quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Pare a escola que eu quero descer! (ou Manifesto pela Escola do Século XXI)

Olá, amigo leitor, amiga leitora do Cabeça, tudo certo?

Quem acompanha o blog já deve ter percebido que desde o seu nascimento nunca havia ficado tanto tempo sem postar. É que há mais de um mês, como forma de reagir a uma profunda depressão que estava sentido, resolvi escrever aquele que considero ser o texto mais importante da curta história do Cabeça Bemfeita.
Quem acompanha o blog sabe que ele surgiu para ser uma plataforma de formação continuada, uma vez que nós, docentes, não encontramos muitas oportunidades de qualificação em serviço, justamente num momento em que a atualização constante é um imperativo.
Essa iniciativa me fez pesquisar e ler como nunca havia feito (nem mesmo durante minha formação inicial). Resultado: aprofundei consideravelmente minha compreensão sobre mim mesmo (como profissional e, principalmente, como pessoa) e sobre o mundo em minha volta.
Uma das principais conclusões a que cheguei é que, por mais que minha consciência, enquanto filósofo-pesquisador, tenha aumentado, enquanto profissional da educação (professor), ainda permanecia vítima da condição histórica de alienação que herdei.   
Proporcionalmente ao meu maior “esclarecimento”, aumentou também minha angústia e frustração por me perceber responsável, enquanto filósofo, por analisar e comunicar o resultado das minhas reflexões, e temer ser mal compreendido, pois, como qualquer trabalhador alienado, sou assalariado e o que ganho atualmente não dá para atender as necessidades básicas dos meus filhos (nem muito menos as minhas), e temo ver portas se fecharem por estar defendendo minhas ideias.
Enquanto minha satisfação e prazer com o trabalho crítico e criativo que venho realizando com o Cabeça só aumenta, inversamente, meu trabalho como professor só tem me deixado triste e deprimido. Alguma coisa precisava ser feita. E o fiz (ou melhor, estou fazendo)! 
O incentivo que faltava para finalmente tomar coragem e revelar (em espaços concretos, pois na web já venho buscando o diálogo desde fevereiro) minha nova identidade, de professor reflexivo, e para finalmente romper com a alienação do meu trabalho como professor que tem dificultado minha realização, foi dado pela filha de Homer, Lisa Simpson, num episódio que trabalhei em sala nesse segundo semestre.   O resultado vocês conferem logo abaixo no texto "Pare a escola que eu quero descer", um manifesto que resolvi escrever para, além de recuperar minha saúde mental, divulgar minhas ideias para ver se encontro interessados/interessadas que queiram dividir comigo o desafio (e o prazer, apesar das dificuldades) de se reinventar.

Antes do manifesto, porém, apresento a programação da Rádio Cabeça e da CabeçaBemfeita TV. Para quem não sabe, duas seções do blog pensadas para abrir espaço para a reflexão e a crítica proporcionadas pela linguagem não-verbal (no caso, a música e o vídeo).  Advirto, para os mais tradicionalistas, conservadores ou eruditos, que as programações, tanto da rádio quanto da tv, terão, na maioria das vezes, um viés mais pop. É que, como professor, acredito que uma de minhas funções é promover a crítica da Indústria Cultural, que na maioria das vezes termina sendo a única fonte de informação da juventude (e do mundo adulto também!).  

(Para quem quiser pular essa parte, o manifesto está mais abaixo)
Rádio Cabeça e CabeçaBemfeita TV
Acompanhando minha disposição em revolucionar (não as escolas em si mesmas, pois com certeza a maioria vai reproduzir em 2013 os mesmos erros cometidos nos anos anteriores, mas transformar minha própria existência) minha relação com o meu trabalho, priorizei artistas e produções que em seu discurso, direta ou indiretamente, a crítica, a reflexão e o posicionamento político estejam presentes.

Até a próxima postagem, no início de janeiro de 2013, irão se revesar na Rádio Cabeça nomes como:  Bob Dylan, Neil Young, Pink Floyd, Rage Against the Machine, Public Enemy, The Roots, Fela Kuti, Radiohead e The Clash, pelo lado "gringo", e Devotos, Mundo Livre s/a, Faces do Subúrbio, Tom Zé, Racionais MC's e Subversivos, pelo time brasuca.

Já na Cabeça Bemfeita TV, os vídeos em exibição surgiram a partir da palavra-chave "escola do século XXI". Como sempre, o resultado é bem irregular. Destaco dois vídeos: a palestra do professor Luli Radfahrer, Ph.D em comunicação digital pela ECA-USP, que, apesar de exagerar na "comicidade", levanta questões importantes sobre a educação no mundo atual, tais como, exclusão digital, escolas como redes sociais, função do professor e inovação e invenção, e o vídeo que traz o III Seminário Internacional de Tecnologia Educacional: A escola do século XXI, principalmente o primeiro palestrante (acredito que da PUC/SP, pois o vídeo não traz maiores informações) que, a partir da ideia de Paulo Freire que todos se educam entre si, mediatizados pelo mundo, fala do impacto da tecnologia nesse processo. Espero que vocês possam aproveitar algumas informações! 

Antes do manifesto, gostaria de fazer uma homenagem a uma galera que me ensinou, quando eu tinha 12 anos, nos idos de 1986, que nós, que fazemos parte dos grupos sociais oprimidos, podemos transformar nossa situação através do ritmo e da poesia, ou seja, das palavrasPublic Enemy, Beastie Boys, Run DMC, Grandmaster Flash, Boogie Down Productions, De La Soul, entre outros clássicos do rap, colocaram, sem saber, o adolescente Zebé (ou melhor, José Benedito, pois Zebé só viria nascer em 1993) no caminho da reflexão e da crítica. Para homenagear essa galera e todo o povo do Funk e do Jazz (Curtis Mayfield, Sly and Family Stone, Parliament e Funkadelic, James Brown, Gil Scot-Heron, Milles Davis, Charlies Mingus, John Coltrane, entre outros que passei a conhecer na sequência, devido ao meu contato com o hip-hop), fiquem com Rage Against the Machine, trazendo o grito dos renegados do funk.



Pare a escola que eu quero descer! (ou Manifesto pela Escola do Século XXI)


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde “é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.  Levando em consideração esse conceito, há quase dez anos estou doente devido ao meu trabalho como professor.
É certo que no tempo em que estou na sala de aula nunca consegui ter conforto material (“completo bem-estar físico”, uma das condições do bem-estar social), mas, ultimamente, minha atividade profissional tem abalado seriamente minha saúde mental: depressão, estresse, infelicidade, solidão, desprazer, frustração, desmotivação, angústia, humilhação, desrespeito, ...
Antes que afundasse de vez na depressão resolvi me tratar. No meu caso, a “medicação” (receitada por mim mesmo) foi investir na minha formação continuada. Há aproximadamente cinco anos, comecei a tomar as primeiras doses (início dos meus estudos) do remédio. Logo depois, há uns dois anos atrás, como os sintomas da doença (ignorância e alienação) persistiam, tive que aumentar a quantidade do princípio ativo do remédio (me aprofundar na prática reflexiva e no espírito crítico). Hoje, com a publicação do texto “Pare a escola que eu quero descer! (ou Manifesto pela Escola do séc. XXI)”, estou me dando alta.
Sem metáforas, prezado leitor, prezada leitora: ficou insuportável continuar no meio educacional sem manifestar toda minha frustração e insatisfação com o tipo de atividade que exerço. Como professor, até hoje apenas ajudei a reproduzir (pela minha omissão) uma lógica educacional que não acredito mais (na verdade, nunca acreditei, apenas não tinha coragem, nem preparo, para me rebelar contra ela).
Tenho consciência que minha atitude pode significar o fechamento de várias portas (sabemos que esse papo de “espaço democrático” que as escolas pregam, na maioria das vezes, é “caô” de Projeto Político Pedagógico), mas não posso continuar refém dos meus medos, incertezas, fragilidades e ignorâncias.
Na Antiguidade Clássica, Platão lançou a base de um currículo cujo objetivo era “fundamentar a educação para o exercício da cidadania e da ética, na vida cotidiana.” (Cunha, 2008, p. 74) Para o filósofo grego, o objetivo de uma educação filosófica é possibilitar ao cidadão o desenvolvimento de quatro grandes virtudes, fundamentos de todas as outras: a sabedoria, a justiça, a coragem e a moderação.
Segundo José Auri Cunha, “aprender a coragem significa conhecer o que deve realmente ser temido, vencendo o medo fantasioso (...), ter persistência e ousadia na busca do que se acredita ser justo.” (Idem, 2008, p. 73) Muitas vezes, é preciso ter coragem para se mudar uma regra injusta, ou mesmo para defender nossas convicções, “mesmo correndo o risco de ter que se submeter a sacrifícios” (Idem, 2008, p. 73-74), diz Cunha.
Apesar de todos os medos e incertezas, estou apostando na coragem, com a intermediação da moderação, claro, responsável por “colocar a força da coragem, o senso de justiça e a consciência da sabedoria em harmonia” (Idem, 2008, p 74), para romper com minha situação atual, de mero reprodutor de currículos pensados por outrem, para ser um co-escritor e co-autor de projetos pedagógicos inovadores. Espero que a dosagem de coragem que “tomei” possa me ajudar a recuperar minha saúde mental.

I. O Ministério da Educação não adverte: violência simbólica faz mal a saúde!

Nesse final de ano letivo, trabalhei com um episódio da série norte-americana Os Simpsons intitulado “Lisa tira um A”. Nele, em pleno discurso de agradecimento por um prêmio recebido pela escola como recompensa pela excelente nota que a filha de Homer tirara de modo fraudulento, não resiste a sua consciência moral e revela que filou e que não merece a premiação. No início de seu discurso, brada Lisa Simpson: “A educação é a busca da verdade!”.
Concordo com Lisa, e, em nome do meu compromisso com a verdade (não posso esquecer que, antes de ser professor, sou filósofo, e que, desde o seu nascimento, a filosofia caracteriza-se por ser a busca da verdade), comunico que, por não mais suportar o modelo dominante de organização da instituição escolar, consolidado no século XIX e ainda hegemônico em pleno século XXI, estou deixando a “escola”!
Entendam bem: estou deixando um certo modelo de organização escolar e não a educação (área que escolhi, enquanto filósofo, para ser objeto de minhas reflexões) ou de trabalhar com a docência. Continuo acreditando na importância da educação formal para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas cheguei ao meu limite. Até adoeci (é prezado leitor, prezada leitora, violência simbólica, humilhação, aviltamento da profissão e o desrespeito constantes trazem sérios danos à saúde de nossa alma) em decorrência da atividade alienada que há quase uma década exerço.
Que fique bem claro que essa é uma escolha e decisão pessoal, que vem sendo amadurecida nos últimos anos. Não tem nada a ver com o espaço com o qual atualmente colaboro (que obviamente, como toda escola, tem suas dificuldades, mas que tem uma equipe comprometida e que busca fazer sua travessia nesses tempos difíceis, e ao qual sou grato pelo acolhimento e pelo aprendizado e experiências proporcionados), ou mesmo com os estudantes (legitimamente revoltados com a “educação” que lhes é oferecida, mas perdidos e equivocados, pois sozinhos, na forma de se rebelar) que insistem em me tratar como “professor”, ou seja, com indiferença e indelicadeza.
Todos nós, na verdade, somos vítimas de um sistema de educação de massa que, como sabemos, não tem compromisso com a conscientização e a emancipação humana, mas, ao contrário, funciona como um aparelho ideológico a serviço da reprodução do status quo, qual seja, o sistema capitalista transnacional e neoliberal.
Apenas estou rompendo com o modelo de organização escolar hegemônico e não com a escola enquanto instituição social, principalmente no mundo atual, em que a banalização da informação, proporcionada pelas tecnologias da informação e comunicação, demanda a construção de espaços de crítica e produção cultural, que possibilitem a formação de sujeitos capazes de localizar, analisar, selecionar, categorizar, produzir e transmitir informações e conhecimentos (artísticos, científicos e filosóficos), além de discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, certo e duvidoso, o que é mera crença, opinião, preconceito e o que é conhecimento rigoroso e sistemático.
Assim como a maioria dos estudantes não veem sentido em ir para as escolas todas as manhãs, eu também não tenho sentido muito prazer em estar na sala de aula, mas, ao contrário, as manhãs em que tenho que ir para o “emprego” (isso mesmo, “emprego”, para destacar a alienação de nossa atividade, fragmentada e repetitiva, muito diferente do sentido filosófico do “trabalho” como atividade libertadora ao transformar a realidade natural e humana) são os momentos mais desconfortáveis da semana, algo muito distante do ideal de “ócio criativo” (atividade na qual trabalho, diversão e aprendizado se confundem) que venho perseguindo.
Quando eu tinha mais ou menos a idade dos meus alunos, achava que a escola não falava minha língua. Mais de duas décadas depois, continuo achando a mesma coisa: a incomunicabilidade no sistema escolar ainda é a norma. Não há comunicação entre alunos e professores e, o que é pior, nem entre os próprios professores.
 Agora, final de 2012, depois de muito refletir sobre minhas práticas e representações e sobre o contexto histórico-social que as condiciona, acredito reunir as condições necessárias para abandonar minha “liberdade de contrabando”, “aquela, uma vez fechada a porta da sala de aula, de agir como se bem entende, com a condição de que não se saiba...”, para utilizar uma expressão do sociólogo suíço Philippe Perrenoud (2000), procurar educadores e educadoras que já estejam desenvolvendo, ou que gostariam de experimentar, novas formas de se organizar e dirigir situações de ensino e aprendizagem fundamentadas nos novos paradigmas pedagógicos, notadamente no conceito de escola reflexiva.

II. O Manifesto

Como forma de simbolizar o fechamento daquilo que considero ser um segundo momento do meu processo de formação, e iniciar uma nova etapa da minha profissionalização, resolvi escrever o presente manifesto.
Só por uma questão de esclarecimento: o primeiro momento da minha profissionalização (que deveria ter sido minha graduação, mas, por questões pessoais e institucionais, assim não o foi) corresponde aos quatro primeiros anos do meu trabalho como professor, caracterizado pela ausência de referenciais teóricos claros, consistentes e sistemáticos e por uma prática guiada pelo senso comum, revelando o “espontaneísmo” dessa primeira fase do meu trabalho. O segundo momento corresponde aos últimos cinco anos, período em que tomei consciência da minha situação sócio-histórica e passei a buscar, através de intensa pesquisa bibliográfica (cujas leituras eram feitas em filas de banco, pontos de ônibus, no trajeto para o trabalho, ninando ou alimentando meus filhos, no banheiro, etc, pois, como sabem o prezado leitor e a prezada leitora, quem faz parte da classe trabalhadora não desfruta de tempo para investir no próprio aprimoramento), a superação da minha alienação. Hoje, com a publicação do manifesto “Pare a escola que eu descer”, espero inaugurar (simbolicamente) uma nova etapa do meu processo de construção identitária, marcada pela influência do conceito de professor reflexivo.
Com Ivani Fazenda, uma das nossas maiores especialistas em interdisciplinaridade, entendo por identidade “algo que vai sendo construído num processo de tomada de consciência gradativa das capacidades, possibilidades e probabilidades de execução” (Fazenda, 2009, p. 48), configurando-se num projeto individual de trabalho e de vida. É justamente a gradativa tomada de consciência das minhas “capacidades, possibilidades e probabilidades de execução” que me faz sair da solidão e escrever o presente manifesto em defesa da escola do século XXI.
De acordo com o Wikipédia, um manifesto é um texto dissertativo e persuasivo, “uma declaração pública de princípios e intenções que objetiva alertar um problema ou fazer a denúncia pública de um problema que está ocorrendo, normalmente de cunho político.” Através do manifesto declaramos um ponto de vista, denunciamos um problema ou convocamos uma comunidade para uma determinada ação.
Pois bem, através do manifesto “‘Pare a escola que eu quero descer’ (ou Manifesto Pela Escola do século XXI)”, declaro publicamente que eu, Zebé Neto, filósofo e professor de filosofia, em função das identidades pessoal e profissional que venho construindo, estou rompendo com a forma tradicional de se pensar e fazer educação.
No meu modo de entender, somos todos vítimas de um sistema de educação de massa que impede que as escolas inovem e mudem sua organização curricular. Quem acompanha o Cabeça já sabe que desde o momento em que passei a investir na minha formação continuada venho procurando instigar a discussão coletiva nos espaços em que convivo. Pela primeira vez, confesso que o meu objetivo em batalhar por espaços dialógicos sempre foi dizer, em rodas de diálogo reflexivo, democrático, afetuoso e com muita humildade intelectual (e sem medo de ser demitido ou mal interpretado pelos/pelas colegas por apenas emitir minha opinião), que não conseguimos efetivar o tipo de ensino e aprendizagem exigidos pela sociedade contemporânea simplesmente porque não sabemos.
Pela insuficiência da nossa formação inicial (ainda que tenha sido de excelência, não dá conta da complexidade de saberes e competências que temos que dominar para organizarmos e dirigir situações de ensino e aprendizagem); pela nossa não participação em programas permanentes de formação continuada; e pelo predomínio da dicotomia entre teoria e prática entre nós, não conseguimos construir os saberes e competências necessários para ensinar, coordenar e dirigir (sim coordenadores e diretores, vamos dividir um pouco a responsabilidade, pois todos somos responsáveis pela qualidade da educação que oferecemos, e não dá mais para os professores e professoras “pagarem o pato” sozinhos!) a escola do século XXI. 
Através do Manifesto pela Escola do Século XXI declaro que, diante das dificuldades que tenho enfrentado para efetivar, solitariamete, uma proposta pedagógica em sintonia com o mundo atual, e diante do predomínio de um sistema escolar disciplinar, voltado para a transmissão de conteúdos específicos e centrado no trabalho docente individual e solitário por falta de espaços que favoreçam relações dialógicas entre os professores, a partir de agora todas minhas atividades profissionais estarão fundamentadas a partir da prática reflexiva e do envolvimento crítico (Perrenoud, 2002). E como o projeto individual de trabalho e vida “não pode ser dissociado de um projeto maior, o de grupo ao qual o indivíduo pertence” (Fazenda, 2009, p. 48), aproveito para convocar educadores e educadoras para começarmos a construir (e já largamos atrasados!) o modelo de educação que será comum daqui a dez, vinte anos (espero!).

Como o manifesto é um texto de caráter argumentativo, isto é, que pretende convencer o/a leitor/leitora de algo, procurei construir argumentos consistentes. Poderia ter mandado meu recado em uma ou duas páginas, mas, como estou adentrando num terreno espinhoso e quero muito convencer meus/minhas colegas professores/professoras, e possíveis coordenadores/coordenadoras e diretores/diretoras que me lerem, que podemos fazer diferente, lancei mão de um texto mais detalhado, procurando escolher as palavras certas e encadear, consistentemente, minhas ideias.
Levando em consideração que esse é o texto mais importante da minha ainda iniciante trajetória como filósofo da educação (“título” autoconferido, pois, apesar da graduação em Filosofia, concedida pela UFPE, minha formação foi, e tem sido, autodidata), não consegui fazer um manifesto mais sintético, para facilitar a leitura dos que andam sem tempo  para ler, pois vítimas do trabalho alienado. Mesmo sendo o objetivo do Cabeça escrever para o professor médio, até porque já fui um (falo sem nenhum “sentimento de superioridade”, como alguns que não me conhecem poderiam supor, antes, falo com “sentimento de realidade”, pois sei que só o fato de ler e fazer fichamentos quase que diariamente, já me coloca acima da média dos professores), resolvi deixar o mais claro possível minhas ideias, sentimentos e valores, o que acabou tornando o texto muito grande para o leitor, também médio, que já não tem “tempo para esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se vêem com clareza, e das quais não podem colher imediatamente os resultados”. (Larrosa, 2004, p. 14) 
Amigo leitor, amiga leitora, não tenha pressa: (...) “a arte da leitura é rara nesta época de trabalho e de precipitação, na qual temos que acabar tudo rapidamente (...), é algo ao qual cada um deve se aplicar com lentidão, levando tempo, despreocupadamente, sem esperar nada em troca”. (Idem, 2004, p. 14) 
Para que anda sem tempo, as diferentes partes do manifesto podem ser lidas separadamente, pois contêm uma série de questões que, por sua vez, são aberturas para outras reflexões que cada um/uma poderá fazer a partir da sua própria realidade.  De qualquer forma, é bom prestar atenção, pois, por experiência própria, acredito que aqueles/aquelas que alegam não terem tempo para ler (e, portanto, se aprimorar cognitiva, afetiva, moral, política e esteticamente), estão nessa situação pelo fato de, paradoxalmente, não lerem.
O manifesto é composto por seis partes: a parte I, uma introdução onde compartilho com vocês minha frustração com a organização escolar hegemônica; a parte II, onde apresento o objetivo e a estrutura do manifesto; a parte III, na qual procurei traçar um breve quadro do mundo atual, pois não podemos compreender adequadamente a escola que temos e a que queremos sem uma noção mínima sobre o plano de fundo que as faz surgir; na parte IV, caracterizo o modelo escolar vigente na maioria das escolas brasileiras; na parte V, apresento o conceito de escola reflexiva, paradigma escolar que, na minha opinião, pode ser uma alternativa viável de inovação pedagógica; e, na sexta e última parte, faço as considerações finais, confirmando minha ruptura com a forma tradicional de se pensar e fazer a educação, além de me colocar à disposição para, para quem aceitar minha companhia, iniciarmos a construção de uma proposta curricular inovadora, superando o senso comum que tem impedido que a maioria das escolas ofereça de fato uma proposta educacional intencional, significativa, contextualizada e com qualidade social.

III. A sociedade da informação

Antes de falar sobre a escola que temos e a que queremos, permitam traçar, em linhas gerais, algumas características da sociedade atual, já que não podemos compreender a educação sem uma compreensão geral sobre o contexto concreto onde as propostas e projetos pedagógicos surgem.

Como consequência do desenvolvimento da ciência moderna e da tecnologia a sociedade vem se transformando de modo acelerado, principalmente a partir do final do século XX. As mudanças decorrentes das novas tecnologias da informação e comunicação vêm estabelecendo novas maneiras de lidar com o conhecimento, seja na produção, na transmissão, na crítica ou na sua reformulação.

Enquanto na sociedade industrial havia o predomínio do setor secundário (indústria) e um crescimento do terciário (serviços) em detrimento do primário (agricultura, pesca, mineração, etc.), hoje, na chamada sociedade da informação, que surge na década de 1970 com a revolução tecnológica, está em pleno desenvolvimento um novo setor, o quaternário ou informacional, “em que a informação é a matéria-prima e o seu processamento é a base do sistema econômico.” (Flecha e Tortajada, 2000, p. 22)
“Este momento de corte e de passagem no mundo da cultura e, portanto, da educação pode ser caracterizado como momento de crise. E remete-nos ao sentido que Gramsci atribuía-lhe: momento no qual o velho está agonizando, ou morto, e o novo ainda não acabou de nascer. Momento, portanto, de incerteza (a morte do velho também aniquila as já velhas certezas) e de fragmentação (o vigente está em pedaços e não se sabe como recompô-lo).” (Rigal, 2000, p. 171).
Num momento de aceleradas e intensas mudanças, de fragmentação e incerteza, novas e complexas habilidades e competências são requeridas. Na sociedade da informação habilidades como selecionar e processar informação, capacidade para tomar decisões, trabalhar em equipe, polivalência, flexibilidade, etc., são valorizadas, ficando excluídas da produção e consumo de bens e serviços, materiais e simbólicos, as pessoas que não as possuem.
Em tal contexto, a educação, enquanto processo que proporciona acesso aos meios de informação e produção, torna-se um elemento fundamental para o exercício da cidadania, pois “além de facilitar o acesso a uma formação baseada na aquisição de conhecimentos, deve permitir o desenvolvimento das habilidades necessárias na sociedade da informação.” (Idem, 2000, p. 24)
Mas, será que a escola, da forma como hoje é organizada, tem conseguido preparar as novas gerações para exercer adequadamente a cidadania na sociedade da informação, da comunicação e do conhecimento? Para responder, primeiro precisamos examinar a escola que temos.

IV. A escola que temos

Faço minha a tristeza e o pesar da educadora portuguesa Isabel Alarcão com relação à escola de hoje: alunos desestimulados e que após vários anos de escolarização não revelam as competências (cognitivas, atitudinais, relacionais e comunicativas) esperadas; professores cansados, desanimados, solitários e desamparados pelos dirigentes, pelas comunidades e pelo governo. (Alarcão, 2001).
Como diz a Doutora em Educação e Vice-Reitora da Universidade de Aveiro, Portugal, Isabel Alarcão, assistimos hoje a uma profunda inadequação da escola para responder aos desafios trazidos pelas profundas mudanças pelas quais passa a sociedade contemporânea. Mesmo considerando as transformações que vêm sendo introduzidas na escola, “ela não convence nem atrai. É coisa do passado, sem rasgos de futuro. Ainda fortemente marcada pela disciplinaridade, dificilmente prepara para viver a complexidade que caracteriza o mundo atual” (Alarcão, 2001, p. 18-19), sentencia Alarcão.
Como tenho consciência das implicações éticas, políticas e epistemológicas da minha postura, procurei fundamentar bem minhas ideias para evitar leituras ideologizantes, equivocadas, ambíguas ou mesmo maliciosa (para não dizer, cínica) do meu posicionamento. Desse modo, além de autores importantes do pensamento pedagógico contemporâneo, tenho estudado os documentos que regulam a educação brasileira para melhor fundamentar minhas práticas e representações e afastar qualquer mal entendido.
Acompanhem abaixo a caracterização que encontrei nas Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, documento de 2004, da organização curricular de uma escola comum brasileira. Prezado professor, prezada professora, acredito que poucos de vocês não verão suas próprias realidades!
De acordo com o documento acima citado, certos aspectos da estrutura escolar (como a distribuição de espaços e tempos escolares e concepção curricular, por exemplo) são assumidos como situações e procedimentos cristalizados pela rotina, pela burocracia, pelas repetições.

A organização espacial da maioria das nossas escolas tem levado a determinadas formas de agrupamento (seja de alunos, seja de professores) que mais dificultam do que favorecem uma ação comunicativa construtiva. “Assim, põe-se uma questão de fundo: qual a finalidade dessa organização? Será que esse espaço escolar, da forma como usualmente tem sido organizado, promove um agrupamento dos alunos favorável à dinamização das ações pedagógicas? Ao convívio com a comunidade? À reflexão dos professores? Existiriam outros modos de estruturar o espaço da escola que possibilitassem a interação das crianças e adolescentes em conformidade com suas fases de socialização?” (Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, 2004, p. 8-9)

Já com relação ao tempo escolar, “os currículos e os programas têm sido trabalhados em unidades de tempo e com horários definidos, que são interrompidos pelo toque de uma campainha. Assim, a escola acaba reproduzindo a organização do tempo da fábrica.” (Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, 2004, p. )

Esse cenário remete a Rubem Alves, quando o grande filósofo e educador “afirma que ‘a criança tem de parar de pensar o que estava pensando e passar a pensar o que o programa diz que deve ser pensado naquele tempo. (...) O pensamento obedece às ordens das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora e no mesmo ritmo? As crianças são todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais?” (ALVES, Rubem. “Não esqueça as perguntas fundamentais.” In: Folha de São Paulo, Caderno Sinapse, 25/2/2003. In. Idem, 2004, p. 10).

O documento também destaca a organização curricular, dizendo que, na maioria das escolas, os currículos têm sido tratados como um programa, como uma organização de conteúdos numa determinada sequência, a partir de um determinado critério. Aqui cabem algumas indagações: “Seria essa a única possibilidade de se conceber o currículo? Será que a abordagem dos saberes parte do conhecimento que os alunos trazem do seu grupo social? Que usos as pessoas fazem desses saberes em suas vidas? Em decorrência, põem-se questões como: quais seriam os critérios e a sequência dos conteúdos listados?” (Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, 2004, p. )

Quem frequenta o ambiente escolar sabe que dificilmente as escolas conseguem articular adequadamente as disciplinas e os conteúdos curriculares aos saberes e conhecimentos próprios da cultura infanto-juvenil. Como não há nenhuma relação explicitada entre os saberes científico-acadêmicos e a vida, os estudantes (e o que é pior, muitos professores) não têm muita clareza com relação aos usos desses saberes na vida cotidiana. Em decorrência disso, a ordem e o espaço dedicado aos conteúdos são determinados pela “ditadura dos sumários dos livros didáticos”. Vale lembrar que na maioria das vezes, os livros didáticos adotados nas escolas são escolhidos por questões burocrático-administrativas-comerciais, em detrimento de critérios antropológicos, epistemológicos e axiológicos.

“Enfim, o que se tem aprendido com um currículo que fragmenta a realidade, seus espaços concretos e seus tempos vividos? Trata-se de um modelo disciplinar direcionado para a transmissão de conteúdos específicos, organizado em tempos rígidos e centrado no trabalho docente individual, muitas vezes solitário por falta de espaços que propiciem uma interlocução dialógica entre os professores." (Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, 2004, p. 8-9)

Infelizmente, prezado leitor, prezada leitora, por tudo o que vivenciei nos meus quase dez anos de docência na rede privada, sou obrigado a reconhecer que essa é a realidade (que uma investigação científica poderia facilmente comprovar) da maioria das escolas (me restringirei ao universo ao qual pertenço, a escola particular, pois ainda não faço parte da rede pública, algo que espero que aconteça em breve) que, por sua vez, está dentro da média nacional, no sentido de oferecer uma das piores propostas educacionais do mundo, conforme ranking divulgado recentemente pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), que coloca o Brasil em penúltimo lugar entre os sistemas educacionais de 40 países (confira a lista completa clicando aqui).

Estive, alienadamente, a serviço desse modelo até agora, final de 2012. Depois de fazer uma síntese sobre tudo o que vivenciei até então, acredito já ser capaz de colocar para os que dividem comigo a responsabilidade de criar, organizar, construir e dirigir situações de ensino e aprendizagem, minhas dúvidas, inquietações, sentimentos e pensamentos, pois, sozinho, não estou conseguindo enfrentar a crise que atravessa a sociedade inteira (conhecimentos especializados, imagem de si e do mundo desfiguradas, vida cotidiana anônima e inexpressiva) e se faz presente nas escolas: o aprender sem desejo, o pensar sem alegria. Aulas indiferentes, avaliações decorativas. (Antônio, 2002).

A partir da publicação do manifesto passo a ser um defensor em tempo integral da escola reflexiva, modelo de gestão escolar que acredito ser o mais adequado para as instituições construírem as competências necessárias cumprirem seu papel social: ser a instância mediadora entre os indivíduos e a sociedade, ao capacitar àqueles com saberes diversos para exercerem, efetivamente, a cidadania.


V. A escola que queremos: a escola reflexiva


No livro Educação e Transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem, Severino Antônio diz que apesar de vivermos um momento de crise (de aprendizagem, de cultura, de sociedade, de civilização), “esquecemo-nos de que as crises são também possibilidades, desenvolvimentos, transformações.”

Como destaca o educador, sinais de renascimento se multiplicam no campo dos saberes, da aprendizagem e do ensino.  Novas concepções, que reconhecem a complexidade do fenômeno humano, transcendem a ruptura sujeito e objeto, repensam a cientificidade e recontextualizam as ciências, emergem.

Dentre as novas concepções sobre como se organizar e gerir a escola, tenho me aproximado, paulatinamente, do conceito de escola reflexiva, concepção e modelo de gestão, no meu modo de ver, mais adequado para a instituição escolar exercer competentemente seu papel social no mundo atual.

Apresentarei a ideia de escola reflexiva a partir do artigo “A Escola Reflexiva”, um dos três que Isabel Alarcão escreveu no livro Escola Reflexiva e Nova Racionalidade, organizado pela própria. Não esperem uma receita ou procedimentos efetivos de como se constrói uma escola reflexiva. Antes, vocês encontraram algumas reflexões sobre valores, conceitos e atitudes gerais que devem estar presentes no pensamento e na ação de cada indivíduo e no “espírito” coletivo das escolas que queiram transformar-se em reflexivas. 

Alarcão desenvolve o conceito de escola reflexiva por analogia com o conceito de professor reflexivo. Defendido por teóricos da educação como Donald Schon, Henry Giroux e Philippe Perrenoud, entre outros, o professor reflexivo ou intelectual transformador nada mais é do que um sujeito crítico, reflexivo, que compreende o contexto social-econômico-político em que vive, além de se comprometer ética e politicamente.

“Se, como dizia Habermas, só o Eu que se conhece a si próprio e questiona a si mesmo é capaz de aprender, de recusar tornar-se coisa e de obter a autonomia, eu diria que só a escola que se interroga a si própria se transformará em uma instituição autônoma e responsável, autonomizante e educadora. Só essa escola mudará o seu rosto”, diz Alarcão.  (Alarcão, 2001, p. 25)


Para a educadora portuguesa, uma escola reflexiva é uma “organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo.”  (Idem, 2001, p. 25)  

Consciente do que quer e para aonde vai, a escola reflexiva, na observação cuidadosa da realidade social, descobre os melhores caminhos para desempenhar sua missão na sociedade. Além de estar atenta à comunidade exterior, mantendo com ela um diálogo constante, não descuida da comunidade interior, envolvendo todos os sujeitos na construção, realização e avaliação do seu projeto, enfrentando “as situações de modo dialogante e conceitualizador, procurando compreender antes de agir.” (Idem, 2001, p. 26). (Não resisti e vou abrir um parêntesis para essa história de “compreender antes de agir”: a maioria das escolas apenas age, algumas pensam, depois, sobre sua ação, e quase nenhuma compreende o que fizeram!)

Num período marcado pela mudança, pela incerteza e pela instabilidade, as organizações, e a escola, como lembra Alarcão, é uma organização, “precisam rapidamente se repensar, reajustar-se, recalibrar-se para atuar em situação.” (Idem, 2001, p. 26). Isso significa que os rituais tradicionais aos quais aludimos na parte IV do manifesto, precisam ser revistos.

Como professor, ainda não tive a oportunidade de conhecer instituições que fundamentem seu trabalho a partir das perspectivas do professor ou da escola reflexivos. O fato de não conhecer nenhuma instituição que funcione como comunidade autocrítica, aprendente e reflexiva (no sentido colocado por Alarcão e outros defensores da escola reflexiva, que fique bem claro), não significa que não existam escolas que reflitam sobre suas representações e práticas. Por certo vários espaços promovem reflexões coletivas, mas, a julgar pelas pesquisas acadêmicas e pelos dados oficiais que apontam as dificuldades que os profissionais da educação (sejam professores, coordenadores ou diretores) têm para justificar suas escolhas categorias e axiológicas, acredito que poucos deles reúnam competências reflexivas para, de forma autônoma, ou seja, sem recorrer a agentes estranhos à comunidade escolar, promover uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto conduzida pela própria instituição.

Fica aí, então, a dica para sujeitos e instituições que queiram ressignificar suas identidades: as perspectivas do professor e da escola reflexivos podem ser uma alternativa viável para que possamos fazer nossa travessia rumo ao século XXI, ao transformar a escola num “organismo vivo, dinâmico, capaz de atuar em situação, de interagir e desenvolver-se ecologicamente e de aprender e construir conhecimento sobre si própria nesse processo.” (Idem, 2001, p. 27). 


VI. Considerações, finais do manifesto, iniciais da militância


Desde o final do século XX que educadores em todo o mundo defendem uma inovação radical na estrutura escolar da Educação Básica. Tal estrutura, eficaz para as necessidades e ritmos da sociedade industrial, mostra-se em descompasso com as mudanças sociais provocadas pela revolução científico-tecnológica.
O modelo da escola tradicional não serve mais para os tempos atuais “porque as novas tecnologias de informação e comunicação deslocaram o eixo da transmissão do conhecimento – antes centralizado na escola –, agora compartilhado pela mídia, sobretudo pelas infovias, como a internet. Além disso, a exigência de conhecimentos especializados expandiu-se para diversos setores da sociedade, no campo, na indústria, no setor de serviços, e a rapidez das transformações requer a reatualização constante do saber e um dinamismo que a escola não tem.” (Aranha, 295, p. 295)
Na sociedade da informação, da comunicação e do conhecimento novos saberes e competências são requeridos: perceber e tecer relações, interpretar linhas e entrelinhas, contextualizar, conviver simultaneamente com múltiplas fontes de informação, selecionando o que for relevante e descartando o superficial e o acessório (Antônio, 2002), colocar e tratar problemas, possuir princípios organizadores que liguem os saberes e lhes deem sentido (Morin, 2011), ...

A organização curricular ainda predominante na maioria das escolas dificulta, quando não impede, que uma parcela considerável de brasileiros desenvolva tais competências (eu mesmo fui um deles, e com muito esforço e perseverança, hoje venho superando a cada dia as lacunas que o sistema educacional me deixou!).

Apesar da “pedagogia da mudança” já ter sido incorporada ao discurso da maioria dos sujeitos e instituições, na prática o que observamos é o predomínio de experiências tradicionais e burocráticas, na maioria das vezes espontaneístas.  No meu entender, tal situação ocorre porque, “infelizmente, é bastante habitual em educação que imponham suas propostas quem nem sequer conhece as práticas educativas que estão obtendo melhores resultados em nível internacional e tampouco dominam os desenvolvimentos das ciências sociais das últimas décadas.” (Flecha e Tortajada, 2000, p. 29). 
Como nós, professores e professoras, não contamos com políticas sérias de formação continuada, resolvi investir, por conta própria, no meu aprimoramento profissional. Ora, o ofício de professor exige o domínio de saberes, conhecimentos, atitudes, procedimentos e competências sem os quais a qualidade do nosso trabalho fica seriamente comprometida. 
A consciência do profissional limitado que sou me fez buscar os saberes que me faltavam. Ainda tenho muito o quê percorrer (inclusive um Mestrado em Educação pra dar uma “turbinada” nas minhas ideias e dar mais credibilidade a minha iniciativa, pois muitos duvidarão da competência de um “simples” graduado), mas, com o pouco que já construí (principalmente as competências de localizar informações relevantes para os meus projetos e de dizer por escrito o que penso e sinto), acredito ser capaz de, se não apresentar respostas e projetos acabados, ao menos expressar, em rodas de diálogo crítico-reflexivo, minhas dúvidas, incertezas e limitações para àqueles/àquelas que são responsáveis, comigo, pela legitimação dos valores morais, políticos e estéticos dos espaços em que convivemos. Em contrapartida, gostaria muito de ouvir como outros profissionais têm enfrentado a crise, justificando, também em rodas de diálogo, seus pensamentos e ações.
Sei que o universo no qual estou inserido, a escola particular, por ser um espaço híbrido, onde interesses pedagógicos estão, na maioria das vezes à reboque dos interesses empresariais (econômico-corporativos), é impregnado de interesses outros que não os filosóficos e pedagógicos, o que pode motivar uma leitura equivocada do meu posicionamento. Muitos, talvez por não conhecerem direito a LDB e as diversas Diretrizes Curriculares (até uns dois anos atrás, me incluía na legião de professores/professoras que estão lecionando sem um conhecimento adequado da legislação educacional, mas, de lá pra cá, passei a estudar tais documentos, os quais tiveram, sem sombra de dúvida, uma participação decisiva na minha fase atual) possivelmente dirão que eu, um simples graduado em Filosofia, estou “me achando”, como se diz por aí. Para esses, apenas digo que estou me “achando”, sim, não no sentido de “metido” a alguma coisa, mas no de quem está “buscando” o caminho da coerência (ainda que, nas minhas ações efetivas ainda revele tantas incoerências): coerência com o perfil profissional exigido atualmente para o ofício de professor; coerência com a identidade de professor reflexivo, que venho construindo; e, principalmente, coerência com a área do conhecimento que assumi como missão e postura de vida, a Filosofia. 
E é essa busca de coerência que me faz, por meio desse manifesto, procurar iniciar um diálogo crítico, reflexivo e, principalmente afetuoso, com quem aceitar o convite para começarmos a plantar uma sementinha da escola reflexiva aqui no Recife. Por favor, quem estiver realizando um trabalho dentro das perspectivas colocadas por mim no manifesto, desculpe-me a ignorância. É que, como entre os profissionais da educação vigora o isolamento, não temos contato com outros profissionais (nem mesmo com os da própria escola em que trabalhamos!), impedindo-nos de conhecer a pluralidade de experiências pedagógicas que existem para além das que realizamos, fechados, em nossas salas de aula.
Em nível internacional vem ganhando força o movimento de defesa do profissional e da escola reflexivos como possibilidade de resposta às inúmeras perdas que se acumulam e se intensificam: de identidade, imagem de si e do mundo, linguagem própria e relação pessoal com as ideias, alegria de pensar e conhecer, da capacidade de ler e escrever, de diálogos criadores e de projetos em comum (Severino, 2002).
As conclusões (ainda parciais) às quais cheguei me levam a deixar de lado meus medos e romper definitivamente com a lógica tradicional que caracteriza a atividade da maioria das escolas: reprodução, descontextualização, disciplinaridade, heteronomia (atitudes fundamentadas em punições ou recompensas), enciclopedismo (uma verdadeira “Torre de Babel” de disciplinas), conteudismo (a preocupação é “dar” o assunto, ainda que não se compreenda muita coisa), para militar por uma escola construída coletivamente, significativa, autônoma, questionadora e legitimadora de “verdades” científicas, estéticas, éticas e políticas, dialogicamente construídas em rodas de discussões reflexivas.
Por vivermos numa sociedade carente de diálogo, onde a maioria das relações é unilateral, ou seja, só um fala, e o outro só ouve (Sátiro e Wuensch, 2003), acredito que as escolas poderiam começar a mudar sua cara procurando se aproximar da ética comunicacional do filósofo alemão, Habermas. A razão comunicativa supõe o diálogo, a relação intersubjetiva entre os indivíduos do grupo, capazes de se posicionarem criticamente diante das normas e práticas estabelecidas, mediada sempre pela linguagem, pelo discurso. Em tal concepção, a legitimidade das normas, valores, ideias e ações, é fruto do consenso encontrado a partir do conjunto dos indivíduos.
Na ação comunicativa busca-se convencer o outro (ou se deixar convencer) a respeito da validade de um pensamento, ideia, valor, norma, objeto, fato ou ação, pelo uso de argumentos racionais. A ação comunicacional instaura o mundo da sociabilidade, da solidariedade, da cooperação. Foi com essa intenção que escrevi o Manifesto pela Escola do Século XXI.
Só reforçando: torno pública minha decisão em assumir integralmente a identidade de professor reflexivo e de que, a partir de agora, militarei pela efetivação do conceito de escola reflexiva. Integralmente, porque já venho exercitando há alguns anos a crítica e a reflexão através das minhas leituras diárias e, desde fevereiro do corrente ano, através do Cabeça Bemfeita, mas faltava assumir minha nova identidade nos espaços onde estabeleço relações intersubjetivas concretas.
Por não mais aguentar a violenta contradição entre aquilo que penso/sou e aquilo que faço (enquanto professor), estou “saindo” da sala de aula para, incentivado pela ética comunicacional de Habermas, expor minhas dificuldades e perspectivas e ouvir as experiências dos que pensam e fazem a educação pernambucana.
Sei que minhas limitações e lacunas podem comprometer a qualidade das minhas observações e análises, mas ficou muito difícil para mim, enquanto filósofo, perceber e analisar reflexiva e criticamente o meu contexto histórico e não compartilhar minhas conclusões, principalmente com meus amigos e amigas, professores e professoras (até para eles e elas me alertarem sobre as fragilidades da minha abordagem e sobre os equívocos das minhas conclusões). Como é que fica aquele compromisso com a verdade que Lisa Simpson me ensinou muito melhor do que qualquer filósofo que eu tenha lido? E o meu compromisso com a ética? E com a política? Não tenho dito por aí que sou filósofo? Como ser filósofo sem me envolver com as questões das “póleis”, ou seja, dos espaços públicos que participo, como, nesse caso específico, a escola? Como ensinar valores democráticos, como liberdade, justiça e participação social se eu não os pratico na minha vida cotidiana? 
Entre meu medo de não ser compreendido por alguns (ou por muitos, não sei!) e minha responsabilidade ética e política de comunicar (lembrem-se: a “falta de diálogo gera cisões, frustrações e incomunicabilidade”, alertam Sátiro e Wuensch) o resultado das minhas reflexões, fico com a segunda opção. Espero que me compreendam!
Desde já grato pelo precioso (longo) tempo dedicado para dialogar comigo. Aguardo com ansiedade suas considerações críticas, prezados leitor e leitora, principalmente dos colegas professores e professoras, dos coordenadores e coordenadoras e dos diretores e diretoras que tiverem acesso ao blog, para mantermos esse debate aceso.  
Na letra “Eu também vou reclamar”, Raul Seixas, um dos grandes do nosso rock’n’roll, falava de um chato que dizia: “Pare o mundo que eu quero descer!”. Pois bem, já que poucos se aventuram a serem “chatos” (não são “chatos” os que nos desestabilizam com seus questionamentos, nos tirando de nossa zona de conforto e do nosso comodismo?) hoje em dia na educação (aliás, na sociedade como um todo!), assumamos, então, esse posto! Sou o “chato” que agora diz: “Pare a escola que eu quero descer!”. E, aí? Quem vai desembarcar comigo?
Uma última coisa: ficarei muito agradecido para quem acolheu minhas ideias (e, para quem discordou, mas dialogou comigo, ainda que negando tudo ou parte do que eu disse, também) divulgar o manifesto nas redes sociais, nos locais de trabalho, com os familiares. Falar sobre qualidade social da educação é um tema de interesse público e todos devem (ou deveriam) participar, pois a qualidade da educação indica o nível da qualidade de vida dos indivíduos e das coletividades. 
É isso! Até a próxima postagem, onde publicarei uma espécie de “manifesto - parte II”, dessa vez com propostas concretas de ação, afinal, o professor reflexivo não é apenas aquele que é capaz de ter uma visão do todo e se comprometer com a ética e com a política, mas também aquele que inventa “caminhos quando a situação concreta exige soluções criativas.” (Aranha, 2006, p. 47) Até lá!
Forte abraço e sempre aberto para o diálogo,

Zebé Neto
filósofo e escritor

Referências bibliográficas
ALARCÃO, Isabel (Org). Escola Reflexiva e nova racionalidade.  Porto Alegre: Artmed, 2001.

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2006.

CUNHA, José Auri. Filosofia para crianças: orientação pedagógica para educação infantil e ensino fundamental. Campinas: Alínea, 2008.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

LARROSA, Jorge. Nietzche & a Educação. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. 

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2002.