quinta-feira, 31 de maio de 2012

Professor: mais valorização, menos mais-valia

           Prezada leitora, prezado leitor, no dia de ontem tivemos mais uma Assembleia da Campanha Salarial 2012 dos professores da rede privada de Pernambuco. Mais uma vez, como acontece todos os anos, a classe patronal rejeitou um acordo que visava atenuar  ("atenuar", porque é difícil se falar em "ganho real" quando a referência são sempre patamares insignificantes) a situação difícil pela qual passa os/as docentes da escola privada pernambucana.
          Vivemos um momento agudo, onde a recusa em se chegar a níveis menos humilhantes faz com que o movimento grevista ganhe força. Visando contribuir com o debate sobre as condições de trabalho dos docentes da rede privada, compartilho com vocês algumas considerações que fiz sobre a relação direta entre melhores condições salariais e a construção de uma escola de qualidade.
Como bem lembra Maria Lúcia de Arruda Aranha, “o professor é um profissional e, como tal, além da boa formação, deve ter garantidas condições mínimas para um trabalho decente: materiais adequados, reuniões pedagógicas, atualização permanente, plano de carreira, além de salários mais dignos.” (Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2009, p. 44)
Apesar de já ser um lugar comum dizer que o professor precisa ser valorizado (tema inclusive dos documentos oficiais do MEC), na prática o que obervamos é a desvalorização do trabalho docente, não só pelos salários baixíssimos, como também por falta de uma política séria de formação continuada, tanto na rede pública quanto privada.
Infelizmente, mais uma vez, assistimos o descaso com o professor da rede privada pernambucana, com a total falta de sensibilidade da classe patronal em atenuar a situação degradante das condições de trabalho dos docentes, concedendo-lhes alguns (míseros) ganhos. Se formos radicalizar, nem ganho seria, pois estamos tão defasados que o máximo que conseguíssemos atingir não cobriria as perdas históricas.
Obviamente que as melhorias não virão por um “ato de bondade” dos patrões, mas “só serão possíveis se os professores tomarem consciência política da sua situação e estiverem dispostos a se mobilizar como corpo coletivo, sempre que necessário, como grupo ativo dentro de sua própria escola e/ou engajados em associações representativas de classe que defendem seus interesses.” (idem, ibidem, p. 44)
Contrariamente ao movimento mundial de valorização do magistério, que passa pelo pagamento de salários mais dignos, a classe patronal pernambucana insiste em manter sua visão estreita de que o lucro das escolas vem da exploração do trabalho dos professores, configurada na mais-valia - conceito marxiano que, simplificadamente, seria àquela parte do nosso trabalho que, apesar de ser fruto de nossa atividade, é apoderada por outrem. Exemplo: digamos que, de acordo com as atividades que você executa ordinariamente, sua hora-aula deveria ser R$ 40,00 e você recebe apenas R$ 15,00 (o que para muitos professores que ganham os irrisório pisos dos Nível I e II seria o “sonho de consumo”).  A diferença, ou seja, os R$ 25,00 que você não vê a cor, é a mais-valia. Também é mais-valia as reuniões pedagógicas que frequentamos e não recebemos, “ajudar” na organização da escola para comemorações ou eventos, aulas-passeio, enfim, tudo o que fazemos para além das horas-aula para as quais fomos contratados e não recebemos.
  Aqui fica uma indagação para àqueles que pensam as estratégias de ação do sindicato patronal: os lucros das escolas não aumentariam sobremaneira se os professores tivessem uma remuneração mais adequada, uma vez que favoreceria a construção de um profissional mais competente, apto, portanto, a desenvolver uma proposta pedagógica verdadeiramente significativa e contextualizada?
Está na hora dos gestores da rede privada começarem a modificar suas práticas e investir mais naquele que é (ou deveria ser) o protagonista das necessárias mudanças que o sistema escolar precisa enfrentar. Na sociedade do século XXI, que exige um novo profissional, que seja não só transmissor, mas, principalmente, selecionador, crítico e produtor de informação e conhecimento, as escolas que permanecerão competitivas serão aquelas que investirem na qualificação docente para que o professor adquira as competências profissionais requeridas pela era da informação, da comunicação e do conhecimento.
Quem é professor sabe o quanto é difícil, com a atual realidade salarial, se manter atualizado e investir na sua formação continuada, tanto pela falta de tempo, pois o professor acumula dois, três, em alguns casos, quatro empregos, quanto pela falta de recursos financeiros para investir na compra de livros, na assinatura de revistas especializadas (em educação e na sua área do conhecimento) ou de uma internet decente, nem mesmo para sua formação cultural, pois não “sobra” dinheiro para ir ao cinema, a um show ou ao teatro. Na verdade, o salário do professor mal dá para suprir suas necessidades materiais (moradia, alimentação, transporte, saúde), quanto mais suas necessidades simbólicas.
Pelo que vemos na atual campanha salarial, ainda está longe das escolas particulares pernambucanas se tornarem mais eficientes e abraçarem as novas perspectivas pedagógicas, pois continuam presas ao antigo paradigma (econômico e cultural), cuja baixa remuneração salarial é um dos seus pilares.
Senhores e senhoras donos e donas de escola: vamos ser mais inteligentes e investir mais no professor, pois já está provado que o desenvolvimento de qualquer sociedade (o que inclui suas escolas) só se dá com uma educação com qualidade social, que, por vez, só pode ser alcançada com o pagamento de salários mais justos àquele que é responsável direto pelo êxito das propostas pedagógicas: o professor. Com essa política de contenção salarial vocês estão perdendo o bonde da história!
Senhores e senhoras professores e professoras: vamos nos conscientizar politicamente da nossa situação e nos mobilizar como um corpo coletivo, atuando dentro de nossas escolas e ajudando nossa associação representativa de classe, ou seja, o sindicato, a se rever constantemente e se fortalecer cada vez mais, o quê, em última instância, seria bom, não só para os professores, como para as próprias escolas que, com uma equipe qualificada, devido aos avanços nas conquistas trabalhistas, poderiam oferecer uma (verdadeira) educação com qualidade social, e não o engodo que é oferecido a sociedade pernambucana pela maioria dos estabelecimentos de ensino da rede privada.

Zebé Neto
filósofo, escritor, educador



segunda-feira, 28 de maio de 2012

Trabalho ou emprego? A atividade alienada (e alienante) do professor (Parte II)


Olá, seguidores do Cabeça Bemfeita e leitores fortuitos, tudo bem com vocês? Acredito que essa seja a vez que mais demorei para postar um texto. Antes de irmos para a segunda parte do texto sobre a alienação dos professores,  gostaria de compartilhar com vocês as razões para um hiato tão grande entre um texto e outro.
          Como “a arte da leitura é rara nesta época de trabalho e de precipitação, na qual temos de acabar tudo rapidamente”, como diz Jorge Larossa, no livro Nietzsche e a Educação, ao falar sobre como o filósofo via “os leitores modernos” (sem tempo para esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se veem com clareza, e das quais não podem colher imediatamente os resultados”), quem preferir pode passar direto para o texto principal, disponível mais abaixo. Sei que o ritmo de vida é bastante acelerado nos dias atuais, não sobrando muito tempo para atividades consideradas, para muitos, "supérfluas", como a leitura. (Olha aí, Rozário, o livro que você me deu já sendo assimilado criticamente!)
            Se você é um “leitor moderno”, acredite-me: a falta de leitura é justamente a razão para a falta de tempo que a maioria das pessoas experimenta. O que quero dizer é o seguinte: como não lemos, pois não temos tempo, não compreendemos muito bem nossa realidade, inviabilizando qualquer projeto de transformação.  
         Enfim, gostaria de compartilhar os projetos que estou envolvido nesse meu novo momento, de construção da identidade de professor reflexivo, pois eles são fruto da minha guinada paradigmática. Espero com isso estimular outros sujeitos a descobrirem o poder libertador da autorregulação dos processos de aprendizagem e formação.

1) Depois de sete anos sendo considerado pelas instituições com as quais colaborei como um simples empregado, executor de políticas pedagógicas nem sempre justificadas em comunidades dialógicas, começo a desenvolver um trabalho (trabalho no sentido filosófico, de transformação da realidade através de uma atividade consciente, intencional e deliberada, defendido por mim no texto que venho escrevendo sobre o trabalho alienado do professor) na tradicional casa de educação pernambucana, Instituto Helena Lubienska. Depois de três, quatro anos, de reflexão filosófica sobre a educação em geral e sobre a instituição escolar e o ofício do professor, em particular, resolvi romper com o medo e a insegurança que acompanham toda tentativa de mudança, sair do isolamento ao qual estamos submetidos e convidar meus colegas educadores e educadoras do Lubienska para pensarmos "sob uma outra perspectiva, para provocar mudanças no tradicional modelo curricular predominante”(...). Estou só no início do trabalhado, mas já sinto o acolhimento das minhas ideias. Lá tenho encontrado pessoas que, assim como eu, sabem que as transformações na organização escolar, tal qual herdamos do projeto moderno de sociedade, apesar de complexas, são possíveis. Agradeço a atenção que tenho recebido de várias pessoas, em especial do professor Saulo Nogueira, de Ciências, que já tem um certo tempo de caminhada, mas que tem o espítito aberto para o novo, e a Diretora Pedagógica, Rozário Azevedo, que com sua postura reflexiva e dialógica me deu a esperança de que novas lideranças educacionais, formadas em princípios reflexivos, éticos, políticos e estéticos em sintonia com a sociedade atual, estão surgindo na Rede Privada. Os senhores e senhoras sabem que lecionar não é tarefa das mais simples, demandando um tempo considerável (bem, pelo menos para profissionais compromissados em oferecer uma educação com qualidade social!): preparar aula, pensar e criar propostas de atividades significativas, avaliação diagnóstica, processual e formativa, acompanhamento do percurso de cada estudante, entre outras atividades.  Além disso, como não temos no mercado material didático de filosofia que contemple a perspectiva de ensino e aprendizagem que venho perseguindo, tive a ideia de criar um “livro virtual” de filosofia. Na verdade é um blog, ou melhor, dois, já que assumi os 6º e 7º anos do Lubienska. Neles procuro, através da ferramenta em que os pertencentes a geração Z são alfabetizados desde a mais tenra idade, a internet, favorecer o desenvolvimento de competências e habilidades crítico-reflexivas;

2) Mudanças de perspectivas e de práticas docentes exigem intensa pesquisa. Estou levando a sério o que dizem os especialistas em educação: que nós, professores devemos ser, pesquisadores. Como vocês sabem a educação é um processo multiforme e plural, sendo tecido por diversos fios que compõem sua trama. São diversos conceitos, ideias, saberes, conhecimentos, procedimentos e atitudes oriundos das mais diversas áreas (antropologia, sociologia, história, filosofia, psicologia, tecnologia, comunicação, didática geral, didáticas específicas, ...) que devem ser pesquisados e esclarecidos para que o projeto que estou construindo ganhe rigor conceitual e metodológico. Quem pesquisa sabe o quanto é trabalhoso e quanto demanda tempo realizar tal tarefa: pesquisa bibliográfica, seleção de textos, leitura crítica, fichamentos, resumos, escrita dos textos autorais,...;
3) Pretendo fazer mestrado no Centro de Educação da UFPE e comecei a fazer uma leitura crítica sobre a bibliografia indicada para a seleção do mestrado em educação do ano passado. Vou colocar à prova as competências leitoras que venho aprimorando nos últimos anos, pois só terei de dois a três meses para fazer as leituras e os fichamentos de cinco ou seis livros. Tava trabalhando com a hipótese de que a inscrição seria lá pra setembro ou outubro, possibilitando um tempo maior para estudar os textos. No entanto, fiquei sabendo que será em julho. Como vocês podem imaginar, outra parte considerável do meu tempo está reservada para minha preparação para o mestrado;

4) Outro projeto, que ainda está na fase inicial (pesquisa bibliográfica), é um material pedagógico de apoio para professores, uma espécie de cartilha, contendo reflexões sobre a relação entre educação e tecnologia e suas implicações, além de atividades, dicas e sequências didáticas sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação na sala de aula. Tenho reservado uma parte do meu tempo para esse projeto;

5) Tenho colaborado com o pessoal da Livrinho de Papel Finíssimo Editora. Estamos desenvolvendo uma cartilha pedagógica sobre Segurança Meio Ambiente e Saúde (SMS) para a TRANSPETRO. Começamos também a discutir a construção de uma coleção didática para o Ensino Médio, em princípio envolvendo Filosofia, Sociologia e Artes, fundamentada em diretrizes curriculares consideradas as mais adequadas para formação cidadã no mundo atual;

6) E por último, que na verdade é a causa primeira de todos os meus projetos, cuido de duas figurinhas muito especiais: Caio e Ravi, meus filhos. Quem cuida de crianças sabe o quanto essa atividade requer nossa atenção: trocar fralda, dar banho, alimentar, brincar, ninar ... Os dois são os responsáveis diretos por tudo o que estou vivendo hoje. É por e para eles que busco construir uma proposta pedagógica verdadeiramente significativa e contextualizad, que ultrapasse o mero discurso já muito bem decorado de educação inclusiva, e que de fato inclua, não só os visivelmente limitados por questões físicas (psíquica e/ou motora), mas também os chamados “normais”, que de certa forma são também excluídos por não adquirirem, durante sua formação básica, todos (ou pelo menos a maior parte) dos saberes, conhecimentos e competências necessários para o exercício efetivo da cidadania.

            Espero que, com as razões apresentadas, vocês compreendam a demora em escrever a segunda parte do texto sobre o trabalho (ou melhor, emprego) alienado que nós, docentes, executamos.
           Acredito já ter escrito melhor, mas a urgência em compartilhar minhas ideias nesses dias de redefinição de identidades sociais (principalmente para nós, professores, que estamos em pleno processo de campanha reivindicatória) me fazem abrir mão da forma em benefício das implicações éticas e políticas da minha postura.
          Uma última coisa: sinto falta dos cometários! Uma ou outra pessoa já chegou pra dizer que o blog "é legal", "é massa" (Ana Maria, Veloso, valeu os comentários escritos) mas gostaria mesmo era ouvir os posicionamentos de vocês sobre as coisas que falo aqui. Escrevam no  espaço destinado aos cometários seus pensamentos, a opinião de vocês sobre o que escrevo, se concordam, se não, o que o blog tem de "legal" e de "massa". Ou, ao contrário, quais são suas limitações, seus "pontos fracos", por assim dizer. Fiquem também à vontade para falar sobre suas experiências, sentimentos, frustações, alegrias, ... Enfim, expresssem-se!
          A leitura crítica de vocês é muito importante para o aprimoramento desse nosso espaço de reflexão e crítica.
          Finalmente, fiquem com a segunda parte do texto:


Trabalho ou emprego? A atividade alienada (e alienante) do professor
Prezada leitora, prezado leitor, finalizo com o presente texto, a discussão que levantei na última postagem: somos nós, docentes, trabalhadores ou empregados?
Com base na minha própria experiência e na observação direta das atividades realizadas pelos meus colegas professores, infelizmente, sou levado a concluir que a maioria dos que se dedicam a docência deveriam muito mais serem chamados de “empregados” do que de “trabalhadores”.
Como vimos na primeira parte do texto, “o trabalho, em sentido amplo de trabalho material e intelectual, é a ação transformadora da realidade dirigida por um projeto, ou seja, por uma antecipação da ação pelo pensamento, sendo, por isso, consciente, deliberada e intencional.”
Vimos também que “através do trabalho o ser humano supera os determinismos naturais, conseguindo sua liberdade”,sendo a liberdade fruto da ação transformadora sobre o mundo. No entanto, o trabalho só é libertador onde não haja a exploração do trabalho, ou seja, onde a atividade realizada é fruto das necessidades intrínsecas ao próprio sujeito e não imposta por outros. Quando há, portanto, relação de exploração, estamos diante do trabalho alienado.
           Com o desenvolvimento do sistema capitalista o processo de alienação intensifica-se através da separação entre os que criam, pensam, estabelecem as atividades e os que simplesmente executam o trabalho (dicotomia concepção-execução do trabalho). O chamado taylorismo“leva adiante a concepção do processo de produção parcelado, estabelecendo os princípios do método científico de racionalização da produção”.
Não demorou e os princípios do método científico de racionalização da produção foram incorporados por outras instituições, como a escola, por exemplo. Até hoje, infelizmente, a forma de organização do sistema educativo ainda reflete o trabalho parcelado, fragmentado, “pensado” por uma equipe de tecnocratas, herdado dos modelos de produção e gestão econômica.
Como professor, frequento o universo escolar há oito anos e ainda não encontrei uma instituição escolar em que não houvesse a dicotomia concepção-execução do trabalho. Levanto agora cinco indagações, a título de provocação, para confirmar essa minha impressão:
1) Quem de nós participa de reuniões pedagógicas com os gestores (diretores e coordenadores) dos nossos estabelecimentos para discutir sobre os pressupostos filosóficos (antropologia, epistemologia e axiologia) que fundamentam as identidades coletiva (escola) e de cada profissional em particular?
2) Quem de nós ajudou a estabelecer que o currículo das nossas escolas deva se organizar disciplinarmente ou através de eixos-temáticos?
3) Quem de nós compartilha com os demais professores e com o corpo gestor princípios, diretrizes e posturas didáticas consensuais?
4) Quem de nós domina as novas tecnologias da informação e comunicação, utilizando-as para selecionar informações e produzir conhecimento?
5) Quem de nós participa da necessária reflexão permanente sobre o Projeto Político Pedagógico dos espaços onde lecionamos?
 
Não é fácil tentar colocar em discussão representações e práticas já consolidadas (sei bem o que é isso, pois já perdi dois empregos por tentar colocar em discussão os pressupostos filosóficos e pedagógicos das instituições), mas só acredito numa proposta de educação de qualidade se todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar, do porteiro ao diretor, participam da construção dos princípios teóricos e das ações efetivas.
           O que acontece na maioria das vezes é que nós, professores, tal qual um operário no sistema fabril, ficamos responsáveis por executar uma atividade parcelada (“dar” aula, ou seja,“transmitir” conteúdos), fragmentada (nossa área do conhecimento não dialoga com as demais do currículo) e descontextualizada (não referimos os conteúdos curriculares à realidade sócio-histórica dos educandos). Muitos teóricos chegam inclusive a defender a ideia da proletarização da atividade docente.
E hoje, como a chamada pós-modernidade interfere no trabalho docente? É o que veremos a partir de agora.
O trabalho na Pós-modernidade
Ainda que o conceito de Pós-modernidade não seja consensual entre os pesquisadores, é inegável que a sociedade atual apresenta algumas características que a fazem totalmente diferente do projeto social, político e econômico da modernidade.
           Entre as mais evidentes, pode-se apontar a globalização e a revolução tecnológica, notadamente nos meios tecnológicos de informação e comunicação.
Presenciamos também o “declínio da esfera pública e da política, a crise ecológica, o impasse histórico do socialismo, os tribalismos, a expansão dos fundamentalismos, as novas formas de identidade social e as conseqüências da informatização sobre a produção e sobre o cotidiano (...)”, como alerta Jussara Malafaia Moraes.
Ainda segundo Jussara, “para a maioria dos autores, a Pós-Modernidade é traçada como a época das incertezas, das fragmentações, da troca de valores, do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, da apatia, do consumo de sensações e do fim dos grandes discursos.”
Dentro desse contexto como fica a organização do trabalho em geral, e do trabalho docente em particular?

Novas relações de trabalho

No artigo“Admirável trabalho novo?”, no qual discute os impactos econômicos e sociais das transformações no mundo do trabalho, a socióloga Priscila Gorzoni diz que boa parte das modificações nas formas e estruturas de trabalho, se deve “às mudanças dos paradigmas do trabalho, às inovações tecnológicas e à globalização, que rompeu com as barreiras da distância.”
Segundo Gorzoni,“assim como a sociedade industrial do início do século XX se viu centrada nas relações trabalhador e indústria, vivemos hoje uma nova dinâmica social moldada não só pela era digital, (...) mas pela rapidez e instabilidade derivada dela. Entretanto, essas mesmas armas que em certo aspecto facilitam, em outros tantos dificultam, exigindo ainda mais dos profissionais, que agora não se sustentam ao dominar apenas o conhecimento de sua função. Além disso, existe um outro fator de angústia: ter de lidar com a falta de vínculos, o desemprego e a efemeridade dos contratos trabalhistas.”
            Além de afetar o setor profissional, as modificações nas relações de trabalho mexem com a dinâmica social. Para o psicólogo, Alexandre Rivero, citado por Gorzoni, “o mundo vive transformações radicais, a produção do conhecimento e as conquistas tecnológicas assumem uma velocidade muito intensa. Estas modificações influenciam o mercado de trabalho exigindo um profissional que se atualize constantemente e que se aproprie da tecnologia a serviço de seu foco profissional".
           No entanto, os últimos anos não têm sido os melhores para os trabalhadores. Um dos fatores, segundo o sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett, também citado por Gorzoni, “é o aumento do volume de atividades sem a elevação compatível de salário e benefícios.” Outra questão identificada por Sennet como consequência das mudanças na organização do trabalho é a perda da identidade. Sennett destaca ainda a falta de vínculo com o local de trabalho, a perda dos laços de solidariedade dentro da empresa, além da degradação e humilhação dos profissionais nos processos seletivos.
          Para Sennet, o capitalismo vive uma fase cuja natureza é a flexibilidade, onde as formas rígidas da burocracia e “os males da rotina cega” são atacados. No “capitalismo flexível” exigem-se competências compatíveis com o novo momento: agilidade, abertura às mudanças de curto prazo, assumir riscos continuamente, depender cada vez menos de leis e procedimentos formais.
           Ao contrário do trabalhador do modelo fordista que, “embora imerso na burocracia, rotina e alienação, possuía uma trajetória constante e expectativas de longo prazo”, o trabalhador atual já não tem essa possibilidade, “devido a uma dinâmica de incertezas, mudanças de emprego e de cidade e o sucessivo rompimento de laços. As relações centrais, outrora vistas e sentidas na coletividade, passam a ser individualizadas, extrapolam o mundo do trabalho e se estendem a toda forma de sociabilidade. Em um mundo fragmentado, de relações efêmeras, cortadas, instáveis, sem continuidade, tampouco margem de segurança, tudo, inclusive o trabalho, perde a referência e a compreensão.”
           Gorzoni finaliza a apresentação das ideias de Sennett, dizendo que as relações impessoais de trabalho afetarão diretamente as relações sociais e vice-versa. Estabelecendo relações superficiais, descartáveis, cujos laços de lealdade e compromissos são tão frouxos quanto a efemeridade do curto prazo de trabalho. "Em um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo", ressalta o autor.

A atividade alienada (e alienante) do professor
 
          Seja no contexto da sociedade industrial seja no da sociedade pós-industrial, caracterizada pela ampliação dos serviços (setor terciário), submetendo os outros setores (agricultura e indústria) ao desenvolvimento de técnicas de informação e comunicação, e pelo predomínio de um cotidiano marcado pelo consumo, prevalece o trabalho alienado.
         A atividade que a maioria de nós executa representa o que há de mais aviltante nas relações de trabalho. Somos vítimas de uma atividade parcelada: ficamos responsáveis por transmitir certos conteúdos considerados importantes pela tradição científica, seguindo cegamente uma ordem preestabelecida pelos sumários dos livros, que muitas vezes nem somos nós que escolhemos.
         A maioria de nós permanece isolada nos seus locais de trabalho. Não compartilhamos com nossos colegas experiências pedagógicas. Não sabemos o que nossos colegas pensam sobre formação moral, política e estética.
         Presos a três, quatro empregos, não temos tempo para acompanhar as pesquisas que estão sendo feitas nas nossas áreas do conhecimento, nem nos apoderar do que os educadores, filósofos e sociólogos estão dizendo sobre a educação do novo milênio.
         Sem medo de errar (ah, como gostaria que estivesse errado!), ouso dizer que a grande maioria dos que estão lecionando (em todos os níveis e modalidades da educação formal) nesse momento nunca fizeram uma leitura crítica sobre os documentos oficiais que organizam seu ofício (LDB, PCN’s, Diretrizes Curriculares dos diferentes segmentos, resoluções e pareceres diversos). Também ouso dizer que a maioria dos que lecionam não construíram durante sua formação inicial e continuada os quatro grandes pilares da educação estabelecidos pela UNESCO e defendidos como competências fundamentais para o exercício da cidadania na era da informação, da comunicação e do conhecimento, quais sejam, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
         Além disso, acredito que a maioria dos que são responsáveis por fazer a mediação entre os saberes, conhecimentos, competências, procedimentos e atitudes necessários para o exercício da cidadania e as novas gerações, não conseguiram, eles próprios, assimilar, criticamente tais conhecimentos.
        Também acredito que a grande maioria dos professores, não dominam conhecimentos linguísticos, históricos, sociológicos, psicológicos, pedagógicos, científicos, artísticos e, o que é pior, não dominam, de forma radical, rigorosa e de conjunto, sua própria área do conhecimento.
         Sem falar que a maioria de nós (por não termos tido uma formação filosófica adequada durante o ensino médio, nem nos nossos cursos de formação profissional), não desenvolveu competências crítico-reflexivas, capazes, não só de superar a dicotomia teoria e prática, como de nos instrumentalizar para enfrentarmos o mundo contemporâneo, marcado, como vimos acima, pela globalização, pela revolução tecnológica, pelas novas formas de identidade social, pelas incertezas e pela efemeridade.
         Por essas e outras, prezada leitora, prezado leitor, é com grande pesar que concluo as considerações que me propus a fazer nesse artigo, afirmando que a maioria de nós, professores, apesar de termos o “intelecto” como matéria-prima de nossa atividade, temos nosso desenvolvimento pessoal e profissional embotado pela alienação à qual somos submetidos pela divisão social do trabalho.
         Alienar, no sentido etimológico, significar “transferir para outrem aquilo que é seu”. Nós, professores abrimos mão do direito legal e democrático de participarmos da construção e revisão do Projeto Político Pedagógico das escolas, transferindo essa responsabilidade para os setores de planejamento.
         E, o que é pior, nossa atividade, além de alienada, é alienante, pois, ao não nos posicionarmos diante da realidade social, econômica, cultural e política, por não termos sido preparados para isso, assumimos, inconscientemente os valores vigentes, dificultando, assim, a assimilação crítica das ferramentas culturais necessárias para o exercício efetivo da cidadania pelos nossos educandos.
         Segundo o Wikipédia, “empregado é a pessoa contratada para prestar serviços para um empregador, numa carga horária definida, mediante salário. O serviço necessariamente tem de ser subordinado, qual seja, o empregado não tem autonomia para escolher a maneira como realizará o trabalho, estando sujeito às determinações do empregador.”
        Infelizmente, essa parece ser a realidade da maioria dos professores da Rede Privada: obrigados a prestar um serviço previamente estabelecido (transmitir conteúdos curriculares) para um empregador (dono de escola), não têm autonomia para sugerir a melhor maneira para realizar o trabalho, tanto por questões institucionais (a maioria das escolas tem dificuldades para se transformarem em espaços dialógicos), quanto pessoais (a maioria dos professores não consegue efetivar a filosofia da práxis, ou seja, a união indissolúvel entre teoria e prática). 
       Por último, destaco a frágil consciência de classe determinada pela atividade alinada do professor, pois, como vimos mais acima , as relações impessoais de trabalho afetam diretamente as relações sociais, "estabelecendo relações superficiais, descartáveis, cujos laços de lealdade e compromissos são tão frouxos quanto a efemeridade do curto prazo de trabalho", impedindo assim, os sentimentos de coletividade e solidariedade. 
         E aí, professor, e aí, professora: essa é a sua realidade ou, ao contrário, você exerce uma atividade criativa, transformadora, enfim, libertadora, onde você determina o quê será produzido, além de determinar como e quando acontecerá sua produção?
         Por enquanto deixo vocês revendo suas identidades. Aproveito também para dar mais uma já tradicional dica cultural: Pink Floyd, com Another Brick in the Wall. Mais um texto para dar elementos para sua reflexão. 
        Volto ainda essa semana (espero!) para começar a falar sobre o perfil do professor reflexivo ou intelectual transformador da realidade, condição, na minha visão, para superarmos os impasses e incertezas do mundo atual. Até lá!

Zebé Neto
filósofo, escritor e educador




Referências

LARROSA, Jorge. Nietzsche & a Educação. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
MORAES, Jussara Malafaia. Pós-modernidade: uma luz que para uns brilha e para outros ofusca no fim do túnel. Disponível em http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/otimismopos-moderno2.html
GORZONI, Priscila. Admirável trabalho novo? Os impactos econômicos e sociais das mudanças no mundo do trabalho e a posição de especialistas e profissionais diante dessas transformações. Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/27/artigo162994-1.asp?o=r



sexta-feira, 4 de maio de 2012

Trabalho ou emprego? A atividade alienada (e alienante) do professor

          Antes de compartilhar com vocês mais um texto sobre a série de reflexões sobre a condição de professor, gostaria de fazer alguns esclarecimentos:

1) Ontem pela manhã redigi e postei um texto às pressas, pois pensava em fazer menção a ele na Assembleia dos Professores da rede privada realizada ontem, dia 03 de maio. É que venho tentando me aproximar da identidade do professor reflexivo ou intelectual transformador da realidade, como  defendem importantes educadores da atualidade, como a portuguesa Isabel Alarcão, o suiço Philippe Perrenoud e o norte-americano Henry Giroux, e seria uma ótima oportunidade poder colocar para meus colegas minhas ideias.  Não o fiz, pois senti que ainda não era o momento. Faço aqui uma confissão: como muitos de nós, não fui preparado, tanto na educação básica, quanto no nível superior, para utilizar a palavra em público e fico super nervoso só em pensar em ir lá na frente e dizer o que penso. Um dos projetos que me coloquei esse ano foi o investimento na inteligência comunicacional (o que inclui tanto a escrita, que já estou exercitando aqui no Cabeça, quanto a oralidade), imprescindível para quem vem assumindo a identidade de filósofo, escritor e educador, como é o meu caso. Até a próxima assembleia vou ver se consigo desenvolver alguns procedimentos para o uso da palavra em público (aliás, uma das competências que pretendo ajudar meus alunos a desenvolver) e espero dizer alguma coisa, pois meu compromisso político me obriga a me posicionar diante das questões do meu tempo. Por enquanto, vou mandando minha palavra através do Cabeça Bemfeita.

2) Justamente por ter sido escrito às pressas, o texto apresentava  precisava ser revisto e aprimorado. É essa versão revista que hoje publico.

3) Novamente com relação a frequência das publicações do Cabeça Bemfeita: como minha vida está bem movimentada, não vou mais estabelecer um dia fixo para postagens de textos. Combinemos o seguinte: toda semana, em média, publicarei um texto novo. Qualquer mudança, avisarei.

          Um dado curioso e que tem tudo a ver com o texto que compartilho hoje com vocês: agora pela manhã, enquanto mexia no texto, a TV estava ligada na Rede Globo e o apresentador do Bom Dia Brasil,  Chico Pinheiro, no final do programa, ao se despedir disse: "Hoje é sexta-feira, é vida que segue!”. O que podemos ler nessa máxima de Pinheiro? Que o fardo da semana, período no qual trabalhamos (e no caso dos estudantes, período de aula) está terminando, e a "vida" finalmente surge com o final-de-semana, tempo em que estamos liberados das atividades rotineiras, repetitivas, cansativas e estressantes.
           Espero que as reflexões que farei possam  de alguma forma ajudá-los a responder a seguinte questão: a atividade que vocês realizam é melhor caracterizada como um trabalho ou como um emprego? 


Trabalho ou emprego? A Atividade alienada (e alienante) do professor


Aproveitando as comemorações (para a maioria, lamentações) do dia do trabalho, ocorrido na última quarta, dia 1º de maio, resolvi escrever sobre uma questão que há algum tempo vem me intrigando: nós, professores, somos “trabalhadores”ou “empregados”? Temos um "trabalho" ou um "emprego?"
            Partindo da concepção filosófica do trabalho e de sua realização histórica, notadamente a partir da emergência da sociedade industrial, defenderei a ideia de que a maioria de nós, que nos dedicamos à atividade de ensinar, merecemos muito mais sermos chamados de “empregados” do que de “trabalhadores”.
          Nesse primeiro texto discorrerei sobre a visão filosófica do trabalho, destacando-o como condição de liberdade e o conceito de práxis como atividade especificamente humana. Também abordaderei a visão histórica do trabalho, ou seja, a forma concreta como temos organizado as relações de trabalho ao longo do tempo. Finalizo essa primeira parte do artigo, trazendo algumas reflexões sobre o processo de alienação na sociedade industrializada.
          Na semana que vem, eu volto trazendo uma discussão sobre o processo de alienação na chamada sociedade pós-moderna e como percebo a inserção do trabalhador em educação nesse processo.

Visão filosófica do trabalho

O trabalho é apontado, ao lado da linguagem verbal, como a característica que distingue os seres humanos dos outros animais. Enquanto os outros animais estão inseridos harmonicamente na natureza, os seres humanos são capazes de transformá-la através do trabalho, possibilitando, assim, o surgimento da cultura. O trabalho, em sentido amplo de trabalho material e intelectual, é a ação transformadora da realidade dirigida por um projeto, ou seja, por uma antecipação da ação pelo pensamento, sendo, por isso, consciente, deliberada e intencional.
Ainda que num primeiro momento a natureza se apresente como destino, através do trabalho o ser humano supera os determinismos naturais, conseguindo sua liberdade. Por isso, a liberdade é o resultado da ação transformadora do ser humano sobre o mundo, de acordo com seus projetos.
Na filosofia, o termo práxis é utilizado para delimitar a especificidade da atividade humana, diferenciando-a dos outros animais.  Práxis significa a união indissolúvel entre teoria e prática, uma vez que, em toda ação humana sempre encontramos a teoria (conceitos, representações, explicações, justificativas, intenções, etc.), mas “também toda teoria, como expressão intelectual de ações humanas já realizadas ou por realizar, é fecundada pela prática.” (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006, p. 76)
Quando olhamos para a realidade, essa concepção que articula trabalho, cultura e liberdade, parece de outro mundo, pois no dia-a-dia percebemos que a maioria das pessoas estão presas a profissões pouco libertadoras e criativas (para nós, docentes, é só frequentarmos as salas de professores para constatarmos o desânimo, a apatia e o estresse). Na verdade, o trabalho só pode ser considerado libertador se o trabalhador não for explorado, “situação em que deixa de buscar a satisfação de suas necessidades para realizar aquelas que foram impostas por outros. Quando isso ocorre, o trabalho torna-se inadequado – e até um empecilho – à humanização: trata-se do trabalho alienado.”  (Idem, Ibidem, p. 76)


Visão histórica da trabalho
  

           Se fizermos uma retrospectiva histórica veremos que a visão que prevalece sobre o trabalho é negativa. Na Bíblia, a felicidade de Adão e Eva chega ao fim com o pecado original e a expulsão dos dois do Paraíso. A partir daquele momento teriam que “ralar” para se sustentarem com o "suor do próprio rosto". Sem falar do "trabalho" do parto que coube a Eva. A própria etimologia da palavra sugere tortura, sofrimento, labuta. Trabalho vem do termo latino tripaliare, do substantivo tripalium,aparelho de tortura formado por três paus utilizado para prender os condenados e para manter os animais difíceis de ferrar presos. Na Grécia e em Roma Antigas, enquanto o trabalho manual era desvalorizado, pois feito por escravos, a atividade teórica, própria dos homens livres, era considerada a mais nobre e digna dos seres humanos. Na Idade Média, mesmo havendo Santo Tomás de Aquino tentado reabilitar o trabalho manual, ao dizer que todos os trabalhos se equivalem, essa realidade não mudou muito, uma vez que vários textos medievais consideram a ars mechanica (arte mecânica) uma arte inferior.
Na Idade Moderna, com a passagem do feudalismo ao capitalismo, as técnicas são aperfeiçoadas, permitindo o processo de acumulação de capital e a ampliação dos mercados consumidores. O aumento da produção faz surgir os primeiros barracões, protótipos das futuras fábricas. Nesses espaços, os trabalhadores se submetem a nova ordem ditada pelo capital: a divisão do trabalho com ritmo e horários preestabelecidos. A partir de então o resultado do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu, passando a produção a ser vendida pelo empresário, que se apodera dos lucros. Encontramos aqui a origem da alienação na sociedade industrial.
            O verbo alienar vem do latim alienare, “afastar”, “distanciar”, “separar”. Alienus significa “que pertence a outro”, “alheio”, “estranho”. Alienar é, portanto, tornar alheio, é transferir para outrem o que é seu.
            Nas sociedades nas quais os segmentos dominantes exploram o trabalho humano (regimes de escravidão, servidão, sociedades capitalistas), os indivíduos perdem a posse daquilo que eles produzem. Sendo assim,

                           “o produto do trabalho encontra-se separado, alienado de quem o produziu. Com a perda da posse do produto, o próprio indivíduo não mais se pertence: não escolhe o horário, o ritmo de trabalho, nem decide sobre o valor do salário, não projeta o que será feito, comandado de fora por forças estranhas a ele. Devido à alienação do produto, o próprio indivíduo também se torna alienado, deixando de ser o centro ou a referência de si mesmo.” (Idem, Ibidem, p.. 76-77)

Alienação na sociedade industrializada


            Com o desenvolvimento do sistema capitalista, a partir do nascimento das fábricas, nos séculos XVII e XVIII, a alienação tornou-se mais evidente. Até então o trabalho era realizado nas manufaturas, nas quais a atividade era predominantemente doméstica. Porém, com o surgimento das fábricas, cresceu


                           “a dicotomia concepção-execução do trabalho, ou seja, o processo de separação entre aqueles que concebem, criam, inventam e que vai ser produzido e aqueles que são obrigados à simples execução do trabalho.” (Idem, Ibidem, p. 76-77)

Com o desenvolvimento do sistema fabril, o norte-americano Henry Ford introduziu, no início do século XX, a linha de montagem na indústria automobilística. Frederick Taylor (1856-1919) levou adiante a concepção do processo de produção parcelado, estabelecendo os princípios do método científico de racionalização da produção, o taylorismo.

                          “Esse sistema, que visa a aumentar a produtividade e economizar tempo, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos [...], foi implantado com sucesso e logo extrapolou os domínios da fábrica, atingindo as demais empresas, os esportes, a medicina, a escola e até a atividade da dona de casa.”  (Idem, Ibidem, p.77)

                                                                 
                                                             ***


          É isso, amigas e amigos. Próxima semana volto com a segunda parte do artigo.  Por enquanto, fiquem com um dos letristas mais criativos do rap nacional, Gabriel, o Pensador, e sua bem humorada (e ácida) visão da instituição escolar e da nossa profissão.  
           Abraços e até semana que vem!



 Zebé Neto
filósofo, escritor e educador