quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sobre o ser filósofo, escritor e educador (Parte II)

Prezados e prezadas possíveis leitores e leitoras, na última postagem falei que era minha intenção publicar a segunda parte da reflexão que iniciei sobre as identidades que no momento venho construindo, as de filósofo, escritor e educador, nesse fim de semana que passou.
Acontece que tenho outra identidade que toma a maior parte do meu tempo: a de pai. Não é fácil ser um pai contemporâneo: cuidar da alimentação, da higiene, brincar, manter a casa limpa... E pra agravar a situação, minha esposa, Sabrina, que divide comigo o cuidado com as nossas crias, tá com o dedo quebrado, exigindo ainda mais minha atenção. Além disso, voltei recentemente para sala de aula, diminuindo ainda mais meu já limitado tempo.
Como vocês sabem o exercício da escrita exige um certo rigor para concatenar as ideias e os argumentos, pensar nos termos apropriados para expressar com fidelidade os juízos construídos, realizar eventuais pesquisas, revisar o que foi escrito, o que, convenhamos, demanda tempo. Como o tempo é um “artigo” raro no mundo atual minha produção não tem sido tão intensa quanto gostaria.
Mas, mesmo com toda dificuldade, não abro mão da minha formação pessoal (o que inclui os aspectos cognitivos, afetivos, éticos, políticos e estéticos) e profissional. Encontrei no blog Cabeça Bemfeita uma forma de preencher as lacunas que foram ficando na minha formação básica (chamo de formação básica a educação formal, incluindo ensino fundamental, médio e universitário). Por isso mesmo, o blog continua fazendo minha cabeça! Gostaria muito que, de alguma forma, contribuísse para fazer a sua também!
Quem quiser manter um diálogo comigo, toda quinta-feira pretendo publicar um texto novo sobre as áreas de interesse do blog: filosofia, arte, ciência, educação, tecnologia, comunicação e trabalho. Terei o maior prazer em dividir com vocês a responsabilidade de construirmos um espaço de reflexão e crítica.
Amanhã já penso em publicar alguma coisa sobre a identidade que o professor precisa construir se quiser escapar dos efeitos da tão falada (e pouco compreendida) crise de paradigmas da sociedade atual, que reverbera diretamente na educação. Para quem não sabe, sou diretor (olha aí, mais uma identidade!) do SINPRO, cuja campanha reivindicatória 2012 adotou os conceitos de “identidade”, “dignidade” e “valorização”. Vou aproveitar esse momento de fortalecimento da minha competência escritora para oferecer a meus colegas de categoria uma série de reflexões sobre a identidade docente, visando ajudá-los na travessia da crise que atinge a todos nós.
Finalmente, deixo com vocês minhas considerações sobre o que é ser filósofo, escritor e educador e por qual razão assumo tais identidades. Pelos motivos já apresentados, não deu para falar sobre o escritor e o educador. Mais na frente apresento minha concepção sobre tais identidades.  Até lá!

Sobre o ser filósofo, escritor e educador (Parte II)
                Examinando alguns artigos da Lei de Diretrizes e Bases n° 9.394, de 1996, chegamos à conclusão que uma formação filosófica básica é imprescindível para quem deseja exercer uma cidadania efetiva.
No art. 35 encontramos que, além da preparação para o trabalho e a cidadania, é finalidade do Ensino Médio, aprimorar o educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (inciso III) e a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (inciso IV). Já o art. 36, no inciso III do § 1°, diz que ao final do Ensino Médio o educando demonstre domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Ora, como a maioria de nós, não adquiriu durante sua formação básica competências e habilidades filosóficas, sou levado a crer que a maioria de nós não exercer plenamente sua cidadania, uma vez que, de acordo com a LDB, é necessário o domínio dos conhecimentos filosóficos e sociológicos para tal exercício.
Além disso, como fica nossa “formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” sem o conhecimento adequado da disciplina que tradicionalmente responde por essa formação, qual seja, a filosofia?
Como represento mais um caso do fracasso do sistema nacional de ensino, que não socializa igualitariamente os bens culturais, não adquiri os conhecimentos filosóficos necessários para o exercício da cidadania.
Na verdade, se for radicalizar e levar em consideração as competências e habilidades sugeridas para todas as áreas como metas da educação básica, verifico que, apesar de nunca ter repetido nenhum ano, quase nenhum conhecimento foi construído significativamente por mim.  
Justamente pra não ser um “cidadão de papel” é que tenho me aproximado cada vez mais da atitude filosófica.

Sobre o ser filósofo.
 

A primeira vez em que prestei atenção ao sentido da palavra filosofia foi numa aula de História, num cursinho aqui do Recife, quando o professor abordou o legado da civilização grega para o Ocidente.
Entusiasmado com a história daqueles homens (a tríade Sócrates, Platão e Aristóteles), naquele mesmo dia, quando meu pai chegou do trabalho, perguntei-lhe: “Pai, o que é Filosofia?” Ele nada respondeu. Apenas me pediu para aguardar e se retirou. Logo depois, aparece seu Du (na verdade, “Crenivaldo”, mas só minha mãe que chama ele assim) com dois volumes de uma edição já clássica, de 1955, dos Diálogos de Platão. Depois de entregar-me os livros, disse: “Olha aqui a Filosofia”. Não sabia ele, mais aquela sua atitude iria mudar para sempre minha vida!
Há algum tempo, quando ainda não compreendia direito o significado da filosofia ficava todo sem jeito quando alguém me chamava de filósofo: “Filósofo eu, imagina! Um garoto suburbano, que teve uma educação formal básica rudimentar, ser chamado de filósofo! É até uma ofensa para ilustres pensadores que discutiram sobre grandes questões que afligem a humanidade”.
Hoje, depois que iniciei uma revisão crítica dos meus conhecimentos e saberes, assumo-me como filósofo, não porque possuo um sistema filosófico pronto e acabado, ou escrito imensos tratados sobre todos os aspectos da realidade, ou ainda porque me formei em filosofia na UFPE. O que me faz filósofo é a consciência do meu não saber.
Enquanto achava que sabia, minha vida era um verdadeiro tormento: confusão de ideias, ausência de projetos (pessoais e profissionais), visão de mundo e de mim mesmo fragmentada, constantes crises existenciais, melancolia, depressão, estresse, relacionamentos interpessoais conflituosos... (uuufa!!! Já deu pra sentirem o drama, não?)
Desde o momento em que reconheci minha ignorância e que socraticamente assumi que “só sabia que nada sabia”, passei a usar minhas limitações, ignorâncias e erros, como aliados do meu processo de autoconhecimento, visando cada vez mais compreender melhor o mundo, as pessoas e, principalmente, eu mesmo, proporcionando, nesse processo, momentos de conforto espiritual, através de experiências estéticas, cognitivas, afetivas, morais e políticas.
Garanto-lhes, prezados leitores e leitoras, que a filosofia é realmente libertadora. Mas, por quê?
No texto o Mito da Caverna, Platão utiliza uma alegoria para descrever a situação na qual o homem comum se encontra: presa da ideologia e da alienação. No mito, os seres humanos acorrentados no interior de numa da caverna só tinham acesso ao mundo exterior através das sombras das coisas projetadas no fundo da caverna. Como nunca haviam tido contato com o mundo exterior, acreditavam que as sombras eram as próprias coisas. Até que um dos prisioneiros rompe as correntes que o mantinha preso e consegue, depois de enfrentar um caminho inóspito, chegar do lado de fora, onde estava o mundo real.
Podemos entender as sombras como os conhecimentos adquiridos pelos sentidos ou através das opiniões, crenças e valores aos quais aderimos sem maiores questionamentos. O prisioneiro que consegue se libertar é o filósofo que, através de um método rigoroso, rompe com os pré-conceitos, pré-julgamentos, opiniões e crenças que todos acreditam serem verdadeiras.
Assumi a filosofia como parte integrante da minha identidade porque não estava mais suportando “viver na caverna”, ou seja, viver uma vida alienada, sem projetos pessoais, assumindo papéis impostos por agentes externos a minha própria vontade.

E o que é, então, a filosofia? 

A filosofia é a atitude de colocar em questão o que parece indiscutível, de duvidar das certezas cotidianas, daquilo que parece “banal”, questionando as verdades preestabelecidas e assumindo a dúvida como motor desse processo crítico.
Para Demerval Saviani, uma reflexão é filosófica quando é radical (busca as raízes da questão, vai até o fundamento, procurando explicitar as bases do pensar e do agir), rigorosa (exige um método claro, que nos permita proceder com rigor, garantindo o exercício da crítica e a coerência do discurso) e de conjunto (examina os problemas numa perspectiva de totalidade, considerando as diversas dimensões que os compõem).
Como pretendo investir cada vez mais na minha condição de filósofo, resolvi radicalizar nas minhas investigações. Resolvi ir até as raízes, aos fundamentos do meu pensamento e da minha ação na tentativa de transformar minha realidade que até bem pouco tempo não era nada satisfatória. Logo me percebi mergulhado no mais absoluto “espontaneísmo” (situação daquele que não tem consciência clara sobre os pressupostos filosóficos que subjazem seu pensamento e sua ação).
Não vacilei, imediatamente passei a buscar um método que me permitisse proceder com rigor, um caminho que garantisse a coerência e a coesão das minhas reflexões, além do exercício da crítica.  Esse exercício tem me permitido sistematizar meus sentimentos, valores, conhecimentos, procedimentos e atitudes numa perspectiva de conjunto, de totalidade, onde as várias linhas de especulação que venho desenvolvendo encontram-se organicamente integradas.
Sei da delicadeza da minha postura, pois vivemos numa sociedade que mascara a realidade e oculta a verdade. Historicamente vários filósofos tiveram problemas com o poder instituído, pelo fato da reflexão filosófica ser instituinte, por criticar os valores e conceitos herdados, propondo outros alternativos.
Eu mesmo fui demitido de duas grandes escolas aqui do Recife por tentar alertar que a nossa dificuldade em promover uma educação significativa vinha do fato de não possuirmos uma compreensão adequada sobre os pressupostos filosóficos que subjazem qualquer prática pedagógica, tenhamos consciência deles ou não. Em uma delas, inclusive, fui acusado, acreditem, de “corromper a juventude” (qualquer semelhança com Sócrates não é mera coincidência!), o que me valeu uma tentativa de demissão por justa causa.
Pra finalizar minhas considerações sobre o ser filósofo, destaco que a filosofia é filha da cidade, ela só surgiu na Grécia Antiga devido às condições políticas que favoreciam o uso da palavra em praça pública, onde os atenienses defendiam suas ideias, colocando-as para a apreciação dos demais. Estou apenas no início de minhas reflexões, mas já estou vindo a público (nesse caso específico na Ágora da sociedade tecnológica: a internet) para expressar meus posicionamentos, ideias e valores para a apreciação crítica de outros filósofos que, assim como eu, não abrem mão de interferir nos “negócios da cidade”, ou seja, na política.

                                                           ***

            Semana que vem trago minha visão sobre o ser escritor e educador. Até lá!!!


Zebé Neto
                                                                                                                       filósofo, escritor e educador

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