Minhas primeiras palavras em 2013 são de
agradecimentos. Meu muito obrigado a todos e a todas que fizeram da primeira
parte do manifesto que publiquei no final de 2012 o texto mais visitado nesse
um ano de vida do Cabeça Bemfeita. Valeu a força, pessoal! Isso só aumenta
nosso compromisso em oferecer um espaço de formação dialógico, crítico e
reflexivo.
Gostaria muito de já ter publicado em
2013, mas, como não é novidade para quem me acompanha há mais tempo, não gozo
de “ócio criativo” (uma das metas que persigo) para me dedicar a atividades não
remuneradas (como a apreciação e a produção artísticas, por exemplo). Realmente não é nada
fácil cuidar de duas figurinhas espertas e ativas, como são meus filhos, Caio e Ravi, sem babá (tanto por questão ideológica, quanto financeira); ser professor (que
significa ter de dar conta de uma rede complexa de saberes que envolve o
trabalho docente); e, ainda, ler textos de diferentes estruturas e registros e
escrever, atividades necessárias para o exercício literário que representa para
mim o Cabeça. Sem falar que nos últimos dois meses estive voltado para o
processo seletivo ao mestrado em educação pela UFPE (continuo considerando o autodidatismo a melhor opção de formação, mas, dentro do meu processo de profissionalização, comecei a sentir a necessidade de estar perto de quem reflete sistematicamente sobre a educação, algo difícil de se encontrar nas escolas, além disso, o peso da autoridade legitimada pela academia fará com que minhas ideias sejam mais consideradas).
Caio e Ravi: destinatários do meu projeto de educação |
No entanto, a despeito de todas as dificuldades, apresento hoje o texto “Paideia a Caio e a Ravi”, um primeiro esboço do que penso ser a educação ideal para os meus filhos, e que retoma e complementa as questões discutidas no texto “Pare a escola que eu quero descer! (ou Manifesto pela Escola do Século XXI)”. Se não bastasse tudo isso, a postagem de hoje também marca o aniversário de um ano do Cabeça.
Por falar nisso, nem parece que já se foram doze meses desde que resolvi romper com minhas resistências com relação à tecnologia e investir no meu letramento digital. Nesse tempo passei por intensas experiências, algumas positivas, outras nem tanto, mas todas fontes de aprendizado e amadurecimento. Sem medo de errar, aprendi nesse ano, impulsionado pelo investimento no meu letramento digital, muito mais do que na minha última década de vida (acho que até nas duas últimas, mas, para não exagerar, fiquemos só com a última que já tá de bom tamanho!).
Tantas mudanças não poderiam deixar de
influenciar na concepção e no formato do blog. A maioria das alterações serão compartilhadas
nas próximas quatro postagens como forma de comemorar esse primeiro aniversário. A
primeira e mais evidente mudança é com relação ao novo design, mais sóbrio e dinâmico. Outra mudança importante, diz respeito as páginas do blog. Nesse primeiro ano do Cabeça, abri algumas páginas com o objetivo de discutir vários assuntos que me interessam, como filosofia, arte, ciência, tecnologia e comunicação. No entanto, devido a escassez de tempo para dar conta das diferentes áreas contempladas, resolvi, nessa nova fase que se inicia, suprimir algumas e fundir outras. O mesmo vale para a página "SOBRE", na qual apresento o blog, que voltará na próxima postagem, revista e reformulada. Além das páginas, a Cabeça Bemfeita TV (espaço onde compartilho vídeos que trazem temas, conceitos e problemas ligados a linha editorial do blog) também está sendo reformulada. O resultado vocês conferem a partir da semana que vem. Apenas a programação da sua Rádio Cabeça (espaço onde compartilho os sons que fazem minha cabeça) se manteve. Essa semana fiquem com a galera do SoulJazz Orchestra, big band de afro-soul-soul-jazz beat canadense e que também tá na batalha por um mundo menos injusto. Para quem não sabe, a seleção dos clipes exibidos é feita automaticamente pelo youtube, sendo minha interferência apenas na sugestão das palavras-chave. Como a música Kapital (que acho bem legal) não foi selecionada, mando ela agora pra vocês. Quem curtir, pode sacar mais sobre a banda no site http://www.souljazzorchestra.com/bio.html.
Diferentemente
da primeira parte do Manifesto pela Escola do Século XXI, que foi publicada de uma só vez, a segunda será dividida em quatro partes, não só porque a maioria dos meus leitores e
leitoras (acredito, eu) não possui muito tempo para ler, mas também porque eu
não gozo de muito tempo para escrever.
Também peço a compreensão de vocês para
a existência de possíveis equívocos e erros (notacionais e/ou conceituais), ou
mesmo para algumas análises superficiais. É que, como hoje é o último dia do
mês de fevereiro (mês de aniversário do blog), e praticamente só tive ontem e hoje para escrever, resolvi publicá-lo mesmo sem ter tido tempo para maiores revisões. Fiquem à vontade para nos ajudar, apontando nossos limites e equívocos.
Por enquanto, é isso. Volto semana que
vem trazendo a segunda parte do texto “Paideia a Caio e a Ravi” e com mais
novidades sobre o funcionamento do Cabeça Bemfeita 2013. Aguardem!
Fiquem agora com o início da segunda parte
do Manifesto pela Escola do Século XXI e até lá!
Zebé Neto
filósofo e
professor de filosofia
Paideia a Caio e a Ravi (ou Manifesto
pela Escola do Século XXI)
O filósofo grego Aristóteles escreveu
sua Ética a Nicômaco com objetivo de registrar sua concepção moral. Eu, Zebé
Neto, filósofo pernambucano, escrevi minha Paideia a Caio e a Ravi, um registro
(inicial) sobre a educação ideal (no sentido de ser uma “ideia” de educação, ou
seja, uma representação teórica de um modelo adequado de educação) que venho
construindo para os meus filhos, Caio e Ravi.
Diferentemente do estagirita (que na obra
composta por dez livros assume o papel de um pai interessado pela educação e
felicidade de seu filho) não pretendo colocar a razão acima das paixões, antes pretendo construir um modelo de educação que busque o equilíbrio
entre a razão (que percebe, sente, compreende e age movido pelas paixões), e as
paixões (que, sendo melhor compreendida pela razão, podem ser mais intensamente
experienciadas).
Assumindo minha responsabilidade com
esses dois seres que não tiveram a liberdade de escolher existirem ou não, me
coloquei a missão de primeiro me educar para depois, educar meus filhos. Como o
projeto de todo indivíduo e da humanidade é inconcluso (aquele porque a morte
chega e esta porque o “projeto” da humanidade se caracteriza, justamente, pela
abertura, pelo porvir), até o final da minha existência física (sem nenhuma
conotação religiosa) me empenharei em me autoformar para me aproximar ao máximo
da identidade que julgo ser o modelo ideal de pessoa, pois só assim poderei educar
meus filhos nos valores e princípios que considero os mais elevados: a
sabedoria, a justiça, a coragem e a prudência.
O texto Paideia a Caio e a Ravi, cujo
objetivo é complementar o Manifesto pela Escola do Século XXI, está dividido em
cinco partes que, por sua vez, serão publicadas nas próximas quatro postagens.
Hoje, como primeira parte, publico
algumas considerações sobre o conceito de paideia, para isso me apoiando na
obra clássica "Paideia: a formação do Homem Grego”, de Werner Jaeger. Nas próximas postagens virão,
respectivamente, a segunda parte, onde retomo a discussão sobre a instituição
escolar iniciada na primeira parte do Manifesto, visando resgatar o fio condutor que levará a terceira parte, onde
abordo as principais características de um projeto de educação crítica,
criativa e libertária, o qual poderia ser adotado pela escola que se queira
capaz de formar sujeitos dentro da perspectiva de paideia por mim defendida; e,
por último, concluo o Manifesto pela Escola do Século XXI apresentando algumas
ações efetivas que poderiam ser o germe de uma proposta pedagógica com mais
qualidade social.
I. Paideia: a formação do ser humano
Poderia ter chamado o presente texto de
“Ética a Caio e a Ravi” ou “Política a Caio e a Ravi”, pois, para mim, toda
educação é um projeto ético e político (ainda que os agentes, muitas vezes, não
tenham clareza disso). Também poderia tê-lo chamado de “Bildung a Caio e a
Ravi”, pois a expressão Bildung também traduz o mesmo ideal de formação que a
expressão de origem grega “paideia” traz.
Essa última prevaleceu pela razão que
narro agora pra vocês. Como sabem (pelo
menos quem me ler com mais frequência), tive uma formação descurada, afinal,
também faço parte dos milhões de brasileiros que são vítimas da educação de
péssima qualidade oferecida nas nossas escolas (sejam públicas ou privadas). Em
função disso, a qualidade do meu trabalho deixava a desejar. Ciente que minhas
experiências pedagógicas não logravam êxito devido aos limites de minha
formação, passei a investir no meu autoaprendizado constante para poder superar
a situação histórico-social concreta na qual estava inserido (naquela época, de
alienação). Até esse momento, o pouco da “bagagem” intelectual que tinha,
proviera de memorizações e estudos pontuais que realizara com objetivos bem
específicos (como passar no vestibular ou fazer provas no ensino superior). O
surgimento do Cabeça, há um ano, é um capítulo dentro dessa minha busca de
autoconhecimento. O aprofundamento das minhas leituras tem me mostrado a
necessidade de buscar um diálogo direto com os próprios autores das categorias e
problemas teóricos pelos quais tenho me interessado. Eis, então, minha escolha:
sempre ouvi falar sobre “paideia” (o termo e a obra de Jaeger), mas nunca li
diretamente o texto. Então, como é proposta do blog ser um espaço de
aprimoramento intelectual e profissional, achei relevante ler essa obra que é
referência dentro das áreas que tenho me dedicado, a filosofia e a
educação. Feita a justificativa do
porquê do nome, passemos ao conceito de paideia.
Segundo Werner Jaeger, historiador e
filósofo alemão, a palavra “peideia”, no início do século a.C., significava
simplesmente “criação dos meninos”, bem distante do sentido elevado que
adquiriu mais tarde. E qual é esse sentido elevado que o termo passou a
conotar? É o que veremos.
Para Jaeger, expressões modernas como
civilização, cultura, tradição, literatura ou educação não traduzem realmente o
que os gregos entendiam por paideia. Tais termos limitam-se a expressar um
aspecto do conceito de paideia, sendo necessário, se quisermos abranger o campo
total do conceito, emprega-los todos de uma só vez. (JAEGER, 1995).
No capítulo “Lugar dos Gregos na
história da educação”, Jaegar oferece pistas mais consistentes sobre o
significado de "paideia" ao abordar os conhecimentos que são a força formativa
que está a serviço da educação e que ajuda a formar verdadeiros "seres humanos" (no original, Jaeger fala “verdadeiros homens”, acredito que pelo fato da formação integral grega ser destinada ao gênero masculino, mas também porque no período em que Jaeger escreveu não havia a crítica ao uso do termo "Homem" para se referir a "humanidade").
Tais conhecimentos seriam: a física (no
sentido grego de physis, “natureza”), a arte, a literatura e a filosofia.
Analisemos a importância de tais saberes.
Segundo Jaeger, “os gregos tiveram o
senso inato do que significa ‘natureza’.” (idem, p.10). Para o
pensamento grego, as coisas do mundo não são partes isoladas do resto, mas, ao
contrário, fazem parte de “um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo
ganhava posição e sentido.” (idem, p. 11). A esta concepção, Jaeger
chama de orgânica, uma vez que nela todas as partes são consideradas
componentes de um todo. A concepção do ser como estrutura natural, amadurecida,
originária e orgânica, impele o espírito grego para a clara apreensão das leis
do real em todas as esferas da vida: pensamento, linguagem, ação e todas as
formas de arte. (Idem, 1995).
Como a idealização da arte só aparece no
período clássico, o estilo e a visão artística dos gregos surgem, num primeiro
momento, como talento estético e “não na deliberada transferência de uma ideia
para o reino da criação artística.” (Idem,
1995, p. 12) O mesmo acontece na literatura, cujas criações dependem “da
interação do sentido da linguagem e das emoções da alma” e não do sentido da
visão. Até na oratória encontramos o caráter plástico e arquitetônico, caros a
escultura e a arquitetura, mas que também encontramos num poema ou numa obra em
prosa.
Jaeger destaca também, como conhecimento
formador do espírito humano, à filosofia, “criação mais bela do espírito grego”.
Na filosofia se manifesta de forma mais evidente a força que se encontra na raiz
do pensamento e da arte grega: “a percepção clara da ordem permanente que está
no fundo de todos os acontecimentos e mudanças da natureza e vida humanas.” (Idem, p. 12). A filosofia, segundo
Jaeger, “não é uma simples soma de observações particulares e abstrações
metódicas, mas algo que chega mais longe, uma interpretação dos fatos
particulares a partir de uma imagem que lhes dá uma posição e um sentido como
partes de um todo.” (Idem, p. 12).
Apenas a educação que leve em consideração esses saberes merece, propriamente, ser chamada de formação.
No entanto, adverte-nos Jaeger, "este ideal de Homem, segundo o qual se devia formar o indivíduo, não é um esquema vazio, independente do espaço e do tempo." (Idem, p. 15). Com isso, Jaeger quer dizer que o tipo de formação considerada ideal está diretamente condicionada pelo contexto histórico-social onde se desenvolve o processo de socialização. Se assim é, qual é o modelo de formação ideal para o mundo atual? Esses conhecimentos destacados por Jaeger como força formativa a serviço da educação ainda são válidos nos dias de hoje?
Procuraremos responder a essas e outras questões, na segunda parte do texto "Paideia a Caio e a Ravi". Até lá!
Procuraremos responder a essas e outras questões, na segunda parte do texto "Paideia a Caio e a Ravi". Até lá!