quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Leitura e escrita: instrumentos da liberdade


Olá, amigo leitor, amiga leitora do Cabeça Bemfeita, tudo certo? Comecei a escrever o texto abaixo na manhã da quinta, 20, e só agora, sexta, à noite, dia 21, estou terminando. Como as postagens das quintas são destinadas à nossa formação continuada, falo sobre a importância das competências leitoras e escritoras para o nosso desenvolvimento, não só profissional, mas, principalmente, pessoal.

A programação da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça dizem respeito à postagem anterior, que fala sobre a nova música pernambucana. Na Cabeça Bemfeita TV, destaco a série "Filosofia do rock", coordenado e apresentado pela filósofa Márcia Tiburi. E na Rádio Cabeça, vocês conferem três das dicas por mim apresentadas no texto citado acima: Areia e Grupo de Música Aberta, ruido/mm e Ska Maria Pastora. Domingo, na próxima publicação, as outras bandas citadas no texto anterior serão escaladas na programação da Rádio Cabeça.

Gostaria de dedicar o texto de hoje a linguista e professora de Língua Portuguesa, Ana Maria Vasconcelos, exemplo de coesão e coerência no cuidado com nosso vernáculo.

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O presente texto começou a ser redigido antes  de duas reuniões muito importantes para mim. Uma com um grupo de professores do Fundamental II, do Lubienska Centro Educacional, onde sou professor de Filosofia,  e outra com a Diretora Pedagógica, Rozário Azevedo, e o Diretor Financeiro da instituição, Guilherme Maciel. Tanto a conversa com os/as docentes, quanto com a equipe gestora, dizem respeito a minha busca por novos paradigmas epistemológicos, éticos, políticos e profissionais.

Como digo no texto A douta ignorância (ou em defesa das posturas crítica e reflexiva) quero levar minhas ideias e práticas para a apreciação e crítica públicas. Na verdade, o que venho buscando fazer é resgatar o conceito da Ágora grega  como espaço de discussão e deliberação sobre assuntos ligados à organização e administração da pólis (para além da "cidade-estado" grega, entendam "pólis" como todo e qualquer espaço físico e simbólico onde pessoas e/ou instituições estabelecem entre si relações morais, polítcas e/ou profissionais. Nesse sentido, "pólis", para mim, pode ser a família, a escola, o sindicato, o bairro, a cidade, etc). 

Com o surgimento da pólis, nasce a ideia de espaço público e com ela um novo tipo de palavra ou de discurso, "surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discutí-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa."   (CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2003, p. 38)

Nesse sentido, o uso competente da palavra, seja de forma escrita ou oralmente, torna-se fundamental em contextos de discussão, diálogo e deliberação, como no uiverso escolar, por exemplo. No presente texto defenderei a importância da leitura e da escrita como instrumentos imprescindíveis para uma participação social mais efetiva nas diversas esferas públicas das quais participamos.
 
Quando passei pela minha maior crise profissional, no biênio 2007-2008, percebi o quanto minha proficiência leitora e escritora deixavam a desejar. Tudo bem que já havia cursado dois anos de jornalismo, me formado em Filosofia e já havia três anos que era professor, mas, comparando com a competência e a eficiência com que hoje exerço a leitura e a escrita, sou obrigado a reconhecer que era um dos brasileiros que tinha sua cidadania limitada pelo fato de não ter desenvolvido adequadamente na educação básica tais competências.

Segundo as autoras do livro Temas de Filosofia, Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, leitura é a atividade de atribuir significados ao que acontece ao nosso redor, sendo "efetuada toda vez que lemos um significado em algum acontecimento, alguma atitude, algum texto escrito, comportamento, quadro, mapa [...]." (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Instrumentos do filosofar (apêndice). in Temas de Filosofia. 3 ed. rev. São Paulo: Moderna, 2005, p. 320)

É óbvio que a tarefa de leitura, ou seja, de atribuir significados, depende da vivência do leitor, uma vez que é essa vivência que faz com que cada um de nós observe o mundo de uma forma singular. Sendo assim, nossa história de vida tem influência decisiva na nossa condição de leitores: experiências, gênero, idade, época, lugar, classe social, formação. (Aranha e Martins, 2005)

Como mostraram os números do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), de 2009, quase 60% dos alunos brasileiros têm baixa proficiência, ou mesmo não fizeram nem a prova. Entre 65 países  participantes do PISA 2009,  o Brasil ficou com  a 53ª colocação. Infelizmente, prezado leitor, prezada leitora, até o momento em que passei a investir na leitura e na escrita como as competências fundamentais para sair do estado de alienação e reprodução ao qual estava preso, eu era um desses seis brasileiros, em cada grupo de dez, que ficam de fora das tomadas de decisões nas diversas esferas sociais por não terem construído durante a educação básica uma competência linguística mais consistente.

O meu ativismo em defesa de espaços dialógicos, críticos e reflexivos, que teve início com o Cabeça Bemfeita e continua agora com minha busca pelo uso da palavra argumentada nos espaços onde con-vivo com outros sujeitos, é um corolário do meu aprimoramento como leitor e escritor.

Nas duas reuniões citadas acima, procurei utilizar quatro competências apontadas pelo PCN da Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) como fundamentais para o exercício da cidadania:


1) "expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto orais como escritos — coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados";

2) "utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas nos textos: identificar aspectos relevantes; organizar notas; elaborar roteiros; compor textos coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes; fazer resumos, índices, esquemas, etc";

3) "valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas relações pessoais, sendo capazes de expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como de acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os quando necessário";

4) "usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua para expandirem as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de análise crítica".

Amigo leitor, amiga leitora, seria praticamente impossível chegar aonde cheguei, ou seja, ser ouvido e ter minha fala (discurso) acolhida, ainda que com possíveis posicionamentos contrários, pelos meus companheiros e companheiras de trabalho, se eu não tivesse desenvolvido minimamente essas e outras habilidades linguísticas.  
Venho a cada dia expandindo o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizando-a em instâncias públicas, acredito que com uma certa competência, já que venho conseguindo assumir a palavra e produzir textos (orais e escritos) coerentes, coesos e adequados aos meus destinatários (professores/professoras, coordenadores e diretores).

Hoje utilizo eficazmente a linguagem como instrumento de aprendizagem, ou seja, sei como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações presentes nos textos. Por exemplo, o presente texto está sendo construído através da coordenação e encadeamento de algumas ideias próprias e outras provenientes de outros textos com os quais estou dialogando. As ideias com as quais dialogo aqui foram por mim acessadas, compreendidas e, agora, estou as utilizando.

Como estou expressando melhor meus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como tenho acolhido, interpretado e considerado os dos outros, contrapondo-os quando necessário, as minhas relações pessoais (incluindo casamento) tem melhorado sobremaneira.

Enfim, o usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua", tem me permitido expandir "as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de análise crítica", imprescindíveis para todo aquele/aquela que deseja ser crítico, criativo, livre e responsável.

Fico por aqui, deixando uma provocação para nós, professores e professoras: se como vimos acima, seis em cada dez estudantes apresentam dificuldades para ler e escrever, sendo considerados analfabetos funcionais, e se nós, docentes, já fomos estudantes, não seria razoável pensar que em média seis, de cada dez professores, teriam dificuldades para ler e escrever? 

Bem, seja qual for sua resposta, o certo é que, antes de buscarmos construir os saberes e competências necessários para ensinar no século XXI, como defendem grandes mestre da educação contemporânea, devemos, antes de mais nada, voltarmos ao século XX e aprendermos a ler e a escrever adequadamente.

 

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