o maior prazer em dividir com vocês a responsabilidade de construirmos um espaço de reflexão e crítica.
Amanhã já penso em publicar alguma coisa sobre a identidade que o professor precisa construir se quiser escapar dos efeitos da tão falada (e pouco compreendida) crise de paradigmas da sociedade atual, que reverbera diretamente na educação. Para quem não sabe, sou diretor (olha aí, mais uma identidade!) do SINPRO, cuja campanha reivindicatória 2012 adotou os conceitos de “identidade”, “dignidade” e “valorização”. Vou aproveitar esse momento de fortalecimento da minha competência escritora para oferecer a meus colegas de categoria uma série de reflexões sobre a identidade docente, visando ajudá-los na travessia da crise que atinge a todos nós.
Finalmente, deixo com vocês minhas considerações sobre o que é ser filósofo, escritor e educador e por qual razão assumo tais identidades. Pelos motivos já apresentados, não deu para falar sobre o escritor e o educador. Mais na frente apresento minha concepção sobre tais identidades.  Até lá!

Sobre o ser filósofo, escritor e educador (Parte II)
                Examinando alguns artigos da Lei de Diretrizes e Bases n° 9.394, de 1996, chegamos à conclusão que uma formação filosófica básica é imprescindível para quem deseja exercer uma cidadania efetiva.
No art. 35 encontramos que, além da preparação para o trabalho e a cidadania, é finalidade do Ensino Médio, aprimorar o educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (inciso III) e a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (inciso IV). Já o art. 36, no inciso III do § 1°, diz que ao final do Ensino Médio o educando demonstre domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Ora, como a maioria de nós, não adquiriu durante sua formação básica competências e habilidades filosóficas, sou levado a crer que a maioria de nós não exercer plenamente sua cidadania, uma vez que, de acordo com a LDB, é necessário o domínio dos conhecimentos filosóficos e sociológicos para tal exercício.
Além disso, como fica nossa “formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” sem o conhecimento adequado da disciplina que tradicionalmente responde por essa formação, qual seja, a filosofia?
Como represento mais um caso do fracasso do sistema nacional de ensino, que não socializa igualitariamente os bens culturais, não adquiri os conhecimentos filosóficos necessários para o exercício da cidadania.
Na verdade, se for radicalizar e levar em consideração as competências e habilidades sugeridas para todas as áreas como metas da educação básica, verifico que, apesar de nunca ter repetido nenhum ano, quase nenhum conhecimento foi construído significativamente por mim.  
Justamente pra não ser um “cidadão de papel” é que tenho me aproximado cada vez mais da atitude filosófica.

Sobre o ser filósofo.
 

A primeira vez em que prestei atenção ao sentido da palavra filosofia foi numa aula de História, num cursinho aqui do Recife, quando o professor abordou o legado da civilização grega para o Ocidente.
Entusiasmado com a história daqueles homens (a tríade Sócrates, Platão e Aristóteles), naquele mesmo dia, quando meu pai chegou do trabalho, perguntei-lhe: “Pai, o que é Filosofia?” Ele nada respondeu. Apenas me pediu para aguardar e se retirou. Logo depois, aparece seu Du (na verdade, “Crenivaldo”, mas só minha mãe que chama ele assim) com dois volumes de uma edição já clássica, de 1955, dos Diálogos de Platão. Depois de entregar-me os livros, disse: “Olha aqui a Filosofia”. Não sabia ele, mais aquela sua atitude iria mudar para sempre minha vida!
Há algum tempo, quando ainda não compreendia direito o significado da filosofia ficava todo sem jeito quando alguém me chamava de filósofo: “Filósofo eu, imagina! Um garoto suburbano, que teve uma educação formal básica rudimentar, ser chamado de filósofo! É até uma ofensa para ilustres pensadores que discutiram sobre grandes questões que afligem a humanidade”.
Hoje, depois que iniciei uma revisão crítica dos meus conhecimentos e saberes, assumo-me como filósofo, não porque possuo um sistema filosófico pronto e acabado, ou escrito imensos tratados sobre todos os aspectos da realidade, ou ainda porque me formei em filosofia na UFPE. O que me faz filósofo é a consciência do meu não saber.
Enquanto achava que sabia, minha vida era um verdadeiro tormento: confusão de ideias, ausência de projetos (pessoais e profissionais), visão de mundo e de mim mesmo fragmentada, constantes crises existenciais, melancolia, depressão, estresse, relacionamentos interpessoais conflituosos... (uuufa!!! Já deu pra sentirem o drama, não?)
Desde o momento em que reconheci minha ignorância e que socraticamente assumi que “só sabia que nada sabia”, passei a usar minhas limitações, ignorâncias e erros, como aliados do meu processo de autoconhecimento, visando cada vez mais compreender melhor o mundo, as pessoas e, principalmente, eu mesmo, proporcionando, nesse processo, momentos de conforto espiritual, através de experiências estéticas, cognitivas, afetivas, morais e políticas.
Garanto-lhes, prezados leitores e leitoras, que a filosofia é realmente libertadora. Mas, por quê?
No texto o Mito da Caverna, Platão utiliza uma alegoria para descrever a situação na qual o homem comum se encontra: presa da ideologia e da alienação. No mito, os seres humanos acorrentados no interior de numa da caverna só tinham acesso ao mundo exterior através das sombras das coisas projetadas no fundo da caverna. Como nunca haviam tido contato com o mundo exterior, acreditavam que as sombras eram as próprias coisas. Até que um dos prisioneiros rompe as correntes que o mantinha preso e consegue, depois de enfrentar um caminho inóspito, chegar do lado de fora, onde estava o mundo real.
Podemos entender as sombras como os conhecimentos adquiridos pelos sentidos ou através das opiniões, crenças e valores aos quais aderimos sem maiores questionamentos. O prisioneiro que consegue se libertar é o filósofo que, através de um método rigoroso, rompe com os pré-conceitos, pré-julgamentos, opiniões e crenças que todos acreditam serem verdadeiras.
Assumi a filosofia como parte integrante da minha identidade porque não estava mais suportando “viver na caverna”, ou seja, viver uma vida alienada, sem projetos pessoais, assumindo papéis impostos por agentes externos a minha própria vontade.

E o que é, então, a filosofia? 

A filosofia é a atitude de colocar em questão o que parece indiscutível, de duvidar das certezas cotidianas, daquilo que parece “banal”, questionando as verdades preestabelecidas e assumindo a dúvida como motor desse processo crítico.
Para Demerval Saviani, uma reflexão é filosófica quando é radical (busca as raízes da questão, vai até o fundamento, procurando explicitar as bases do pensar e do agir), rigorosa (exige um método claro, que nos permita proceder com rigor, garantindo o exercício da crítica e a coerência do discurso) e de conjunto (examina os problemas numa perspectiva de totalidade, considerando as diversas dimensões que os compõem).
Como pretendo investir cada vez mais na minha condição de filósofo, resolvi radicalizar nas minhas investigações. Resolvi ir até as raízes, aos fundamentos do meu pensamento e da minha ação na tentativa de transformar minha realidade que até bem pouco tempo não era nada satisfatória. Logo me percebi mergulhado no mais absoluto “espontaneísmo” (situação daquele que não tem consciência clara sobre os pressupostos filosóficos que subjazem seu pensamento e sua ação).
Não vacilei, imediatamente passei a buscar um método que me permitisse proceder com rigor, um caminho que garantisse a coerência e a coesão das minhas reflexões, além do exercício da crítica.  Esse exercício tem me permitido sistematizar meus sentimentos, valores, conhecimentos, procedimentos e atitudes numa perspectiva de conjunto, de totalidade, onde as várias linhas de especulação que venho desenvolvendo encontram-se organicamente integradas.
Sei da delicadeza da minha postura, pois vivemos numa sociedade que mascara a realidade e oculta a verdade. Historicamente vários filósofos tiveram problemas com o poder instituído, pelo fato da reflexão filosófica ser instituinte, por criticar os valores e conceitos herdados, propondo outros alternativos.
Eu mesmo fui demitido de duas grandes escolas aqui do Recife por tentar alertar que a nossa dificuldade em promover uma educação significativa vinha do fato de não possuirmos uma compreensão adequada sobre os pressupostos filosóficos que subjazem qualquer prática pedagógica, tenhamos consciência deles ou não. Em uma delas, inclusive, fui acusado, acreditem, de “corromper a juventude” (qualquer semelhança com Sócrates não é mera coincidência!), o que me valeu uma tentativa de demissão por justa causa.
Pra finalizar minhas considerações sobre o ser filósofo, destaco que a filosofia é filha da cidade, ela só surgiu na Grécia Antiga devido às condições políticas que favoreciam o uso da palavra em praça pública, onde os atenienses defendiam suas ideias, colocando-as para a apreciação dos demais. Estou apenas no início de minhas reflexões, mas já estou vindo a público (nesse caso específico na Ágora da sociedade tecnológica: a internet) para expressar meus posicionamentos, ideias e valores para a apreciação crítica de outros filósofos que, assim como eu, não abrem mão de interferir nos “negócios da cidade”, ou seja, na política.

                                                           ***

            Semana que vem trago minha visão sobre o ser escritor e educador. Até lá!!!


Zebé Neto
                                                                                                                       filósofo, escritor e educador