quinta-feira, 31 de maio de 2012

Professor: mais valorização, menos mais-valia

           Prezada leitora, prezado leitor, no dia de ontem tivemos mais uma Assembleia da Campanha Salarial 2012 dos professores da rede privada de Pernambuco. Mais uma vez, como acontece todos os anos, a classe patronal rejeitou um acordo que visava atenuar  ("atenuar", porque é difícil se falar em "ganho real" quando a referência são sempre patamares insignificantes) a situação difícil pela qual passa os/as docentes da escola privada pernambucana.
          Vivemos um momento agudo, onde a recusa em se chegar a níveis menos humilhantes faz com que o movimento grevista ganhe força. Visando contribuir com o debate sobre as condições de trabalho dos docentes da rede privada, compartilho com vocês algumas considerações que fiz sobre a relação direta entre melhores condições salariais e a construção de uma escola de qualidade.
Como bem lembra Maria Lúcia de Arruda Aranha, “o professor é um profissional e, como tal, além da boa formação, deve ter garantidas condições mínimas para um trabalho decente: materiais adequados, reuniões pedagógicas, atualização permanente, plano de carreira, além de salários mais dignos.” (Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2009, p. 44)
Apesar de já ser um lugar comum dizer que o professor precisa ser valorizado (tema inclusive dos documentos oficiais do MEC), na prática o que obervamos é a desvalorização do trabalho docente, não só pelos salários baixíssimos, como também por falta de uma política séria de formação continuada, tanto na rede pública quanto privada.
Infelizmente, mais uma vez, assistimos o descaso com o professor da rede privada pernambucana, com a total falta de sensibilidade da classe patronal em atenuar a situação degradante das condições de trabalho dos docentes, concedendo-lhes alguns (míseros) ganhos. Se formos radicalizar, nem ganho seria, pois estamos tão defasados que o máximo que conseguíssemos atingir não cobriria as perdas históricas.
Obviamente que as melhorias não virão por um “ato de bondade” dos patrões, mas “só serão possíveis se os professores tomarem consciência política da sua situação e estiverem dispostos a se mobilizar como corpo coletivo, sempre que necessário, como grupo ativo dentro de sua própria escola e/ou engajados em associações representativas de classe que defendem seus interesses.” (idem, ibidem, p. 44)
Contrariamente ao movimento mundial de valorização do magistério, que passa pelo pagamento de salários mais dignos, a classe patronal pernambucana insiste em manter sua visão estreita de que o lucro das escolas vem da exploração do trabalho dos professores, configurada na mais-valia - conceito marxiano que, simplificadamente, seria àquela parte do nosso trabalho que, apesar de ser fruto de nossa atividade, é apoderada por outrem. Exemplo: digamos que, de acordo com as atividades que você executa ordinariamente, sua hora-aula deveria ser R$ 40,00 e você recebe apenas R$ 15,00 (o que para muitos professores que ganham os irrisório pisos dos Nível I e II seria o “sonho de consumo”).  A diferença, ou seja, os R$ 25,00 que você não vê a cor, é a mais-valia. Também é mais-valia as reuniões pedagógicas que frequentamos e não recebemos, “ajudar” na organização da escola para comemorações ou eventos, aulas-passeio, enfim, tudo o que fazemos para além das horas-aula para as quais fomos contratados e não recebemos.
  Aqui fica uma indagação para àqueles que pensam as estratégias de ação do sindicato patronal: os lucros das escolas não aumentariam sobremaneira se os professores tivessem uma remuneração mais adequada, uma vez que favoreceria a construção de um profissional mais competente, apto, portanto, a desenvolver uma proposta pedagógica verdadeiramente significativa e contextualizada?
Está na hora dos gestores da rede privada começarem a modificar suas práticas e investir mais naquele que é (ou deveria ser) o protagonista das necessárias mudanças que o sistema escolar precisa enfrentar. Na sociedade do século XXI, que exige um novo profissional, que seja não só transmissor, mas, principalmente, selecionador, crítico e produtor de informação e conhecimento, as escolas que permanecerão competitivas serão aquelas que investirem na qualificação docente para que o professor adquira as competências profissionais requeridas pela era da informação, da comunicação e do conhecimento.
Quem é professor sabe o quanto é difícil, com a atual realidade salarial, se manter atualizado e investir na sua formação continuada, tanto pela falta de tempo, pois o professor acumula dois, três, em alguns casos, quatro empregos, quanto pela falta de recursos financeiros para investir na compra de livros, na assinatura de revistas especializadas (em educação e na sua área do conhecimento) ou de uma internet decente, nem mesmo para sua formação cultural, pois não “sobra” dinheiro para ir ao cinema, a um show ou ao teatro. Na verdade, o salário do professor mal dá para suprir suas necessidades materiais (moradia, alimentação, transporte, saúde), quanto mais suas necessidades simbólicas.
Pelo que vemos na atual campanha salarial, ainda está longe das escolas particulares pernambucanas se tornarem mais eficientes e abraçarem as novas perspectivas pedagógicas, pois continuam presas ao antigo paradigma (econômico e cultural), cuja baixa remuneração salarial é um dos seus pilares.
Senhores e senhoras donos e donas de escola: vamos ser mais inteligentes e investir mais no professor, pois já está provado que o desenvolvimento de qualquer sociedade (o que inclui suas escolas) só se dá com uma educação com qualidade social, que, por vez, só pode ser alcançada com o pagamento de salários mais justos àquele que é responsável direto pelo êxito das propostas pedagógicas: o professor. Com essa política de contenção salarial vocês estão perdendo o bonde da história!
Senhores e senhoras professores e professoras: vamos nos conscientizar politicamente da nossa situação e nos mobilizar como um corpo coletivo, atuando dentro de nossas escolas e ajudando nossa associação representativa de classe, ou seja, o sindicato, a se rever constantemente e se fortalecer cada vez mais, o quê, em última instância, seria bom, não só para os professores, como para as próprias escolas que, com uma equipe qualificada, devido aos avanços nas conquistas trabalhistas, poderiam oferecer uma (verdadeira) educação com qualidade social, e não o engodo que é oferecido a sociedade pernambucana pela maioria dos estabelecimentos de ensino da rede privada.

Zebé Neto
filósofo, escritor, educador



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