sexta-feira, 12 de julho de 2013

Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi



E lá se vão mais de dois meses desde o momento em que publiquei a terceira parte da Paideia a Caio e Ravi e só agora, dia 12 de julho, é que publico a quarta e última parte do esboço do projeto pedagógico que estou construindo para a formação integral dos meus filhos.

A situação difícil pela qual venho passando desde o final de 2010 (momento em que minha vida virou de cabeça para baixo depois que fui afastado de uma importante escola particular do Recife, acusado, de forma leviana e irresponsável, de promover uma “guerra virtual” contra a diretora e a escola, o que não aconteceu, claro) tem me impedido de me dedicar à atividade que tem me dado mais prazer e que me salvou da atividade alienada (e alienante) comum no ambiente escolar: escrever o blog Cabeça Bemfeita.

Meu posicionamento mais crítico e reflexivo, também me custou outra demissão de outra grande escola recifense no final do primeiro semestre de 2011, depois de minha participação na greve daquele ano. Experimentava, eu, a sensação de estar pela primeira vez desempregado depois que comecei a trabalhar como professor de filosofia em 2004. Permaneci assim, até o ano passado, quando o Lubienska Centro Educacional me acolheu como professor de filosofia no Fundamental.

 Nesse intervalo de tempo tive dois filhos, Caio e Ravi. Como estava desempregado em pleno meio do ano, a mãe dos garotos, Sabrina Carvalho, teve que correr atrás do "dindin". Enquanto a mim, combinamos que eu ficaria na correria com as crianças, até porque só estava com duas séries no Lubienska (5ª e 6ª), além de investir na minha formação continuada (nos momentos em que os garotos dessem uma trégua, ou quando vovó Tereza, minha mãe, desse uma força!). Quem é mãe (e quem é “pãe”) sabe que cuidar de duas crianças, uma de três (Caio), e outra de um ano e sete meses (Ravi, pense num peraltinha!!!) não é tarefa das mais simples. Some-se a isso meu trabalho como professor, que exige pesquisas, leitura crítica, escrita de textos diversos, organizar e dirigir situações de aprendizagem, acompanhar e avaliar o desempenho da garotada, ... 

Minha dura realidade dificultou, inclusive, minha participação no Sindicato dos Professores de Pernambuco (SINPRO-PE). Para quem não sabe, sou um dos diretores do sindicato, atividade que pretendo retomar nesse segundo semestre, pois, acredito que o professor, além de se envolver no debate político sobre educação na escala dos estabelecimentos escolares, deve também se voltar para os desafios corporativos ou sindicais. (Perrenoud, 2002). E por falar em sindicato, tem uma galerinha muito boa que tá se organizando para colaborar com nossa categoria, independentemente de cargos ou da influência político partidária que sempre permeio as ações sindicais. Harim, Paulinha, Salviano, Serginho: estamos juntos na batalha!!!  

Bem, acredito que as razões apresentadas sejam suficientes para vocês dimensionarem a situação delicada pela qual venho passando há quase três anos. Espero que compreendam o porquê da irregularidade das publicações do Cabeça!

É essa mesma dificuldade que tem fortalecido minha luta contra essa situação degradante (materialmente falando, pois, afetivamente, tenho o amor dos meus filhos e o apoio incondicional dos meus pais e irmão, além da força da mãe dos meus filhos, e, simbolicamente, tenho a companhia diária dos escritores e músicos que têm me ajudado a enfrentar esses tempos difíceis). Espero que nesse segundo semestre as coisas melhorem e que eu possa escrever mais regularmente aqui no blog.
 
O texto Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi fecha a série de artigos que resolvi escrever como uma sequência para o Manifesto pela Escola do Século XXI , publicado aqui no Cabeça no final do ano passado. O objetivo da série “Paideia a Caio e a Ravi” foi traçar um primeiro esboço do que considero ser a formação adequada para meus filhos.

A publicação de hoje marca também uma mudança no Cabeça Bemfeita. Quem acompanha o blog sabe que o tema educação sempre teve lugar de destaque por aqui. Pois bem, agora em julho, eu e alguns colaboradores (amigos de longas datas e outros mais recentes, ligados a diversas áreas e linguagens) iremos colocar à disposição um espaço de reflexão e construção de projetos pedagógicos inovadores: o Portal de Educação Tecnológica e Artística (P.E.TEC.A.). Com a abertura desse espaço alternativo de reflexão e ação pedagógicas, as discussões sobre educação ficarão concentradas no portal, enquanto aqui, no Cabeça, continuaremos nossas reflexões sobre filosofia, arte, ciência, tecnologia e comunicação.

E por falar no P.E.TEC.A., devo dizer que o Portal de Educação Tecnológica e Artística é um empreendimento que concebi como forma de superar àquela situação difícil mencionada acima. Depois de quase dez anos trabalhando isoladamente como mero executor de projetos elaborados por outrem, resolvi diversificar minha atuação e me transformar num professor reflexivo ou num intelectual transformador, ou seja, um profissional crítico, reflexivo, capaz de compreender o contexto sócio-econômico-político no qual está inserido, ao contrário do mero técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função é "administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos." (Giroux, 1997, p. 158). Sendo assim, depois de cinco anos de pesquisas e estudos isolados, escolhi simbolicamente o ano de 2013 para ser o início de uma nova fase da minha trajetória como professor: momento do exercício de uma práxis intencional, onde minhas escolhas categoriais e axiológicas e minhas práticas profissionais são orientadas por um corpo teórico rigoroso, sistemático e de conjunto. Se assim não o fosse, não me atreveria a sair por aí convidando parceiras e parceiros para construirmos, através do P.E.TEC.A., currículos inovadores e significativos.  


Para finalizar essa introdução, falemos da programação da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça dessa postagem. Na primeira, temos a palestra Educação na Era Planetária, com Edgar Morin, gravada na sede da Unesco, em Paris, e parte integrante do Segundo Ciclo do Fórum Universo do Conhecimento, promovido pela Universidade São Marcos (SP).  O filósofo francês é um dos pensadores que têm me ajudado na tarefa de construir a educação que desejo para meus filhos. Entre outras coisas, Morin fala sobre os desafios da complexidade (os elementos de um todo "são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes", nos diz o mestre na'Cabeça Bemfeita, livro que empresta nome e conceito para o presente blog), os obstáculos ao conhecimento, a importância do autoconhecimento ("o didatismo só tem sentido se aprendermos a se autodidatas, ou seja, a sermos autônomos", nos diz Morin na palestra) e a urgência de uma reforma do pensamento). Já na Rádio Cabeça, aproveitando a transferência das discussões sobre educação para o P.E.TEC.A., resolvi fazer uma seleção com quatro nomes que tocaram  ao longo das postagens publicadas nesse último ano: Pink Floyd, SoulJazz Orchestra, Bad Brains e Patife Band. 

Fiquem com duas músicas que sintetizam muito bem a essência do modelo educacional ainda hegemônico e contra o qual venho lutando: a clássica Another brick in the wall, com os ingleses do Pink Floyd, e Rise, com os Bad Brains, lendária banda 'punkrockhardcore" norte-americana (os caras tiveram por aqui no Abril Pro Rock e, como em vários outros shows bacanas, não pude ir pelo simples fato de estar sem grana, melhor dizendo, pelo simples fato de ser professor!).


(Another brick in the wall)

We don't need no education
We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teacher! Leave us kids alone!
All in all you're just another brick in the wall
All in all you're just another brick in the wall






(Rise)


"Did you ever question any of the 
things they thougt while you were at school?
And did you ever question "Oh my teacher, 
why do you take me for a fool?" 
Rise up 
you got to rise 

Rise up you, 

wake up and rise"






Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi


Quem frequenta o ambiente escolar já deve ter escutado a seguinte questão: “Devemos preparar nossos estudantes para a vida ou para o vestibular?” Na verdade, considero esse um falso dilema, pois não posso conceber uma escola que “prepare para a vida” e não seja capaz de preparar seus estudantes para simplesmente reproduzirem os conhecimentos gerais e a ciência normal exigidos nos exames e provas aos quais são submetidos em todas etapas da escolarização (o que inclui o vestibular).

E o que significa preparar para a vida? Significa instrumentalizar as pessoas com sentimentos, saberes, conhecimentos, procedimentos, atitudes, habilidades e competências fundamentais para o exercício da cidadania. Nesse sentido, “a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão.” (Morin, 2011, p. 65).

Como vai ser difícil encontrar instituições que se aproximem daquilo que considero ser um modelo de educação adequado (com adequado quero dizer que ajude os educandos e educadores a desenvolverem a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade), resolvi, eu mesmo, sistematizar um projeto pedagógico capaz de tornar meus filhos, Caio e Ravi, sujeitos críticos, criativos, reflexivos, livres, responsáveis e permanentemente abertos para o diálogo. Isso é o mínimo que posso fazer por eles, uma vez que, como não pediram para nascer, que ao menos construam esquemas de pensamento e ação para enfrentar um mundo por vezes hostil e violento. E como a vida não é só adversidade, que eles possam também, através de uma formação integral, serem capazes de proporcionar a si próprios momentos de satisfação espiritual através de experiências estéticas, epistemológicas, éticas e políticas significativas.

Como decorrência da minha decisão em assumir a postura reflexiva e o envolvimento crítico (efetivamente, nas práticas sociais, e não apenas no discurso), tenho me aproximado de algumas autoras e autores que têm me ajudado a compreender melhor o mundo, as outras pessoas e, principalmente, a mim mesmo. Entre eles, o pensador francês Edgar Morin. Nesse início de construção de um sistema filosófico-pedagógico autoral, encontrei na concepção de escola de vida, desenvolvida pelo pensador francês, no livro A cabeça Bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, a formulação ideal para aquilo que considerado ser a educação adequada para meus filhos, tornando-os sujeitos críticos, criativos, reflexivos, livres e responsáveis.


Escolas de vida


Como alerta Morin, apesar da “cultura das humanidades” historicamente ser voltada para uma elite, no mundo contemporâneo ela deverá ser uma preparação para a vida, independente da classe social (Morin, 2011).
 
Mesmo considerando que a formação mais adequada (globalizante, emancipatória e libertária) é aquela dada e alcançada pelo próprio sujeito cognoscente, acredito na possibilidade de construção coletiva de escolas cujo objetivo seja contribuir para a emancipação humana, para ensinar a viver. Se assim não o fosse, já tinha desistido de ser professor!



Morin e as escolas de vida: modelo para a educação
dos meus filhos
E quais são, então, essas escolas que preparam para a vida? Seguindo os passos de Morin, defendo que são escolas da língua que, através das obras dos escritores e dos poetas, permitem que o adolescente, apropriando-se dessas riquezas, “possa expressar-se plenamente em suas relações com o outro.” (Idem, p. 48)

São escolas da qualidade poética da vida, da emoção estética e do deslumbramento, onde “as artes levam-nos à dimensão estética da existência e – conforme o adágio que diz que a natureza imita a obra de arte – elas nos ensinam a ver o mundo esteticamente.” (Idem, p. 45).

São escolas da descoberta de si, na qual o adolescente pode reconhecer sua subjetividade na dos personagens de romances ou filmes. “Livros”, como diz Morin, e que amplio para os filmes, “constituem ‘experiências de verdade’, quando nos desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda, informe, que trazemos em nós, o que nos proporciona o duplo encantamento da descoberta de uma verdade exterior a nós, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e torna-se a nossa verdade.” (Idem, p. 48)   
 
São escolas da complexidade humana que, por sua vez, faz parte do conhecimento da condição humana, permitindo-nos viver, concomitantemente, com seres e situações complexas. O conhecimento da condição humana engloba: a contribuição da cultura científica (ciências naturais renovadas e reunidas – Cosmologia, Ciências da Terra e Ecologia); a contribuição das ciências humanas (Psicologia, Sociologia, Economia, Ciência Antropossocial Religada, História); a contribuição da “cultura das humanidades” (filosofia, literatura, cinema, poesia, música, pintura, escultura).

São também escolas da compreensão humana, onde literatura, poesia, cinema, psicologia, filosofia, convergiriam para tornarem-se escolas de compreensão, uma vez que, “a ética da compreensão humana constitui, sem dúvida, uma exigência chave de nossos tempos de incompreensão generalizada: vivemos em mundo de incompreensão entre estranhos, mas também entre membros de uma mesma família, entre parceiros de um casal, entre filhos e pais.” (Idem, p. 51).

Sem dúvida, quem teve ou tem o privilegio de estudar numa escola estruturada tal como defendida por Morin, estaria preparado, tanto para o exercício da cidadania, ou seja, para a vida, como para passar em qualquer vestibular, concorrendo a qualquer área. No entanto, como ainda oferecemos um sistema educativo cuja função principal é expedir títulos, criar hierarquias e selecionar força de trabalho (Subirats, 2000), função que continua exercendo em pleno século XXI, apenas preparamos nossos estudantes (alguns), quando muito, para reproduzirem nas questões exigidas nas diversas avaliações classificatórias as quais são submetidos, do Fundamental ao vestibular, as respostas acumuladas no desenrolar da Educação Básica. 
 
Devido a minha condição histórica concreta não tive a oportunidade de fazer minha educação básica numa “escola de vida”, tal como sugere Morin, ao contrário, toda minha escolarização, incluindo o nível universitário (assim como a da maioria dos que lerem esse texto, suponho), foi feita na escola típica que ainda hoje se faz presente na maioria das instituições (algumas, inclusive, se fazendo passar por espaços diferenciados de educação, não passando de simples engodo para pais incautos): organização curricular disciplinar, conteudismo, “educação bancária” (o professor, a cada dois meses, “deposita” na mente dos estudantes leis, conceitos e regras, depois, sob o formato de prova, teste ou avaliação, “saca” as informações), espontaneísmo, tempos e espaços rigidamente distribuídos, avaliação somativa e classificatória, etc.
 
Como vai ser difícil encontrar espaços que eduquem para a autoformação da pessoa e que ensinem como se tornar cidadão aqui no Recife, resolvi me “matricular” nas “escolas de vida” para poder, cada vez mais, compreender, através do uso competente da língua, a complexidade da condição humana, o que, ao mesmo tempo, me permitirá descobrir/construir minha própria identidade, condição para que eu possa gozar da “qualidade poética da vida, da emoção estética e do deslumbramento”, nas palavras do mestre francês.
Ora, como não posso dar a meus filhos aquilo que não recebi, venho investindo de forma mais sistemática e rigorosa na minha formação continuada (o que inclui as dimensões cognitiva, afetiva, ética, estética e política) para possibilitar a Caio e a Ravi uma formação plena, integral, permitindo-os responder de forma inteligente e criativa aos problemas colocados pela existência, quando as situações concretas assim o exigirem.
 
Espero que daqui a aproximadamente quinze anos, quando meu primogênito estiver perto de concluir sua formação básica, tenhamos (meus filhos e eu também, claro, pois estarei construindo/reconstruindo com eles os conhecimentos e habilidades que minha condição histórico-social me privou) construído os saberes, competências e atitudes fundamentais para o exercício da cidadania, objetivo principal de uma escola que prepara para a vida.

Zebé Neto
filósofo e professor de filosofia


Referências bibliográficas:

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19 ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2002. SUBIRATS, Marina. A educação do século XXI: a urgência de uma educação moral. In. IMBERNÓN, Francisco (Org). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.