Prezada leitora, prezado leitor do Cabeça, sair do estado de alienação é mais difícil do que imaginava. Está sendo muito árduo o caminho de saída da "caverna" (como Platão, aliás, já alertava na República). Daí a demora em publicar a quarta parte da Paideia a Caio e a Ravi. Espero que na próxima saia!
E por falar em alienação, o texto "Na contramão da história" traz a ideia de que os representantes das escolas particulares de Pernambuco (sem tirar a responsabilidade dos professores por sua própria formação) são responsáveis direto pela alienação e aviltamento da atividade docente ao negar as condições mínimas de trabalho.
Noite do Desbunde Elétrico: movimentando
a cena "udigrudi" do Recife
A alienação é tão grande que poucos professores conhecem e acompanham a cena cultural de Pernambuco. Só para ficar nos campos da música e do cinema, aposto que a maioria não conhece nomes da música independente pernambucana, como Jalu Maranhão, D Mingus, JuveNil Silva ou Zeca Viana, nem que os três últimos se apresentarão amanhã (01/06) no Festival Desbunde Elétrico. Com relação à Sétima Arte não é diferente: pouquíssimos professores e professoras já ouviram falar nos cineastas Camilo Cavalcante, Cláudio Assis ou Kleber Mendonça Filho, nem que eles foram contemplados na sexta edição do Fundo de Incentivo à Cultura (Funcultura) do Audiovisual para realizarem seus novos projetos, os longas King Kong em Asunción e Aquarius (Cavalcante e Mendonça Filho, respectivamente) e o curta-metragem Gigantes pela própria natureza (Assis).
Tem problema não, amiga professora, amigo professor: mesmo que a classe patronal não queira que aumentemos nossa bagagem cultural (vejam a negação dos representantes dos donos de escolas em oferecer para o corpo docente assinaturas de jornais e revistas), aqui no Cabeça vocês tem acesso ao melhor da produção cultural pernambucana através da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça. Na programação da primeira, os curtas "Alma cega" (Camilo Cavalcante) e "Recife frio" (Kleber Mendonça) e longa-metragem "Febre do Rato", de Cláudio Assis. Já na Rádio Cabeça, o som de D Mingus, Juvenil Silva e Zeca Viana. Espero que vocês curtam os filmes, as músicas e o texto que segue abaixo. Valeu a atenção e com vocês: Na contramão da história
A campanha salarial 2013 da categoria dos professores da rede privada de Pernambuco vai chegando ao
fim e mais uma vez o filme se repete: a classe patronal se recusa a promover
melhorias nas condições de trabalho das professoras e dos professores da Rede Privada. Na
verdade, melhor seria dizer “atenuar as condições precárias”, porque nenhum
professor vai “melhorar” sua condição de trabalho com o mínimo que foi pedido (e
negado pelos patrões).
Entre
as principais reivindicações temos: manutenção dos
direitos conquistados, unificação dos pisos em R$ 12,00 por hora/aula, reajuste
do salário em 10%, vale alimentação para professores com dois turnos na mesma
escola, bonificação de 30% para aquisição de livros na Bienal do Livro de
Pernambuco, assinatura de jornais e revistas nas salas dos professores, convênios
e planos de saúde para os professores.
Sabemos que a desvalorização e o aviltamento aos quais
historicamente os profissionais docentes são submetidos, desde os
séculos XVII e XVIII, quando as escolas como conhecemos hoje começaram a ser
configuradas, até os dias atuais, não serão apagados com atendimento a essas
(apenas básicas) exigências, no entanto, a luta dos trabalhadores, inclusive
com a decretação de greve na última quarta (29/05), tem uma função simbólica:
mostrar que somos professores com orgulho e exigimos respeito!
Além de ser um contrassenso não investir
nas condições de trabalho e formação continuada dos professores, uma vez que
esses são os protagonistas na construção de propostas de ensino e aprendizagem
significativas, a postura da classe patronal mostra-se não muito inteligente e
em descompasso com a organização do capitalismo em sua fase atual, Capitalismo Informacional (ou do Conhecimento), marcado pela acumulação através da aplicação do conhecimento; intensificação da globalização da economia; aceleradas inovações tecnológicas (transportes, telecomunicações, informática, robótica, biotecnologia, etc), "neoliberalismo"(Estado "mínimo"), especialização da mão-de-obra, entre outras características.
Atualmente, as empresas mais bem
sucedidas e líderes nos seus setores, são aquelas que investem na qualidade de
vida dos seus “colaboradores” (eufemismo neoliberal para “empregado” ou
“funcionário”). Um trabalhador, visto a
partir de sua dignidade humana, sendo reconhecido pela importância do papel que
exerce, tendo voz para propor saídas criativas quando a situação adversa assim
o exige, recebendo com justiça pelo trabalho que executa, produziria muito mais
(gerando um trabalho de melhor qualidade e, consequentemente, mais lucro para
as escolas), pois mais motivado a buscar a excelência da sua atividade.
Como no Brasil as coisas só chegam com
atraso, agora é que nossos empresários da educação estão na fase do capitalismo
mais selvagem. E haja exploração e mais-valia, não só pelos baixos salários que
recebemos, mas, principalmente, pelo “trabalho oculto” que não entra na
remuneração (só recebemos por aqueles 50 minutos que temos para construir
situações de aprendizagem com nossos/nossas estudantes, ficando de fora as
horas de pesquisas, leituras, fichamentos, planejamentos, concepção de
atividades significativas, preparação de avaliações, correção das mesmas,
preenchimento de cadernetas e relatórios diversos, preparação de material
diferenciado, de acordo com as singularidades das/dos estudantes...)
É, senhoras patroas e senhores patrões, do jeito que está, logo logo, não restará nem mais professores para serem explorados. Para a classe patronal não ficar na contramão da história, não estaria na hora de se inspirar e seguir o exemplo das empresas capitalistas de ponta, que continuam explorando, mas
dão uma condição de vida melhor aos seus “colaboradores” (ou melhor,
“empregados”) para que esses possam produzir mais e melhor, aumentando, consequentemente, os lucros potenciais que uma educação de qualidade pode representar?
Prezado leitor, prezada leitora, o texto abaixo foi publicado ontem e revisto e ampliado hoje, dia 03/05. Pra galera que vem acompanhando a série de textos que compõem a Paideia a Caio e a Ravi (minha primeira tentativa em sistematizar meu projeto de educação), advirto que a postagem de hoje ainda não é a quarta e última parte da série citada. O presente texto nasceu da minha participação num bate-papo no CESAR.Edu com uma galera que vem fazendo diferente ao buscar criar ambientes que facilitam a aprendizagem num momento de inadequação entre o modelo tradicional e as demandas colocadas pela chamada "era da informação e da comunicação".
Como não poderia ser diferente, as programações da Cabeça Bemfeita TV e da Rádio Cabeça fazem referência a tecnologia. Na Cabeça Bemfeita TV vocês assistem a Série Diálogos: O Futuro se Aprende, promovido por Inspirare, Porvir e Fundação Telefônica. Entre os palestrantes, Luciano Meira, um dos convidados da segunda edição dos Diálogos Interacionais II. Já na Rádio Cabeça, escolhi duas bandas que utilizam a tecnologia nas suas composições: Kraftwerk, clássico e influentegrupoalemão, que desde a década de 1970, quando foi formado por Ralf Hütter e Florian Schneider, tem sido referência obrigatória dentro da cena de música eletrônica, e o Revolution Void, banda que descobri há uns dois anos e que mistura jazz e música eletrônica. Abaixo, The Man Machine (com imagens do filme Metrópois ilustrando a música), com Kraftwerk, e Factum par fictio, com o Revolution Void.
Na página (Cons)CIÊNCIA & TECNOLOGIA, estão disponíveis os textos que me ajudaram a escrever a postagem de hoje.
Antes do texto, não poderia deixar de passar o vídeo "A Escola é um saco", pois ele sintetiza bem a discussão levantada por aqui: a inadequação da escola tradicional para atender as necessidades da sociedade atual, marcada pela revolução tecnológica e científica.
"As TICs e a docência: desafios e possibilidades para o professor do século XXI" Quem acompanha o Cabeça sabe que a tecnologia é um dos eixos
temáticos de interesse do blog. Apesar da complexidade e amplitude da discussão
sobre a tecnologia e seus impactos na sociedade contemporânea, me restringirei
, na postagem de hoje, a fazer algumas considerações críticas sobre a
influência das novas tecnologias da informação e comunicação (ou simplesmente
TICs) na prática docente.
O texto nasceu não só do meu interesse pelo tema, mas também como forma de organizar minhas ideias para
um bate-papo que irei participar no C.E.S.A.R.Edu (espaço de formação do C.E.S.A.R. cuja missão é preparar capital humano em TIC)com Luciano Meira (professor de psicologia da UFPE e pesquisador associado da Joy Street), Monica Lira (bailarina e coreógrafa), Rodrigo Medeiros (designer, artista e educador do Robô Livre) e Cláudio Lacerda (bailarino, coreógrafo e pesquisador) sobre novos modelos de aprendizado. O evento faz parte de uma série diálogos com especialistas, profissionais e usuários de diversas áreas, como preparação para o Interaction South America 2013, encontro sul-americano de design de interação e que será realizado no Recife.
Como tenho investido mais na escrita do que na oralidade,
resolvi registrar aqui no blog minhas ideias, não só para orientar minha fala, mas também para
garantir que minha visão sobre as questões norteadoras do debate (o professor como eixo centralizador e o aluno passivo na ação de aprendizado ainda tem espaço? Quais os papeis das novas tecnologias nesse processo? Qual o lugar da produção de conhecimento coletiva? Como ganhar escala em experiências inovadoras?) possam chegar aos meus interlocutores na sua totalidade, de forma mais clara.
Na primeira parte, apresento minha concepção sobre a
atividade docente. Em seguida, abordo os impactos que as TICs têm acarretado ao
trabalho do professor. Finalizo o texto, defendendo que as dificuldades encontradas pelos professores e pelas escolas é muito mais fruto de nossa formação descurada do que da nossa exclusão digital.
A atividade docente
A análise do
trabalho docente pressupõe o exame das relações entre as condições subjetivas
(formação do professor) e as condições objetivas (condições efetivas de
trabalho, desde a organização da prática até a remuneração do professor). No artigo "Significado e sentido do trabalho docente, Itacy Basso diz que as condições subjetivas (ou seja, sua formação) determinam a qualidade da atividade docente no espaço da sala de aula.
Para o psicólogo, Alexandre Rivero, citado por Gorzoni, em outro artigo por mim consultado para a redação do presente texto, “o mundo vive transformações radicais, a produção do conhecimento e as conquistas tecnológicas assumem uma velocidade muito intensa. Estas modificações influenciam o mercado de trabalho exigindo um profissional que se atualize constantemente e que se aproprie da tecnologia a serviço de seu foco profissional". Dentro desse cenário, como
promover, então, mudanças na prática pedagógica se as condições objetivas do
trabalho docente não são favoráveis? Num contexto de desvalorização do trabalho
do professor, a mudança depende, quase que exclusivamente, de uma formação
adequada e do entendimento claro do sentido do seu trabalho.
Para compreendermos
o significado do trabalho docente, precisamos destacar a ação mediadora que outro
(ou outros) indivíduo (s) representa (m) no processo de apropriação dos
resultados da prática social, ou seja, da cultura, uma vez que o sentido da
atividade docente é a mediação
que professor realiza entre o/a estudante e a cultura. Sendo assim, a finalidade
específica da educação formal é:
“propiciar a apropriação de instrumentos culturais
básicos que permitam elaboração de entendimento da realidade social e promoção
do desenvolvimento individual. Assim, a atividade pedagógica do professor é um
conjunto de ações intencionais, conscientes, dirigidas para um fim específico.” (BASSO, O significado e sentido do trabalho docente. [ensaio on-line] Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-32621998000100003&script=sci_arttext [02/05/2013] ).
A finalidade do trabalho docente consiste, portanto, em garantir às
novas gerações (e as velhas também) acesso ao que não é reiterativo na vida
cotidiana, ou seja, “o professor teria uma ação mediadora entre a formação do
aluno na vida cotidiana onde ele se apropria, de forma espontânea, da
linguagem, dos objetos, dos usos e dos costume, e a formação do aluno nas esferas
não cotidianas da vida social, dando possibilidade de acesso a objetivações
como ciência, arte, moral etc. (Duarte 1993) e possibilitando, ao mesmo tempo,
a postura crítica do aluno.” (Idem)
É evidente que o professor só pode atingir tais
objetivos se tiver uma formação adequada para isso. Sem querer entrar aqui no
debate de se as novas diretrizes propostas pelo MEC estão à serviço do capital
internacional globalizado ou se visam um projeto de educação emancipatória,
considero as competências propostas pelas Diretrizes Nacionais Gerais da
Educação Básica fundamentais para o trabalho pedagógico.
Segundo
esse documento, além dos conhecimentos ordinários que todo professor deve
dominar (como possuir um “conhecimento da
escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e
na cidadania”, “saber orientar,
avaliar e elaborar propostas, isto e, interpretar e reconstruir o
conhecimento”, “transpor os saberes específicos de suas áreas de conhecimento e
das relações entre essas áreas, na perspectiva da complexidade”; “conhecer e
compreender as etapas de desenvolvimento dos estudantes com os quais está
lidando”, etc.), “hoje, exige-se do professor mais do que um conjunto de
habilidades cognitivas, sobretudo se ainda for considerada a lógica própria do
mundo digital e das mídias em geral, o que pressupõe aprender a lidar com os
nativos digitais.”
Essa nova realidade exige que o professor saiba “utilizar
conhecimentos científicos e tecnológicos, em detrimento da sua experiência em
regência, isto é, exige habilidades que o curso que o titulou, na sua maioria,
não desenvolveu.” Sendo assim, na atualidade o professor, além do domínio do
conhecimento específico da docência, precisa desenvolver saberes pluri e
transdisciplinares que antecedem, sucedem ou permeiam sua atividade. Um desses
saberes é o domínio e a utilização das tecnologias da informação e da
comunicação (TICs).
As TICs e a docência
As tão faladas TICs nada
mais são do que o conjunto das tecnologias que mediam e potencializam os
processos informacionais e comunicativos entre os seres humanos. “Ainda, podem
ser entendidas como um conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si,
que proporcionam, por meio das funções de hardware, softwares e telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de
negócios, da pesquisa científica e de ensino e aprendizagem.”
Ainda que na atualidade tenhamos à
disposição várias tecnologias que viabilizam a comunicação, o que tem agregado mais valor a essas tecnologias é a interação e a colaboração entre elas.
Saber acessar, selecionar, produzir e
transmitir informações tornam-se competências e habilidades a serem buscadas,
singularizando indivíduos e instituições num mundo cada vez mais competitivo. “Não
somente ter uma grande quantidade de informação, mas sim que essa informação
seja tratada, analisada e armazenada de forma que todas as pessoas envolvidas
tenham acesso sem restrição de tempo e localização geográfica e que essa
informação agregue valor às tomadas de decisão.”
Na chamada era da informação, da
comunicação e do conhecimento os paradigmas clássicos de sustentação do sistema
capitalista, típicos da era industrial (bens de consumo durável, maquinário,
trabalho mecânico e em série, produtos etc.) sede lugar para a informação como
principal elemento fomentador de riqueza.
Ninguém nega que a revolução dos
recursos tecnológicos integrados têm cumprido bem suas funções nos processos de
negócios e da pesquisa científica, mas, quando vamos para e processo de ensino
e aprendizagem, não percebemos o mesmo êxito.
Apesar de já estar
presente no ambiente escolar, através de computadores, internet e softwares
educativos, as novas TICs ainda são subutilizadas, tanto pelos professores,
quanto pelas escolas. Como diz Moran,
“as tecnologias chegaram nas escola, mas estas sempre privilegiaram mais
o controle a modernização da infraestrutura e a gestão do que a mudança. Os
programas de gestão administrativa estão mais desenvolvidos do que os voltados
à aprendizagem. Há avanços na virtualização da aprendizagem, mas só conseguem
arranhar superficialmente a estrutura pesada em que estão estruturados os
vários níveis de ensino.” (MORAN, José Manuel. A integração das tecnologias na educação. [ensaio on-line] Disponível em: http://www.eca.usp.br/moran/integracao.htm [02/05/2013])
Não podemos esquecer que
a escola é uma instituição mais tradicional que inovadora. Continua Moran: “os
modelos de ensino focados no professor continuam predominando, apesar dos
avanços teóricos em busca de mudanças do foco do ensino para o de aprendizagem.”
De fato, uma conferida na legislação vigente e na produção científica nas áreas
de filosofia e história da educação, da pedagogia e das didáticas geral e
específicas nos leva a concluir que já estamos em pleno paradigma emergente. Mas, quem acompanha o
realidade escolar mais de perto, não se surpreende ao encontrar, na quase
totalidade das instituições, públicas ou privadas, o ensino “magistocêntrico” (o professor como centro do processo) e o predomínio das "metáforas" tradicionais (transmissão, absorção, retenção, seriação, aprovação, reprovação, controle), as quais o professor Luciano Meira se refere em palestra promovido por Inspirare, Porvir e Fundação Telefônica, ano passado em São Paulo.
Enquanto os alunos estão antenados com o que “rola”
de mais avançado no universo multimídia, os professores, em geral, apenas
mandam (atividades e/ou provas) e/ou recebem (informes e solicitações
verticalmente imposta pela tecnocracia) emails. Segundo Moran:
“os professores sentem cada vez mais claro o
descompasso no domínio das tecnologias e, em geral, tentam segurar o máximo que
podem, fazendo pequenas concessões, sem mudar o essencial. Creio que muitos professores têm medo de
revelar sua dificuldade diante do aluno. Por isso e pelo hábito mantêm
uma estrutura repressiva, controladora, repetidora. Os professores percebem
que precisam mudar, mas não sabem bem como fazê-lo e não estão
preparados para experimentar com segurança.” (Idem)
Sem querer tirar a responsabilidade do professor
com sua própria formação, não podemos deixar de considerar que, enquanto
instituição social, a escola tem a missão de ser um espaço de formação, não só
do corpo discente, mas, principalmente, da própria equipe gestora, incluindo
professores, coordenadores e diretores. Não é difícil encontrarmos instituições
que exigem mudanças dos professores sem dar-lhes, em contra partida, condições
para que eles criem e efetivem propostas inovadoras. Algumas “organizações introduzem computadores,
conectam as escolas com a Internet e esperam que só isso melhore os problemas
do ensino.” (Idem)
A maioria dos administradores que investem pesado na aquisição de
recursos multimídia se frustram ao perceber que tanto esforço e dinheiro
investidos “não se traduzem em mudanças significativas nas aulas e nas atitudes
do corpo docente.” (Idem)
Considerações finais: Mais Machado de Assis e Joyce, menos Gates e Jobs
Com o professor Libâneo, entendo a educação como condução de um estado a outro, como modificação numa certa direção o que é suscetível de educação. "O ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível do intrapessoal como no nível da influência do meio, interação essa que se configura numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida." (LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985, p. 97)
Como instância mediadora, a ação pedagógica estabelece a interação entre indivíduo e sociedade (cultura), propiciando a construção de instrumentos culturais básicos que permitam aos indivíduos elaborarem autonomamente seu próprio entendimento da realidade social na qual está inserido e promoverem o desenvolvimento individual. Por isso mesmo, a educação não pode ser compreendida sem uma análise do contexto histórico-social concreto, sendo a prática social, portanto, o ponto de partida e chegada da ação pedagógica. (Aranha, 2008)
Infelizmente, é comum observarmos o "espontaneísmo" na educação, "resultado da indevida dicotomia entre teoria e prática, porque o professor não foi adequadamente informado a respeito da teoria ou porque não sabe como integrá-la à prática efetiva." (Aranha, 2009, p. 33)
Até bem pouco tempo, tanto por não ter sido adequadamente (in)formado a respeito das teorias que julgava adequadas, quanto por não saber integrar teoria e prática, era um típico representante da média dos professores que executa sua atividade sem uma noção muito clara sobre os pressupostos teóricos que subjazem toda ação educativa, tendo consciência deles ou não.
Desde 2008, quando encontrei um referencial teórico que mostrava o retrato da minha própria situação, qual seja, uma reportagem da revista Nova Escola apresentando o discurso vazio dos professores que utilizam no seu cotidiano expressões que poucos sabem o que significam, passei a investir na superação da minha formação descurada, eliminando o "espontaneísmo" que caracterizava meu trabalho.
Por experiência própria, sei o quanto é difícil assumirmos nossos erros, incompetências e ignorâncias numa sociedade que cobra o tempo todo que sejamos eficazes, ágeis, flexíveis. Sei também que, assim como eu, existem muitos professores que, devido a péssima qualidade do sistema educacional brasileiro, não desenvolveram adequadamente as competências e habilidades necessárias para o exercício da cidadania, como o domínio das novas tecnologias da informação e comunicação.
Com medo de revelar suas limitações (que deveriam serem transformadas em motivadoras do conhecimento), mas também pelo hábito, os professores "mantêm uma estrutura repressiva, controladora, repetidora". (Moran). Apesar de perceberem que precisam mudar, os professores não sabem bem como fazê-lo.
Como tenho defendido, a dificuldade que professores e instituições estão encontrando para incorporarem as TICs como instrumento de formação continuada e recurso pedagógico (sempre como "meio" de desenvolvimento de competências, tais como, saber pesquisar, selecionar, sistematizar, produzir e transmitir informações e conhecimentos, e nunca como "fim" em si próprio), decorre muito mais do não domínio de competências básicas para o exercício da cidadania, como a capacidade de leitura crítica e reflexiva de textos de diferentes estruturas e registros, por exemplo, do que do acesso e aos recursos tecnológicos.
Só passei a mim incluir digitalmente e a utilizar significativamente as TICs, quando resolvi desenvolver e aprimorar as competências leitora e escritora, base das demais, inclusive das digitais. Como digo no texto Letramento digital e cidadania: mais Machado de Assis, menos Steve Jobs e Bill Gates, "para mim as coisas começaram a mudar quando percebi que antes de pensar em mergulhar na linguagem tecnológica deveria voltar-me para as tecnologias básicas de leitura e escrita. A minha inserção no mundo digital é uma consequência direta, portanto, do meu aprimoramento como leitor e escritor."
É por isso que eu digo que, antes de sairmos por aí querendo ser os próximos Steve Jobs ou Bill Gates, procuremos ser, antes, Machado de Assis ou James Joyce. Quem lê e escreve com competência, certamente, procurará utilizar diversos meios e recursos. As TICs são apenas mais um desses recursos. Não podemos esquecer que as TICs são apenas uma parte de um desenvolvimento contínuo de tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo conviver para a efetivação de ambientes de aprendizagem significativas, sejam presenciais ou on-line.
A utilização eficiente de qualquer recurso (seja o piloto que ficou no lugar do giz ou as mais avançadas parafernalhas tecnológicas), portanto, é diretamente proporcional a qualidade da formação do professor.
Quem se interessa por questões referentes as TICs na educação, poderá encontrar obras de referência no site da UNESCO. Não deixem de conferir também a reportagem da Nova Escola que fala do discurso vazio dos professores.
Espero que as questões por mim levantadas possam contribuir para a reflexão sobre os impactos que as TICs têm trazido para a educação, em sentido mais amplo, e para a atividade docente, em particular. Valeu a força e vamos dialogando!