sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Proclamemos nossa liberdade


15 de novembro de 1889. Há 124 anos o Brasil, diz a historiografia oficial, passava a ser uma República. 29 de fevereiro de 2012. Há um ano, nove meses e vinte e três dias, eu, Zebé Neto, passava a investir de forma mais intensa na minha formação continuada. Não sei se do final do século XIX pra cá o Brasil mudou sua identidade (ou melhor, sei: não mudou muita coisa, pois tanto naquela época, quanto hoje, o destino da nação é decidido por reacomodações entre os grupos dominantes), mas eu, desde a primeira publicação do Cabeça Bemfeita, mudei consideravelmente a minha.

Desde o dia 12 de julho não publiquei mais nada por aqui. Várias foram as razões para esse hiato tão grande, mas o principal motivo é o fato de que, apesar de estar tentando superar minha condição existencial, meu cotidiano ainda revela a situação concreta que herdei, de alienação e privação material.

Foi justamente para superar essa realidade que resolvi criar um espaço onde pudesse investir no meu autoaprendizado, talvez uma das  únicas possibilidades para quem não pertence às classes privilegiadas obter sua emancipação. Por isso mesmo, não podia abandonar o Cabeça, iniciativa responsável pelo meu amadurecimento intelectual, afetivo, moral e político.

Apesar da irregularidade das publicações (pela razão acima apresentada), o blog continua com seu objetivo inicial de ser um espaço de discussão, reflexão e crítica sobre temas que interessam a esse que vos escreve. Filosofia, arte, ciência e tecnologia continuarão com seus espaços garantidos por aqui. Nas próximas postagens, as páginas FILOSOFAR, AISTHESIS e (Cons)CIÊNCIA & TECNOLOGIA retornam reformuladas.
 
Por enquanto, na Cabeça Bemfeita TV, fiquem com uma edição especial do programa "De lá pra cá" sobre os 120 anos da Proclamação da República, exibido pela TV Brasil, em 2009, e, na Rádio Cabeça, algumas canções da banda curitibana Relespública, só pra manter a relação com o dia de hoje.
 
É isso, prezada leitora, prezado leitor, enquanto o Brasil permanece uma timocracia (sistema de governo em que preponderam os ricos), vou tentando me libertar das condições adversas que ainda impedem meu desenvolvimento integral.

Continuo acreditando que a emancipação humana só virá se cada um de nós fizer sua própria revolução pessoal. Para que isso aconteça é necessário que assumamos a condução de nossa própria formação. Nesse sentido, espero que o Cabeça continue me ajudando a proclamar, diariamente, minha liberdade.    

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi



E lá se vão mais de dois meses desde o momento em que publiquei a terceira parte da Paideia a Caio e Ravi e só agora, dia 12 de julho, é que publico a quarta e última parte do esboço do projeto pedagógico que estou construindo para a formação integral dos meus filhos.

A situação difícil pela qual venho passando desde o final de 2010 (momento em que minha vida virou de cabeça para baixo depois que fui afastado de uma importante escola particular do Recife, acusado, de forma leviana e irresponsável, de promover uma “guerra virtual” contra a diretora e a escola, o que não aconteceu, claro) tem me impedido de me dedicar à atividade que tem me dado mais prazer e que me salvou da atividade alienada (e alienante) comum no ambiente escolar: escrever o blog Cabeça Bemfeita.

Meu posicionamento mais crítico e reflexivo, também me custou outra demissão de outra grande escola recifense no final do primeiro semestre de 2011, depois de minha participação na greve daquele ano. Experimentava, eu, a sensação de estar pela primeira vez desempregado depois que comecei a trabalhar como professor de filosofia em 2004. Permaneci assim, até o ano passado, quando o Lubienska Centro Educacional me acolheu como professor de filosofia no Fundamental.

 Nesse intervalo de tempo tive dois filhos, Caio e Ravi. Como estava desempregado em pleno meio do ano, a mãe dos garotos, Sabrina Carvalho, teve que correr atrás do "dindin". Enquanto a mim, combinamos que eu ficaria na correria com as crianças, até porque só estava com duas séries no Lubienska (5ª e 6ª), além de investir na minha formação continuada (nos momentos em que os garotos dessem uma trégua, ou quando vovó Tereza, minha mãe, desse uma força!). Quem é mãe (e quem é “pãe”) sabe que cuidar de duas crianças, uma de três (Caio), e outra de um ano e sete meses (Ravi, pense num peraltinha!!!) não é tarefa das mais simples. Some-se a isso meu trabalho como professor, que exige pesquisas, leitura crítica, escrita de textos diversos, organizar e dirigir situações de aprendizagem, acompanhar e avaliar o desempenho da garotada, ... 

Minha dura realidade dificultou, inclusive, minha participação no Sindicato dos Professores de Pernambuco (SINPRO-PE). Para quem não sabe, sou um dos diretores do sindicato, atividade que pretendo retomar nesse segundo semestre, pois, acredito que o professor, além de se envolver no debate político sobre educação na escala dos estabelecimentos escolares, deve também se voltar para os desafios corporativos ou sindicais. (Perrenoud, 2002). E por falar em sindicato, tem uma galerinha muito boa que tá se organizando para colaborar com nossa categoria, independentemente de cargos ou da influência político partidária que sempre permeio as ações sindicais. Harim, Paulinha, Salviano, Serginho: estamos juntos na batalha!!!  

Bem, acredito que as razões apresentadas sejam suficientes para vocês dimensionarem a situação delicada pela qual venho passando há quase três anos. Espero que compreendam o porquê da irregularidade das publicações do Cabeça!

É essa mesma dificuldade que tem fortalecido minha luta contra essa situação degradante (materialmente falando, pois, afetivamente, tenho o amor dos meus filhos e o apoio incondicional dos meus pais e irmão, além da força da mãe dos meus filhos, e, simbolicamente, tenho a companhia diária dos escritores e músicos que têm me ajudado a enfrentar esses tempos difíceis). Espero que nesse segundo semestre as coisas melhorem e que eu possa escrever mais regularmente aqui no blog.
 
O texto Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi fecha a série de artigos que resolvi escrever como uma sequência para o Manifesto pela Escola do Século XXI , publicado aqui no Cabeça no final do ano passado. O objetivo da série “Paideia a Caio e a Ravi” foi traçar um primeiro esboço do que considero ser a formação adequada para meus filhos.

A publicação de hoje marca também uma mudança no Cabeça Bemfeita. Quem acompanha o blog sabe que o tema educação sempre teve lugar de destaque por aqui. Pois bem, agora em julho, eu e alguns colaboradores (amigos de longas datas e outros mais recentes, ligados a diversas áreas e linguagens) iremos colocar à disposição um espaço de reflexão e construção de projetos pedagógicos inovadores: o Portal de Educação Tecnológica e Artística (P.E.TEC.A.). Com a abertura desse espaço alternativo de reflexão e ação pedagógicas, as discussões sobre educação ficarão concentradas no portal, enquanto aqui, no Cabeça, continuaremos nossas reflexões sobre filosofia, arte, ciência, tecnologia e comunicação.

E por falar no P.E.TEC.A., devo dizer que o Portal de Educação Tecnológica e Artística é um empreendimento que concebi como forma de superar àquela situação difícil mencionada acima. Depois de quase dez anos trabalhando isoladamente como mero executor de projetos elaborados por outrem, resolvi diversificar minha atuação e me transformar num professor reflexivo ou num intelectual transformador, ou seja, um profissional crítico, reflexivo, capaz de compreender o contexto sócio-econômico-político no qual está inserido, ao contrário do mero técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função é "administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos." (Giroux, 1997, p. 158). Sendo assim, depois de cinco anos de pesquisas e estudos isolados, escolhi simbolicamente o ano de 2013 para ser o início de uma nova fase da minha trajetória como professor: momento do exercício de uma práxis intencional, onde minhas escolhas categoriais e axiológicas e minhas práticas profissionais são orientadas por um corpo teórico rigoroso, sistemático e de conjunto. Se assim não o fosse, não me atreveria a sair por aí convidando parceiras e parceiros para construirmos, através do P.E.TEC.A., currículos inovadores e significativos.  


Para finalizar essa introdução, falemos da programação da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça dessa postagem. Na primeira, temos a palestra Educação na Era Planetária, com Edgar Morin, gravada na sede da Unesco, em Paris, e parte integrante do Segundo Ciclo do Fórum Universo do Conhecimento, promovido pela Universidade São Marcos (SP).  O filósofo francês é um dos pensadores que têm me ajudado na tarefa de construir a educação que desejo para meus filhos. Entre outras coisas, Morin fala sobre os desafios da complexidade (os elementos de um todo "são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes", nos diz o mestre na'Cabeça Bemfeita, livro que empresta nome e conceito para o presente blog), os obstáculos ao conhecimento, a importância do autoconhecimento ("o didatismo só tem sentido se aprendermos a se autodidatas, ou seja, a sermos autônomos", nos diz Morin na palestra) e a urgência de uma reforma do pensamento). Já na Rádio Cabeça, aproveitando a transferência das discussões sobre educação para o P.E.TEC.A., resolvi fazer uma seleção com quatro nomes que tocaram  ao longo das postagens publicadas nesse último ano: Pink Floyd, SoulJazz Orchestra, Bad Brains e Patife Band. 

Fiquem com duas músicas que sintetizam muito bem a essência do modelo educacional ainda hegemônico e contra o qual venho lutando: a clássica Another brick in the wall, com os ingleses do Pink Floyd, e Rise, com os Bad Brains, lendária banda 'punkrockhardcore" norte-americana (os caras tiveram por aqui no Abril Pro Rock e, como em vários outros shows bacanas, não pude ir pelo simples fato de estar sem grana, melhor dizendo, pelo simples fato de ser professor!).


(Another brick in the wall)

We don't need no education
We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teacher! Leave us kids alone!
All in all you're just another brick in the wall
All in all you're just another brick in the wall






(Rise)


"Did you ever question any of the 
things they thougt while you were at school?
And did you ever question "Oh my teacher, 
why do you take me for a fool?" 
Rise up 
you got to rise 

Rise up you, 

wake up and rise"






Escola de vida ou a paideia para Caio e Ravi


Quem frequenta o ambiente escolar já deve ter escutado a seguinte questão: “Devemos preparar nossos estudantes para a vida ou para o vestibular?” Na verdade, considero esse um falso dilema, pois não posso conceber uma escola que “prepare para a vida” e não seja capaz de preparar seus estudantes para simplesmente reproduzirem os conhecimentos gerais e a ciência normal exigidos nos exames e provas aos quais são submetidos em todas etapas da escolarização (o que inclui o vestibular).

E o que significa preparar para a vida? Significa instrumentalizar as pessoas com sentimentos, saberes, conhecimentos, procedimentos, atitudes, habilidades e competências fundamentais para o exercício da cidadania. Nesse sentido, “a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão.” (Morin, 2011, p. 65).

Como vai ser difícil encontrar instituições que se aproximem daquilo que considero ser um modelo de educação adequado (com adequado quero dizer que ajude os educandos e educadores a desenvolverem a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade), resolvi, eu mesmo, sistematizar um projeto pedagógico capaz de tornar meus filhos, Caio e Ravi, sujeitos críticos, criativos, reflexivos, livres, responsáveis e permanentemente abertos para o diálogo. Isso é o mínimo que posso fazer por eles, uma vez que, como não pediram para nascer, que ao menos construam esquemas de pensamento e ação para enfrentar um mundo por vezes hostil e violento. E como a vida não é só adversidade, que eles possam também, através de uma formação integral, serem capazes de proporcionar a si próprios momentos de satisfação espiritual através de experiências estéticas, epistemológicas, éticas e políticas significativas.

Como decorrência da minha decisão em assumir a postura reflexiva e o envolvimento crítico (efetivamente, nas práticas sociais, e não apenas no discurso), tenho me aproximado de algumas autoras e autores que têm me ajudado a compreender melhor o mundo, as outras pessoas e, principalmente, a mim mesmo. Entre eles, o pensador francês Edgar Morin. Nesse início de construção de um sistema filosófico-pedagógico autoral, encontrei na concepção de escola de vida, desenvolvida pelo pensador francês, no livro A cabeça Bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, a formulação ideal para aquilo que considerado ser a educação adequada para meus filhos, tornando-os sujeitos críticos, criativos, reflexivos, livres e responsáveis.


Escolas de vida


Como alerta Morin, apesar da “cultura das humanidades” historicamente ser voltada para uma elite, no mundo contemporâneo ela deverá ser uma preparação para a vida, independente da classe social (Morin, 2011).
 
Mesmo considerando que a formação mais adequada (globalizante, emancipatória e libertária) é aquela dada e alcançada pelo próprio sujeito cognoscente, acredito na possibilidade de construção coletiva de escolas cujo objetivo seja contribuir para a emancipação humana, para ensinar a viver. Se assim não o fosse, já tinha desistido de ser professor!



Morin e as escolas de vida: modelo para a educação
dos meus filhos
E quais são, então, essas escolas que preparam para a vida? Seguindo os passos de Morin, defendo que são escolas da língua que, através das obras dos escritores e dos poetas, permitem que o adolescente, apropriando-se dessas riquezas, “possa expressar-se plenamente em suas relações com o outro.” (Idem, p. 48)

São escolas da qualidade poética da vida, da emoção estética e do deslumbramento, onde “as artes levam-nos à dimensão estética da existência e – conforme o adágio que diz que a natureza imita a obra de arte – elas nos ensinam a ver o mundo esteticamente.” (Idem, p. 45).

São escolas da descoberta de si, na qual o adolescente pode reconhecer sua subjetividade na dos personagens de romances ou filmes. “Livros”, como diz Morin, e que amplio para os filmes, “constituem ‘experiências de verdade’, quando nos desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda, informe, que trazemos em nós, o que nos proporciona o duplo encantamento da descoberta de uma verdade exterior a nós, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e torna-se a nossa verdade.” (Idem, p. 48)   
 
São escolas da complexidade humana que, por sua vez, faz parte do conhecimento da condição humana, permitindo-nos viver, concomitantemente, com seres e situações complexas. O conhecimento da condição humana engloba: a contribuição da cultura científica (ciências naturais renovadas e reunidas – Cosmologia, Ciências da Terra e Ecologia); a contribuição das ciências humanas (Psicologia, Sociologia, Economia, Ciência Antropossocial Religada, História); a contribuição da “cultura das humanidades” (filosofia, literatura, cinema, poesia, música, pintura, escultura).

São também escolas da compreensão humana, onde literatura, poesia, cinema, psicologia, filosofia, convergiriam para tornarem-se escolas de compreensão, uma vez que, “a ética da compreensão humana constitui, sem dúvida, uma exigência chave de nossos tempos de incompreensão generalizada: vivemos em mundo de incompreensão entre estranhos, mas também entre membros de uma mesma família, entre parceiros de um casal, entre filhos e pais.” (Idem, p. 51).

Sem dúvida, quem teve ou tem o privilegio de estudar numa escola estruturada tal como defendida por Morin, estaria preparado, tanto para o exercício da cidadania, ou seja, para a vida, como para passar em qualquer vestibular, concorrendo a qualquer área. No entanto, como ainda oferecemos um sistema educativo cuja função principal é expedir títulos, criar hierarquias e selecionar força de trabalho (Subirats, 2000), função que continua exercendo em pleno século XXI, apenas preparamos nossos estudantes (alguns), quando muito, para reproduzirem nas questões exigidas nas diversas avaliações classificatórias as quais são submetidos, do Fundamental ao vestibular, as respostas acumuladas no desenrolar da Educação Básica. 
 
Devido a minha condição histórica concreta não tive a oportunidade de fazer minha educação básica numa “escola de vida”, tal como sugere Morin, ao contrário, toda minha escolarização, incluindo o nível universitário (assim como a da maioria dos que lerem esse texto, suponho), foi feita na escola típica que ainda hoje se faz presente na maioria das instituições (algumas, inclusive, se fazendo passar por espaços diferenciados de educação, não passando de simples engodo para pais incautos): organização curricular disciplinar, conteudismo, “educação bancária” (o professor, a cada dois meses, “deposita” na mente dos estudantes leis, conceitos e regras, depois, sob o formato de prova, teste ou avaliação, “saca” as informações), espontaneísmo, tempos e espaços rigidamente distribuídos, avaliação somativa e classificatória, etc.
 
Como vai ser difícil encontrar espaços que eduquem para a autoformação da pessoa e que ensinem como se tornar cidadão aqui no Recife, resolvi me “matricular” nas “escolas de vida” para poder, cada vez mais, compreender, através do uso competente da língua, a complexidade da condição humana, o que, ao mesmo tempo, me permitirá descobrir/construir minha própria identidade, condição para que eu possa gozar da “qualidade poética da vida, da emoção estética e do deslumbramento”, nas palavras do mestre francês.
Ora, como não posso dar a meus filhos aquilo que não recebi, venho investindo de forma mais sistemática e rigorosa na minha formação continuada (o que inclui as dimensões cognitiva, afetiva, ética, estética e política) para possibilitar a Caio e a Ravi uma formação plena, integral, permitindo-os responder de forma inteligente e criativa aos problemas colocados pela existência, quando as situações concretas assim o exigirem.
 
Espero que daqui a aproximadamente quinze anos, quando meu primogênito estiver perto de concluir sua formação básica, tenhamos (meus filhos e eu também, claro, pois estarei construindo/reconstruindo com eles os conhecimentos e habilidades que minha condição histórico-social me privou) construído os saberes, competências e atitudes fundamentais para o exercício da cidadania, objetivo principal de uma escola que prepara para a vida.

Zebé Neto
filósofo e professor de filosofia


Referências bibliográficas:

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 19 ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2002. SUBIRATS, Marina. A educação do século XXI: a urgência de uma educação moral. In. IMBERNÓN, Francisco (Org). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Na contramão da história

Prezada leitora, prezado leitor do Cabeça, sair do estado de alienação é mais difícil do que imaginava. Está sendo muito árduo o caminho de saída da "caverna" (como Platão, aliás, já alertava na República). Daí a demora em publicar a quarta parte da Paideia a Caio e a Ravi. Espero que na próxima saia!

E por falar em alienação, o texto "Na contramão da história" traz a ideia de que os representantes das escolas particulares de Pernambuco (sem tirar  a responsabilidade dos professores por sua própria formação) são responsáveis direto pela alienação e aviltamento da atividade docente ao negar as condições mínimas de trabalho.

Noite do Desbunde Elétrico: movimentando
a cena "udigrudi" do Recife
A alienação é tão grande que poucos professores conhecem e acompanham a cena cultural de Pernambuco. Só para ficar nos campos da música e do cinema, aposto que a maioria não conhece nomes da música independente pernambucana, como Jalu Maranhão, D Mingus, JuveNil Silva ou  Zeca Viana, nem que os três últimos se apresentarão amanhã (01/06) no Festival Desbunde Elétrico. Com relação à Sétima Arte não é diferente: pouquíssimos professores e professoras já ouviram falar nos cineastas Camilo Cavalcante, Cláudio Assis ou Kleber Mendonça Filho, nem que eles foram contemplados na sexta edição do Fundo de Incentivo à Cultura (Funcultura) do Audiovisual para realizarem seus novos projetos, os longas King Kong em Asunción e Aquarius (Cavalcante e Mendonça Filho, respectivamente) e o curta-metragem Gigantes pela própria natureza (Assis).  

Tem problema não, amiga professora, amigo professor: mesmo que a classe patronal não queira  que aumentemos nossa bagagem cultural (vejam a negação dos representantes dos donos de escolas em oferecer para o corpo docente assinaturas de jornais e revistas), aqui no Cabeça vocês tem acesso ao melhor da produção cultural pernambucana através da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça. Na programação da primeira, os curtas "Alma cega" (Camilo Cavalcante) e "Recife frio" (Kleber Mendonça) e longa-metragem "Febre do Rato", de Cláudio Assis. Já na Rádio Cabeça, o som de D Mingus, Juvenil Silva e Zeca Viana.  

Espero que vocês curtam os filmes, as músicas e o texto que segue abaixo. Valeu a atenção e com vocês:

Na contramão da história       

A campanha salarial 2013 da categoria dos professores da rede privada de Pernambuco vai chegando ao fim e mais uma vez o filme se repete: a classe patronal se recusa a promover melhorias nas condições de trabalho das professoras e dos professores da Rede Privada. Na verdade, melhor seria dizer “atenuar as condições precárias”, porque nenhum professor vai “melhorar” sua condição de trabalho com o mínimo que foi pedido (e negado pelos patrões).

Entre as principais reivindicações temos: manutenção dos direitos conquistados, unificação dos pisos em R$ 12,00 por hora/aula, reajuste do salário em 10%, vale alimentação para professores com dois turnos na mesma escola, bonificação de 30% para aquisição de livros na Bienal do Livro de Pernambuco, assinatura de jornais e revistas nas salas dos professores, convênios e planos de saúde para os professores.
Sabemos que a desvalorização e o aviltamento aos quais historicamente os profissionais docentes são submetidos, desde os séculos XVII e XVIII, quando as escolas como conhecemos hoje começaram a ser configuradas, até os dias atuais, não serão apagados com atendimento a essas (apenas básicas) exigências, no entanto, a luta dos trabalhadores, inclusive com a decretação de greve na última quarta (29/05), tem uma função simbólica: mostrar que somos professores com orgulho e exigimos respeito! 

Além de ser um contrassenso não investir nas condições de trabalho e formação continuada dos professores, uma vez que esses são os protagonistas na construção de propostas de ensino e aprendizagem significativas, a postura da classe patronal mostra-se não muito inteligente e em descompasso com a organização do capitalismo em sua fase atual, Capitalismo Informacional (ou do Conhecimento), marcado   pela acumulação através da aplicação do conhecimento; intensificação da globalização da economia; aceleradas inovações tecnológicas (transportes, telecomunicações, informática, robótica, biotecnologia, etc), "neoliberalismo"(Estado "mínimo"), especialização da mão-de-obra, entre outras características.

Atualmente, as empresas mais bem sucedidas e líderes nos seus setores, são aquelas que investem na qualidade de vida dos seus “colaboradores” (eufemismo neoliberal para “empregado” ou “funcionário”).  Um trabalhador, visto a partir de sua dignidade humana, sendo reconhecido pela importância do papel que exerce, tendo voz para propor saídas criativas quando a situação adversa assim o exige, recebendo com justiça pelo trabalho que executa, produziria muito mais (gerando um trabalho de melhor qualidade e, consequentemente, mais lucro para as escolas), pois mais motivado a buscar a excelência da sua atividade. 

Como no Brasil as coisas só chegam com atraso, agora é que nossos empresários da educação estão na fase do capitalismo mais selvagem. E haja exploração e mais-valia, não só pelos baixos salários que recebemos, mas, principalmente, pelo “trabalho oculto” que não entra na remuneração (só recebemos por aqueles 50 minutos que temos para construir situações de aprendizagem com nossos/nossas estudantes, ficando de fora as horas de pesquisas, leituras, fichamentos, planejamentos, concepção de atividades significativas, preparação de avaliações, correção das mesmas, preenchimento de cadernetas e relatórios diversos, preparação de material diferenciado, de acordo com as singularidades das/dos estudantes...)

É, senhoras patroas e senhores patrões, do jeito que está, logo logo, não restará nem mais professores para serem explorados. Para a classe patronal não ficar na contramão da história, não estaria na hora de se inspirar e seguir o exemplo das empresas capitalistas de ponta, que continuam explorando, mas dão uma condição de vida melhor aos seus “colaboradores” (ou melhor, “empregados”) para que esses possam produzir mais e melhor, aumentando, consequentemente, os lucros potenciais que uma educação de qualidade pode representar?

Zebé Neto
filósofo, escritor e professor de filosofia

quinta-feira, 2 de maio de 2013

As TICs e a docência: desafios e possibilidades para o professor do século XXI

Prezado leitor, prezada leitora, o texto abaixo foi publicado ontem e revisto e ampliado hoje, dia 03/05. Pra galera que vem acompanhando a série de textos que compõem a Paideia a Caio e a Ravi (minha primeira tentativa em sistematizar meu projeto de educação), advirto que a postagem de hoje ainda não é a quarta e última parte da série citada. O presente texto nasceu da minha participação num bate-papo no CESAR.Edu com uma galera que vem fazendo diferente ao buscar criar ambientes que facilitam a aprendizagem num momento de inadequação entre o modelo tradicional e as demandas colocadas pela chamada "era da informação e da comunicação". 

Como não poderia ser diferente, as programações da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça fazem referência a tecnologia. Na Cabeça Bemfeita TV vocês assistem a Série Diálogos: O Futuro se Aprende, promovido por Inspirare, Porvir e Fundação Telefônica. Entre os palestrantes, Luciano Meira, um dos convidados da segunda edição dos Diálogos Interacionais II. Já na Rádio Cabeça, escolhi duas bandas que utilizam a tecnologia nas suas composições: Kraftwerk, clássico e influente grupo alemão, que desde a década de 1970, quando foi formado por Ralf Hütter e Florian Schneider tem sido referência obrigatória dentro da cena de música eletrônica, e o Revolution Void, banda que descobri há uns dois anos e que mistura jazz e música eletrônica. Abaixo, The Man Machine (com imagens do filme Metrópois ilustrando a música), com Kraftwerk, e Factum par fictio, com o Revolution Void. 



   


Na página (Cons)CIÊNCIA & TECNOLOGIA, estão disponíveis os textos que me ajudaram a escrever a postagem de hoje.

Antes do texto, não poderia deixar de passar o vídeo "A Escola é um saco", pois ele sintetiza bem a discussão levantada por aqui: a inadequação da escola tradicional para atender as necessidades da sociedade atual, marcada pela revolução tecnológica e científica.




"As TICs e a docência: desafios e possibilidades para o professor do século XXI"

Quem acompanha o Cabeça sabe que a tecnologia é um dos eixos temáticos de interesse do blog. Apesar da complexidade e amplitude da discussão sobre a tecnologia e seus impactos na sociedade contemporânea, me restringirei , na postagem de hoje, a fazer algumas considerações críticas sobre a influência das novas tecnologias da informação e comunicação (ou simplesmente TICs) na prática docente.

O texto nasceu não só do meu interesse pelo tema, mas também como forma de organizar minhas ideias para um bate-papo que irei participar no  C.E.S.A.R.Edu (espaço de formação do C.E.S.A.R. cuja missão é preparar capital humano em TIC) com Luciano Meira (professor de psicologia da UFPE e pesquisador associado da Joy Street), Monica Lira (bailarina e coreógrafa), Rodrigo Medeiros (designer, artista e educador do Robô Livre) e Cláudio Lacerda (bailarino, coreógrafo e pesquisador) sobre novos modelos de aprendizado. O evento faz parte de uma série diálogos com especialistas, profissionais e usuários de diversas áreas, como preparação para o  Interaction South America 2013, encontro sul-americano de design de interação e que será realizado no Recife.


Como tenho investido mais na escrita do que na oralidade, resolvi registrar aqui no blog minhas ideias, não só para orientar minha fala, mas também para garantir que minha visão sobre as questões norteadoras do debate (o professor como eixo centralizador e o aluno passivo na ação de aprendizado ainda tem espaço? Quais os papeis das novas tecnologias nesse processo? Qual o lugar da produção de conhecimento coletiva? Como ganhar escala em experiências inovadoras?) possam chegar aos meus interlocutores na sua totalidade, de forma mais clara. 

Na primeira parte, apresento minha concepção sobre a atividade docente. Em seguida, abordo os impactos que as TICs têm acarretado ao trabalho do professor. Finalizo o texto, defendendo  que as dificuldades encontradas pelos professores e pelas escolas é muito mais fruto de nossa formação descurada do que da nossa exclusão digital.  

A atividade docente

A análise do trabalho docente pressupõe o exame das relações entre as condições subjetivas (formação do professor) e as condições objetivas (condições efetivas de trabalho, desde a organização da prática até a remuneração do professor). No artigo "Significado e sentido do trabalho docente, Itacy Basso diz que as condições subjetivas (ou seja, sua formação) determinam a qualidade da atividade docente no espaço da sala de aula. 

Para o psicólogo, Alexandre Rivero, citado por Gorzoni, em outro artigo por mim consultado para a redação do presente texto, “o mundo vive transformações radicais, a produção do conhecimento e as conquistas tecnológicas assumem uma velocidade muito intensa. Estas modificações influenciam o mercado de trabalho exigindo um profissional que se atualize constantemente e que se aproprie da tecnologia a serviço de seu foco profissional". Dentro desse cenário, como promover, então, mudanças na prática pedagógica se as condições objetivas do trabalho docente não são favoráveis? Num contexto de desvalorização do trabalho do professor, a mudança depende, quase que exclusivamente, de uma formação adequada e do entendimento claro do sentido do seu trabalho.

Para compreendermos o significado do trabalho docente, precisamos destacar a ação mediadora que outro (ou outros) indivíduo (s) representa (m) no processo de apropriação dos resultados da prática social, ou seja, da cultura, uma vez que o sentido da atividade docente é a mediação que professor realiza entre o/a estudante e a cultura. Sendo assim, a finalidade específica da educação formal é:

“propiciar a apropriação de instrumentos culturais básicos que permitam elaboração de entendimento da realidade social e promoção do desenvolvimento individual. Assim, a atividade pedagógica do professor é um conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim específico.” (BASSO, O significado e sentido do trabalho docente. [ensaio on-line] Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-32621998000100003&script=sci_arttext [02/05/2013] ).  

A finalidade do trabalho docente consiste, portanto, em garantir às novas gerações (e as velhas também) acesso ao que não é reiterativo na vida cotidiana, ou seja, “o professor teria uma ação mediadora entre a formação do aluno na vida cotidiana onde ele se apropria, de forma espontânea, da linguagem, dos objetos, dos usos e dos costume, e a formação do aluno nas esferas não cotidianas da vida social, dando possibilidade de acesso a objetivações como ciência, arte, moral etc. (Duarte 1993) e possibilitando, ao mesmo tempo, a postura crítica do  aluno.” (Idem)

É evidente que o professor só pode atingir tais objetivos se tiver uma formação adequada para isso. Sem querer entrar aqui no debate de se as novas diretrizes propostas pelo MEC estão à serviço do capital internacional globalizado ou se visam um projeto de educação emancipatória, considero as competências propostas pelas Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Básica fundamentais para o trabalho pedagógico.

Segundo esse documento, além dos conhecimentos ordinários que todo professor deve dominar (como possuir um “conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e na cidadania”,saber orientar, avaliar e elaborar propostas, isto e, interpretar e reconstruir o conhecimento”, “transpor os saberes específicos de suas áreas de conhecimento e das relações entre essas áreas, na perspectiva da complexidade”; “conhecer e compreender as etapas de desenvolvimento dos estudantes com os quais está lidando”, etc.), “hoje, exige-se do professor mais do que um conjunto de habilidades cognitivas, sobretudo se ainda for considerada a lógica própria do mundo digital e das mídias em geral, o que pressupõe aprender a lidar com os nativos digitais.”

Essa nova realidade exige que o professor saiba “utilizar conhecimentos científicos e tecnológicos, em detrimento da sua experiência em regência, isto é, exige habilidades que o curso que o titulou, na sua maioria, não desenvolveu.” Sendo assim, na atualidade o professor, além do domínio do conhecimento específico da docência, precisa desenvolver saberes pluri e transdisciplinares que antecedem, sucedem ou permeiam sua atividade. Um desses saberes é o domínio e a utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TICs).

As TICs e a docência

As tão faladas TICs nada mais são do que o conjunto das tecnologias que mediam e potencializam os processos informacionais e comunicativos entre os seres humanos. “Ainda, podem ser entendidas como um conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware, softwares e telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de negócios, da pesquisa científica e de ensino e aprendizagem.”
Ainda que na atualidade tenhamos à disposição várias tecnologias que viabilizam a comunicação, o que tem agregado mais valor a essas tecnologias é a interação e a colaboração entre elas.
Saber acessar, selecionar, produzir e transmitir informações tornam-se competências e habilidades a serem buscadas, singularizando indivíduos e instituições num mundo cada vez mais competitivo. “Não somente ter uma grande quantidade de informação, mas sim que essa informação seja tratada, analisada e armazenada de forma que todas as pessoas envolvidas tenham acesso sem restrição de tempo e localização geográfica e que essa informação agregue valor às tomadas de decisão.”

Na chamada era da informação, da comunicação e do conhecimento os paradigmas clássicos de sustentação do sistema capitalista, típicos da era industrial (bens de consumo durável, maquinário, trabalho mecânico e em série, produtos etc.) sede lugar para a informação como principal elemento fomentador de riqueza. 
Ninguém nega que a revolução dos recursos tecnológicos integrados têm cumprido bem suas funções nos processos de negócios e da pesquisa científica, mas, quando vamos para e processo de ensino e aprendizagem, não percebemos o mesmo êxito.

Apesar de já estar presente no ambiente escolar, através de computadores, internet e softwares educativos, as novas TICs ainda são subutilizadas, tanto pelos professores, quanto pelas escolas.  Como diz Moran,

as tecnologias chegaram nas escola, mas estas sempre privilegiaram mais o controle a modernização da infraestrutura e a gestão do que a mudança. Os programas de gestão administrativa estão mais desenvolvidos do que os voltados à aprendizagem. Há avanços na virtualização da aprendizagem, mas só conseguem arranhar superficialmente a estrutura pesada em que estão estruturados os vários níveis de ensino.” (MORAN, José Manuel. A integração das tecnologias na educação. [ensaio on-line] Disponível em: http://www.eca.usp.br/moran/integracao.htm [02/05/2013])

Não podemos esquecer que a escola é uma instituição mais tradicional que inovadora. Continua Moran: “os modelos de ensino focados no professor continuam predominando, apesar dos avanços teóricos em busca de mudanças do foco do ensino para o de aprendizagem.” De fato, uma conferida na legislação vigente e na produção científica nas áreas de filosofia e história da educação, da pedagogia e das didáticas geral e específicas nos leva a concluir que já estamos em pleno paradigma emergente. Mas, quem acompanha o realidade escolar mais de perto, não se surpreende ao encontrar, na quase totalidade das instituições, públicas ou privadas, o ensino “magistocêntrico” (o professor como centro do processo) e o predomínio das "metáforas" tradicionais (transmissão, absorção, retenção, seriação, aprovação, reprovação, controle), as quais o professor Luciano Meira se refere em palestra promovido por Inspirare, Porvir e Fundação Telefônica, ano passado em São Paulo. 
Enquanto os alunos estão antenados com o que “rola” de mais avançado no universo multimídia, os professores, em geral, apenas mandam (atividades e/ou provas) e/ou recebem (informes e solicitações verticalmente imposta pela tecnocracia) emails. Segundo Moran:

“os professores sentem cada vez mais claro o descompasso no domínio das tecnologias e, em geral, tentam segurar o máximo que podem, fazendo pequenas concessões, sem mudar o essencial. Creio que muitos professores têm medo de revelar sua dificuldade diante do aluno. Por isso e pelo hábito mantêm uma estrutura repressiva, controladora, repetidora. Os professores percebem que precisam mudar, mas não sabem bem como fazê-lo e não estão preparados para experimentar com segurança.” (Idem)

Sem querer tirar a responsabilidade do professor com sua própria formação, não podemos deixar de considerar que, enquanto instituição social, a escola tem a missão de ser um espaço de formação, não só do corpo discente, mas, principalmente, da própria equipe gestora, incluindo professores, coordenadores e diretores. Não é difícil encontrarmos instituições que exigem mudanças dos professores sem dar-lhes, em contra partida, condições para que eles criem e efetivem propostas inovadoras. Algumas “organizações introduzem computadores, conectam as escolas com a Internet e esperam que só isso melhore os problemas do ensino.” (Idem) 

A maioria dos administradores que investem pesado na aquisição de recursos multimídia se frustram ao perceber que tanto esforço e dinheiro investidos “não se traduzem em mudanças significativas nas aulas e nas atitudes do corpo docente.” (Idem)


Considerações finais: Mais Machado de Assis e Joyce, menos Gates e Jobs


Com o professor Libâneo, entendo a educação como condução de um estado a outro, como modificação numa certa direção o que é suscetível de educação. "O ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível do intrapessoal como no nível da influência do meio, interação essa que se configura numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida." (LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985, p. 97)   

Como instância mediadora, a ação pedagógica estabelece a interação entre indivíduo e sociedade (cultura), propiciando a construção de instrumentos culturais básicos que permitam aos indivíduos elaborarem autonomamente seu próprio entendimento da realidade social na qual está inserido e promoverem o desenvolvimento individual. Por isso mesmo, a educação não pode ser compreendida sem uma análise do contexto histórico-social concreto, sendo a prática social, portanto, o ponto de partida e chegada da ação pedagógica. (Aranha, 2008)

Infelizmente, é comum observarmos o "espontaneísmo" na educação, "resultado da indevida dicotomia entre teoria e prática, porque o professor não foi adequadamente informado a respeito da teoria ou porque não sabe como integrá-la à prática efetiva." (Aranha, 2009, p. 33) 

Até bem pouco tempo, tanto por não ter sido adequadamente (in)formado  a respeito das teorias que julgava adequadas, quanto por não saber integrar teoria e prática, era um típico representante da média dos professores que executa sua atividade sem uma noção muito clara sobre os pressupostos teóricos que subjazem toda ação educativa, tendo consciência deles ou não. 

Desde 2008, quando encontrei um referencial teórico que mostrava o retrato da minha própria situação, qual seja, uma reportagem da revista Nova Escola apresentando o discurso vazio dos professores que utilizam no seu cotidiano expressões que  poucos sabem o que significam, passei a investir na superação da minha formação descurada, eliminando o "espontaneísmo" que caracterizava meu trabalho.

Por experiência própria, sei o quanto é difícil assumirmos nossos erros, incompetências e ignorâncias numa sociedade que cobra o tempo todo que sejamos eficazes, ágeis, flexíveis. Sei também que, assim como eu, existem muitos professores que, devido a péssima qualidade do sistema educacional brasileiro, não desenvolveram adequadamente as competências e habilidades necessárias para o exercício da cidadania, como o domínio das novas tecnologias da informação e comunicação.

Com medo de revelar suas limitações (que deveriam serem transformadas em motivadoras do conhecimento), mas também pelo hábito, os professores "mantêm uma estrutura repressiva, controladora, repetidora". (Moran)Apesar de perceberem que precisam mudar, os professores não sabem bem como fazê-lo. 

Como tenho defendido, a dificuldade que professores e instituições estão encontrando para incorporarem as TICs como instrumento de formação continuada e recurso pedagógico (sempre como "meio" de desenvolvimento de competências, tais como, saber pesquisar, selecionar, sistematizar, produzir e transmitir informações e conhecimentos, e nunca como "fim" em si próprio), decorre muito mais do não domínio de competências básicas para o exercício da cidadania, como a capacidade de leitura crítica e reflexiva de textos de diferentes estruturas e registros, por exemplo, do que do acesso e aos recursos tecnológicos. 


Só passei a mim incluir digitalmente e a utilizar significativamente as TICs, quando resolvi desenvolver e aprimorar as competências leitora e escritora, base das demais, inclusive das digitais. Como digo no texto Letramento digital e cidadania: mais Machado de Assis, menos Steve Jobs e Bill Gates, "para mim as coisas começaram a mudar quando percebi que antes de pensar em mergulhar na linguagem tecnológica deveria voltar-me para as tecnologias básicas de leitura e escrita. A minha inserção no mundo digital é uma consequência direta, portanto, do meu aprimoramento como leitor e escritor."

É por isso que eu digo que, antes de sairmos por aí querendo ser os próximos Steve Jobs ou Bill Gates, procuremos ser, antes, Machado de Assis ou James Joyce. Quem lê e escreve com competência, certamente, procurará utilizar diversos meios e recursos. As TICs são apenas mais um desses recursos. Não podemos esquecer que as TICs são apenas uma parte de um  desenvolvimento contínuo de tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo conviver para  a efetivação  de ambientes de aprendizagem significativas, sejam presenciais ou on-line.

A utilização eficiente de qualquer recurso (seja o piloto que ficou no lugar do giz ou as mais avançadas parafernalhas tecnológicas), portanto, é diretamente proporcional a qualidade da formação do professor.  

Quem se interessa por questões referentes as TICs na educação, poderá encontrar obras de referência no site da UNESCONão deixem de conferir também a reportagem da Nova Escola que fala do discurso vazio dos professores. 

Espero que as questões por mim levantadas possam contribuir para a reflexão sobre os impactos que as TICs têm trazido para a educação, em sentido mais amplo, e para a atividade docente, em particular. Valeu a força e vamos dialogando! 

Zebé Neto
filósofo, escritor e professor de filosofia



segunda-feira, 29 de abril de 2013

Educa-te a ti mesmo

Finalmente publico hoje a terceira parte da Paideia a Caio e a Ravi. No texto "Educa-te a ti mesmo" procuro esclarecer os princípios filosóficos que têm fundamentado meu trabalho pedagógico. Por falar em "princípios filosóficos", também hoje publico a página FILOSOFAR, cujo objetivo é sistematizar os conceitos e temas filosóficos utilizados para melhor compreender os problemas levantados aqui no blog.

Como venho transformando minha própria existência, nas programações da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça presto uma homenagem a alguns "revolucionários" que têm ajudado na minha luta pelo poder ("poder do conhecimento", que fique bem claro!). Na Cabeça Bemfeita TV, trago mais uma vez o cara que ultimamente tem feito minha cabeça: Michel Foucault (1926-1984). Suas análises sobre a origem das instituições sociais modernas tem me ajudado a compreender o contexto político e ideológico repressor contra o qual venho me rebelando. Destaco dois vídeos: o segundo, que traz as ideias do filósofo francês por ele mesmo, e o último, uma produção da ATTA Mídia e Educação, onde o filósofo brasileiro Sílvio Gallo, apresenta as contribuições de Foucault para a educação. 

Public Enemy: origem da minha postura crítica



Já na Rádio Cabeça, presto uma homenagem ao Public Enemy, banda old school do rap norte-americano que, na segunda metade da década de 1980, me apresentou conceitos como "crítica", "engajamento" e "militância". Esse meu contato com o discurso político do movimento Hip-Hop me levaria, anos depois, a abraçar a filosofia, não só como forma de conhecimento, mas, principalmente, como postura de vida. 




Gil Scott-Heron (1949-2011): 
"a revolução será ao vivo", irmão!



Completa a programação da Rádio Cabeça outro ativista: o poeta e músico norte-americano Gil Scott-Heron que, com sua mistura de poesia cantada e falada (precursor do rap) ritmos como Jazz, Funk, Soul e música latinano final da década de 1960 e início da de 1970, também apontou as mazelas do modelo capitalista de sociedade. No final de maio vai fazer dois anos que o autor do clássico "The Revolution Will Not Be Televised" nos deixou. É isso G.S.H.: "a revolução não será televisionada, a revolução será ao vivo." A minha já tá rolando!!!





Sem mais delongas, fiquem com a terceira parte da Paideia a Caio e a Ravi.

Educa-te a ti mesmo

Com a postagem de hoje chegamos a um momento bem especial do texto Paideia a caio e a Ravi: é a primeira vez que sistematizo, num corpo textual organicamente integrado, o germe daquilo que constituirá o núcleo teórico e prático do meu próprio sistema filosófico e pedagógico, sistema esse ao qual me dedicarei até o final da minha existência.

Antes de falar especificamente sobre os princípios teóricos sobre os quais construirei meu projeto de educação, quais sejam, a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade, permitam-me narrar minha recente experiência em tentar entrar para o corpo discente do curso de Mestrado em Educação, da UFPE, mais especificamente na linha de pesquisa Formação Docente e Prática Pedagógica. Tal fato, como mostrarei a seguir, corrobora minha ideia de que os princípios teóricos por mim defendidos são fundamentais para o exercício da cidadania. Por isso mesmo, eles serão a base da educação que pretendo dar para meus filhos.

Para quem não sabe, estive participando do processo seletivo ao mestrado em Educação da UFPE. Estive, porque na terça, dia 26/03, fiquei sabendo que havia sido reprovado na 3ª Etapa do concurso, correspondente a entrevista e defesa do projeto. Confesso que fiquei surpreso, pois, no meu entender, a entrevista tinha sido tranquila (até demais, uma vez que não fui indagado sobre aspectos importantes, como metodologia ou fundamentação teórica), tendo eu respondido, adequadamente, aos questionamentos levantados pela banca examinadora, principalmente com relação a uma suposta “amplitude” da minha pesquisa (concordo que meu projeto é complexo, pois não é tarefa das mais simples investigar as práticas e representações docentes dos professores de filosofia do estado, mas, ainda que fosse “amplo”, a Academia só se interessa por temas “restritos”? E a visão de conjunto cara a atividade do filósofo, como é que fica?).

No entanto, o que quero destacar aqui, não é meu aparente “fracasso”, mas meu autodidatismo que, mesmo enfrentando diversas barreiras, me trouxeram até a terceira fase de um dos cursos de mestrado mais disputados do estado de Pernambuco. Gostaria aqui, de convidar o prezado leitor e a prezada leitora para voltarem comigo até fevereiro de 2012, época em que coloquei o Cabeça no ar (ou melhor, nas infovias).  Até essa época, apesar de já vir investindo (timidamente) nas competências leitora e escritora, nem imaginava o fortalecimento e o salto qualitativo que minha condição de leitor e escritor daria com o exercício literário proporcionado pelo blog Cabeça Bemfeita.

Acreditem-me, se não fosse o Cabeça (que me obrigou a investir nas competências citadas), não teria conseguido aprovar meu projeto (“orientado” por mim mesmo), nem passado na avaliação escrita (sem nem sequer ter lido um dos textos cobrados para o exame, pois, sabem como é, quando se adquire uma certa competência para escrever, dá pra “argumentar” bem, ainda que sem a fundamentação devida!), nem muito menos questionar o resultado final da entrevista.

Para que ninguém se iluda e fique achando que bastam a força, o empenho, o esforço, o compromisso e o sacrifício individual para que consigamos o quê buscamos. É preciso estarmos atentos aos condicionantes sociais que, quando não impedem, dificultam a realização dos nossos projetos. Foi o que aconteceu comigo na 3ª Etapa da seleção ao mestrado da UFPE ao ser “reprovado”. Minha “reprovação” freou um processo ascendente (que continua, apesar de tudo) que vinha experimentando.

Alguns, com uma postura menos crítica, poderiam pensar: “Ah, tá bom demais! Pra quem ganha a vida como professor, cuida, sem babá, de dois filhos, organiza as “coisas” do lar e não traz na sua bagagem intelectual quase nada das escolas por onde passou (incluindo cursos universitários), uma vez que esquecemos o que decoramos, e que só estudou na vida inteira por conta própria (sempre com fins pragmáticos), fazer pela primeira vez o concurso e chegar até a entrevista, já é um ótimo resultado!”.  Até concordo que me saí bem, mas, dentro da postura crítica e reflexiva que venho assumindo e em nome do livre-pensar, me reservo o direito de discordar da “avaliação” dos que organizam o processo de seleção ao mestrado em educação, da UFPE.

Em primeiro lugar, toda avaliação é arbitrária (sei o que é isso, sou professor!), no sentido de que um determinado grupo (no caso, os organizadores da seleção), a partir de certos princípios categoriais e axiológicos (nem sempre tematizados e/ou explicitados), escolhe certos critérios (deixando de lado uma série de outros critérios tão ou mesmo mais fundamentais do que os convencionalmente estabelecidos) a partir dos quais (ou alheio aos quais) julgam os projetos apresentados.

Se os/as nobres examinadores valorizam, presam e cultivam suas faculdades de julgar, também tenho cuidado e educado a minha. Ora, mais do que qualquer sujeito (e principalmente mais do que qualquer “coletividade julgadora”), devemos nós mesmos, que assumimos nossa “maior idade” e conduzimos autonomamente nossa própria formação, sermos nossos juízes mais rigorosos.

Não sei quais critérios foram utilizados (entrei com recurso, apenas para posicionar-me, mas ciente de que o resultado não mudaria), mas quaisquer que tenham sido e ainda que persuasivos ao ponto de convencerem-me da justiça do processo, não alteram o fato das razões e argumentos apresentados serem discursos construídos a partir de certos princípios, valores e ideias, convencional e arbitrariamente construídos por sujeitos concretos, historicamente determinados e ideologicamente comprometidos, passíveis, por tudo que foi exposto, a julgamentos de fato e de valor mais ou menos rigorosos, mais ou menos sistemáticos, mais ou menos totalizantes, mais ou menos isentos de interesses estranhos às regras (impessoais) do processo (sendo mais direto: não favorecer esse ou aquele candidato devido a sua posição no jogo de distribuição do poder social).

Divergências sobre o resultado à parte, o certo é que se não tivesse investido por conta própria na minha formação permanente (afinal, o filósofo não é aquele que, consciente da sua ignorância, procura sua superação?), não estaria, nesse momento, escrevendo as páginas da minha própria existência.

Narrei esse exemplo para corroborar a máxima baconiana de que “conhecer é poder”. Aqui me refiro tanto ao poder do sujeito que pode tomar consciência da sua situação e transformá-la (como no meu caso), quanto ao poder das instituições sociais que investe ou destitui do poder social quem é “aprovado” ou “reprovado”, segundo critérios convencionalmente escolhidos e legitimados pelos que conduzem as instituições (como no caso do processo seletivo ao curso de mestrado em educação).

Apesar da ideia de Bacon (1561-1626) não incluir necessariamente uma dimensão ética da busca, manutenção e distribuição do poder, não podemos deixar de considerar que tanto o conhecer quanto o poder encerram questões éticas: Conhecer para que?, Quem seleciona, sistematiza e transmite o conhecimento? Com quais interesses? Buscamos “poder” para que? Quem distribui o poder? Quem fica com mais poder?, ....

Como no imaginário coletivo o conceito de poder traz um estigma negativo muito forte (geralmente associado às sociedades repressivas, onde o poder é exercido por uma minoria que explora, violenta e aliena a maior parcela da população) poucas pessoas admitem lutar por ele.

Não nos iludamos, prezados leitor e leitora: o poder está aí (seja econômico, político ou ideológico) e, o que é pior, está sendo (sempre foi, na verdade) utilizado contra a maioria da população, que não herdou uma condição sócio-histórica favorável. Cansado de fazer parte dessa maioria, venho investindo na minha formação continuada, sempre de forma independente e autônoma, para “conhecer” mais e melhor (respeitando o espírito do blog, melhor seria dizer, “melhor e mais”!) para “poder” conduzir minha vida, sem depender (ou pelo menos o mínimo possível) de fatores externos a minha vontade.

No entanto, diferentemente do filósofo inglês, precursor do empirismo, que, segundo nos mostra a história, não desenvolveu um conhecimento ético a altura de suas ideias epistêmicas, acredito que a máxima “conhecer é poder” só pode ser efetivado com base em princípios e valores que dignifiquem a condição humana, tais como a sabedoria, a justiça, a moderação, o respeito às diferenças e ao dissenso, a defesa radical da liberdade e a abertura permanente ao diálogo.

Se cada hoje da minha existência é uma superação do ontem vivido, devo isso à postura crítica e reflexiva que venho assumindo nos últimos tempos e que, por sua vez, tem despertado e aguçado minha criatividade. E como não há vida pessoal fora de uma vida social, mais recentemente tenho procurado sair do isolamento que me coloquei (afinal, o filósofo é aquele que se afasta da realidade para visualizá-la melhor e conseguir um ponto vista mais amplo, e que depois volta para essa mesma realidade para tentar modificá-la) e ir ao encontro de outros sujeitos que, assim como eu, se encantam com a vida e buscam compreendê-la para, quando necessário, promover mudanças naquilo que não for adequado para uma existência digna e feliz.

Compartilho com vocês a partir de agora, os princípios-atitudes que têm me ajudado a construir minha própria identidade, através de um processo contínuo de tomada de consciência das capacidades, possibilidades e probabilidades de transformação da  minha realidade imediata: a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade.

Criticidade

Até o momento que antecede minha atual fase (de pesquisador, escritor, enfim, de filósofo) julgava que eu era crítico porque havia me formado em filosofia e conhecia (superficialmente) alguns conceitos e questões filosóficas. Não poderia estar mais enganado! Se hoje começo a me aproximar de uma fundamentação mais clara sobre minhas práticas e representações, devo isso à atitude crítica que passei a assumir (não só profissionalmente, mas, principalmente, pessoalmente) há alguns anos.

Normalmente, quando falamos em crítica, logo pensamos naquela pessoa que é do contra, que diz que tudo está mal, que tudo é feio e desagradável e está errado. É claro que quando as coisas não vão bem ou quando estamos diante de uma obra (seja de arte, científica ou filosófica) de qualidade duvidosa temos que apontar sim suas limitações. Criticar é muito mais do que apontar limites ou falhas. Segundo a filósofa Marilena Chauí, “a palavra ‘crítica’ vem do grego e possui três sentidos principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2) exame racional de todas as coisas sem preconceito ou pré-julgamento; 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica.” (CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo, SP: Ática, 2003, p. 18).  Ora, é justamente isso que venho fazendo: como filósofo, tenho examinado racionalmente, sem preconceito e sem pré-julgamento, o aspecto da realidade que elegi como meu objeto de estudo, a educação. Para isso, tenho procurado examinar e avaliar detalhadamente o processo educativo, levando em conta todos os matizes que interferem no processo de formação humana, dos pressupostos filosóficos da educação aos recursos metodológicos, passando pelo processo avaliativo. O resultado de tudo isso é que tenho aguçado minha “capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente”, fundamental para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea.

Se hoje começo a ter algum retorno (só para lembrar, cheguei à fase de entrevista no processo seletivo ao mestrado em Educação da UFPE, sendo “orientado” por mim mesmo, e hoje, dia 24 de abril de 2013, enquanto trabalhava no presente texto, recebi a feliz notícia de que havia sido convidado para participar de um bate-papo no CESAR EDU, espaço de formação do C.E.S.A.R., importante centro privado de inovação que utiliza engenharia avançada em Tecnologias da Informação e Comunicação para solucionar problemas complexos para empresas e indústrias) é porque assumi o compromisso com a postura crítica.

Sem dúvida, meus filhos, Caio e Ravi, respeitando o ritmo de seus desenvolvimentos cognitivos e afetivos, serão educados para a criticidade.

Criatividade

Normalmente consideremos criativas as pessoas ligadas ao universo artístico. Na visão comum, são criativas as pessoas que desenham, tocam algum instrumento, têm alguma habilidade manual para o artesanato, enfim, normalmente consideramos criativas as pessoas que sabem fazer coisas que a maioria dos mortais não sabe.

Como dizem Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, uma conferida nos significados da palavra criar (e derivados como criador, criatividade e criativo) mostra-nos que “a criatividade pressupõe um sujeito criador, isto é, uma pessoa inventiva que produz e dá existência a algum produto que não existia anteriormente.” (ARANHA, M.L. e MARTINS, M.H. Filosofando: introdução à filosofia. 2ed. rev. e ampl. - São Paulo, SP: Moderna, 1993, p. 337).

Senão, vejamos: criar. V. t. d. 1. Dar existência a; tirar do nada. 2. Dar origem a; gerar, formar. 3. Dar princípio a; produzir, inventar, imaginar, suscitar. criador. Adj. 3. Inventivo, fecundo, criativo. criatividade. S. f. 1. Qualidade de criativo. Vale lembrar que o produto da atividade criativa não é, necessariamente, um objeto concreto, podendo ser uma ideia, uma imagem ou uma teoria.

Segundo as filósofas citadas, um dos critérios para determinar a criatividade de um produto (objetos, ideias, teorias) é a extensão de sua influência. Quanto mais uma obra reestruturar nosso “universo de compreensão", ou seja, quanto mais ela contribuir para desestabilizar nossas crenças estabelecidas, quanto mais revolucionar nosso saberes constituídos (o que consideramos "certo" e "indiscutível"), mais criativa ela será.

Outro critério importante para medir a criatividade é a inovação. Uma obra criativa de fato traz alguma novidade, algum detalhe que nos leva a rever o que já conhecíamos, atribuindo-lhe uma nova organização. Porém, é bom termos cuidado, pois nem tudo que é novo é criativo, já que “a inovação aparece com relação a um dado problema ou a uma dada situação, solucionando-a ou esclarecendo-a. A inovação surge, geralmente, do remanejo do conhecimento existente que revela insuspeitados parentescos ou semelhanças entre fatos já conhecidos que não pareciam ter nada em comum.” (Idem, 1993, p. 338) Além disso, a inovação deve ser relevante, ou seja, adequada à situação. “Um ato, uma ideia ou um produto é criativo quando é novo, adequado e abrangente” (Idem, 1993, p. 338), sentenciam as autoras.

Apesar de tais condições serem associadas quase que automaticamente ao universo artístico, a criatividade é uma capacidade humana que também está presente na produção científica e na vida em geral. “A ciência não poderia progredir se alguns espíritos mais criativos não tivessem percebido relações entre fatos aparentemente desconexos, se não tivessem testado essas suas hipóteses e chegado a novas teorias explicativas dos fenômenos.” (Idem, 1993, p. 338)

Nesse processo, não podemos deixar de falar na imaginação, faculdade que aproxima os trabalhos do cientista, do artista e (acréscimo meu às ideias das colegas filósofas) do filósofo. Todos eles desenvolvem o “comportamento denominado ‘exploratório’, isto é, dedicam-se a ‘explorar’ as possibilidades, ‘o que poderia ser’, em vez de se deter no que realmente é. Para isso, necessitam da imaginação.” (Idem, 1993, p. 338). Imaginar é a capacidade de criar imagens, de ver para além do dado imediato, criando possibilidades novas.

Tanto o artista quanto o cientista e o filósofo “têm de ser suficientemente flexíveis para sair do seguro, do conhecido, do imediato, e assumir os riscos ao propor o novo, o possível.” (Idem, 1993, p. 338)

Sei que muitos podem (ou poderão) discordar das minhas ideias e posicionamentos, o que é muito bom, pois estimula o “pensamento divergente”, aquele que leva a muitas respostas possíveis, ao contrário do “pensamento convergente”, que aponta para uma única resposta, considerada certa. Mas de uma coisa ninguém pode negar: que eu esteja criando e sendo criativo!

Minha formação descurada me impediu durante grande parte da minha vida que eu exercitasse minha criatividade, que imaginasse e ousasse desafiar os limites da minha realidade concreta. Mas, a partir do momento em que passei a investir na minha formação continuada e fui me percebendo melhor, tomando posse da minha própria identidade, concomitantemente, fui descobrindo minha criatividade, que de forma nenhuma é um dom ou algo inato, mas, ao contrário, é o exercício do “comportamento exploratório”. É isso que tenho feito: aguçado a imaginação e me dedicado a “explorar” as possibilidades, “o que poderia ser”, ao invés de me contentar com o que realmente é. No meu caso, esse “realmente é” significa ser fruto de uma sociedade desigual, que exclui a maior parte da população da produção e do consumo de bens e serviços, materiais e simbólicos. Indo direto ao ponto: estou exercitando minha criatividade como forma de superar minha condição sócio-cultural-econômica herdada, visando à satisfação plena de minhas necessidades, tanto as corporais (alimentação, moradia, transporte, etc), quanto espirituais (produção e consumo de obras artísticas, filosóficas e científicas).     

Procurarei oferecer situações e atividades que desenvolvam a criatividade dos meus filhos para que, diferentemente do pai, eles possam exercer o “comportamento exploratório” desde cedo.


Reflexividade

Analogamente a atitude crítica, também me julgava reflexivo por ter me formado em filosofia. Também aqui, estava profundamente enganado. Minha ideia sobre reflexão correspondia mais ou menos à visão do senso comum que entende o ato de refletir como aquela parada que o cidadão médio faz em algum momento da vida para ponderar sobre suas ações e pensamentos ou mesmo quando precisa fazer escolhas ou tomar uma decisão importante. Apesar de sua relevância, não é a essa reflexão que me refiro, mas a filosófica.

Segundo o filósofo e educador brasileiro Dermeval Saviani, a reflexão para ser filosófica deve ser: radical, ou seja, deve ir até a raiz dos fenômenos, a sua origem, enfim, aos seus fundamentos. Dessa forma, a reflexão filosófica é uma reflexão que busca a profundidade dos acontecimentos; rigorosa, pois “deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações que apressadas que a ciência pode ensejar” (SAVIANI, Dermeval. Do senso comum à consciência filosófica. 17ª ed. revista. - Campinas,SP: Autores Associados, 2007, p. 21); e de conjunto: a reflexão filosófica é globalizante, pois evita a superficialidade, examinando os problemas sob uma perspectiva de conjunto, “relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido”. (idem, 2007, p. 21)

Ora, é justamente isso que tenho feito: como filósofo, tenho procurado ir até os fundamentos do aspecto da realidade que escolhi como foco das minhas reflexões filosóficas, qual seja, a educação. Para isso, tenho procedido com rigor, sistematicamente, utilizando métodos diversos (indutivo, dedutivo, dialético, fenomenológico, etc., de acordo com a natureza dos problemas a serem analisados e compreendidos), com a finalidade de compreender o fenômeno educativo sob uma perspectiva de conjunto.

Ficarei muito contente se meus filhos, independentemente das áreas que venham a abraçar, cultivarem a radicalidade, a rigorosidade e a visão totalizante para poderem compreender melhor os fenômenos com os quais terão que lidar.

Dialogicidade

Uma das coisas que mais me dão prazer é bater um bom papo. Além de ser fonte de prazer, o diálogo representa, pra mim, um momento de conhecimento, tanto de autoconhecimento como conhecimento do outo, “pois ao tentarmos no explicar, ao tentamos nos fazer entender, estamos a um tempo nos descobrindo e tentando descobrir o outro para fazê-lo nos entender.” (FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 16ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2009, p. 55).

Como sou fruto de uma educação que não prepara para o diálogo, e como vejo que a maioria das escolas do Recife não são dialógicas, cuidarei para que meus filhos cresçam num ambiente onde a palavra falada seja valorizada e cultivada.

No artigo Desafios e saídas educativas na entrada do século, Rámon Flecha e Iolanda Tortajada, dizem, com base em Habermas (1929), que “naquelas situações não-cerceadas pelo poder e pelo dinheiro, constantemente ocorrem ações comunicativas.” (FLECHA, Ramón e TORTAJADA, Iolanda. Desafios e saídas educativas na entrada do século. In. IMBERNÓN, Francisco (Org). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 30). Ora, como são raríssimas as situações onde o poder tradicional e hierárquico e o poder econômico não “falam” mais alto, são raríssimas, também, as situações em que ocorrem ações comunicativas.

Como não poderia ser diferente, na chamada “sociedade da informação, da comunicação e do conhecimento”, a educação “deve basear-se na utilização de habilidades comunicativas, de tal modo que nos permita participar mais ativamente e de forma crítica e reflexiva na sociedade.” (Idem, 2008, p. 31)

Sem esquecer a dimensão política que o acesso e o tratamento da informação ensejam, os autores acima citados lembram que:

Se pretendemos superar a desigualdade que gera o reconhecimento de determinadas habilidades e a exclusão daquelas pessoas que não têm acesso ao processamento da informação, devemos pensar sobre que tipo de habilidades estão sendo potencializadas nos contextos formativos e se com isso é facilitada a interpretação da realidade a partir de uma perspectiva transformadora. (Idem, p. 31)

Assim como os autores citados, também vejo na teoria da ação comunicativa de Habermas, o meio mais adequado para potencializar as habilidades dialógicas, fundamentais para  a interpretação da realidade a partir de uma perspectiva transformadora.

A "razão comunicativa" supõe o diálogo, a interação entre os indivíduos mediada pela linguagem (discurso). A legitimidade dos valores e normas morais, antes de ser dada por uma razão abstrata e universal ou pelo arbítrio individual dos sujeitos, fundamenta-se no consenso estabelecido pelo grupo, pelo conjunto dos indivíduos.


A interação entre os sujeitos, obviamente, não se dá pela pressão do sistema econômico (fundamentado na força do dinheiro) ou do sistema político (fundamentado no exercício do poder), mas no entendimento entre os sujeitos que, através de argumentos racionais, procuram convencer (ou se deixar convencerem) uns aos outros sobre a pertinência dos valores e normas estabelecidos, instaurando-se o mundo da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade e da cooperação.

Estou procurando fundamentar minhas ações na ética discursiva habermasiana e educarei meus filhos num ambiente dialógico e interacional.

Considerações finais

É isso prezado leitor, prezada leitora, ainda que esteja apenas no início da construção do meu próprio sistema de representação (visão filosófica, científica e estética) e de ação (atitudes, procedimentos, posicionamentos, habilidades), já venho vivenciando os princípios-atitudes compartilhados acima.

Mesmo sabendo que as reformas atualmente em vigor nas políticas pedagógicas de todo o mundo é muito mais fruto da pressão econômica do capital globalizado do que uma tentativa de se criar uma educação de fato libertadora e emancipatória, ninguém duvida que a atual configuração social, cultural e econômica exige que desenvolvamos novas competências, como assimilar informações, interpretar códigos e linguagens, empregar os diferentes saberes adquiridos e criar estratégias cognitivas que permitam enfrentar desafios e tomar decisões em situações cotidianas.

Hoje, muito mais significativo do que transmitir listas gigantescas de conteúdos é preparar as novas gerações para o desenvolvimento de aptidões e competências gerais, tais como: dominar a norma culta da nossa língua e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica; construir e aplicar conceitos das diversas áreas do conhecimento, visando compreender os fenômenos naturais, os processos histórico-geográficos, a produção tecnológica e as manifestações artísticas; selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representadas de diferentes formas, visando tomar decisões e enfrentar problemas; relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentações consistente; e recorrer aos conhecimentos escolares construídos para elaborar propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

Por uma questão social e cultural, não desenvolvi tais competências durante minha formação básica (incluindo o curso universitário, que considero parte da educação básica). Venho, a duras penas, procurando superar as lacunas que foram ficando durante meu processo formativo. E, nessa minha caminhada, credito a criticidade, a criatividade, a reflexividade e a dialogicidade, os pequenos (mais consistentes) saltos que tenho dado em busca de uma cidadania efetiva.

Ainda que uma formação integral do ser humano possa (e deva) ser proporcionada por instituições formais de ensino (em nível básico ou universitário), acredito que, devido aos pressupostos morais e políticos conservadores e autoritários que subjazem o trabalho efetivo na maioria das escolas, se quisermos realmente sermos livres e autônomos no pensar e na agir, precisamos assumir nossa própria formação. É esse o principal objetivo de meu projeto filosófico-pedagógico e o qual procurarei desenvolver nos meus filhos, Caio e Ravi, para que eles não demorem tanto (como aconteceu com o pai deles) a conduzirem a própria vida.


Eduquemo-nos, então, a nós mesmos, prezados leitor e leitora!



Zebé  Neto
filósofo e escritor